África: Cada vez mais mercenários na "indústria da guerra"
Bettina Rühl
2 de julho de 2021
O Conselho de Segurança da ONU acusa mercenários russos de violações dos direitos humanos na República Centro-Africana. Mas empresas ocidentais também operam em África - e muitas vezes de forma obscura.
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Março de 2020. Um regimento francês patrulha o deserto do Mali. Os veículos blindados estão a mover-se na perigosa área de fronteira com o Níger. A região é um reduto islamista. Mas ali também atuam os combatentes da chamada legião estrangeira.
O facto de que a França não apenas envia os seus próprios soldados para o Sahel raramente é um problema. Os cerca de 10 mil combatentes da legião estrangeira vêm hoje de cerca de 150 países.
A chamada legião estrangeira foi fundada em 1831. Agora, é considerada um modelo em decadência. Desde o final dos anos 90 uma nova indústria vem crescendo: a das empresas militares e de segurança. Os seus serviços vão desde vigilância por radar e voos espiões até operações na linha da frente.
Outras empresas prestam mais apoio logístico às forças armadas de numerosos países: em cuidados médicos, em cozinhas e lavandarias, ou no fornecimento de alimentos e munições.
Herbert Wulff, analista político especializado em pesquisa de paz e conflitos, afirma que "muitos Governos utilizam essas empresas privadas para fugir das suas responsabilidades".
Paz à vista na Líbia?
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"E isto acontece, por exemplo, no caso dos Estados Unidos ou também do Reino Unido. Não é muito bem visto destacar os seus próprios soldados por causa dos muitos soldados que morrem em guerras e conflitos", explica Wulff.
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Estratégia russa
Esta é uma estratégia que o Presidente russo, Vladimir Putin, também utiliza na Síria e em África. Um exemplo é a empresa militar russa privada "Wagner" na Líbia, país rico em petróleo, mas em guerra civil; ou na República Centro-Africana, rica em recursos.
Benno Müchler dirige o escritório da Fundação Konrad Adenauer, do partido alemão CDU, na República Democrática do Congo, e explica: "Por um lado, a Rússia oferece expertise militar, ou seja, conselhos sobre estratégias, questões de armamento e de ação militar. Mas, por outro lado, também oferece muito material militar, desde helicópteros a tanques e armas Kalashnikov".
Agora, a Rússia e os seus fornecedores militares enfrentam uma forte competição ocidental, com atividades não mais transparentes do que as da Rússia.
Fugir da violência na República Centro-Africana
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Concorrência ocidental
O AFRICOM é o Comando dos Estados Unidos para a África baseado em Estugarda, na Alemanha. Apenas para si, eles têm 21 prestadores de serviços militares norte-americanos que trabalham no norte de África e no Sahel. Várias outras empresas de segurança e militares lucram com os conflitos naquelas regiões.
E os seus clientes deixam de ser cada vez mais os Estados, mas empresas privadas, para as quais garantem terrenos, instalações petrolíferas ou minas, por exemplo.
Por isso, trata-se de um mercado cada vez mais confuso, apesar dos esforços internacionais para controlar tais empresas e prevenir crimes de guerra através de possíveis sanções para proteger a vida de civis.
O especialista em direito internacional Marco Sassòli diz que "pelo menos, os norte-americanos têm como política oficial que estas empresas não devem participar diretamente das hostilidades".
Porém, "o problema é a interpretação do termo: o que é a participação direta nas hostilidades? As empresas diriam: 'Não estamos em guerra, estamos apenas a exercer o direito individual de autodefesa: se eu for atacado, devo defender-me'", conclui o especialista.
Conflito no Mali: Dogon refugiam-se em terra ancestral
Com a escalada do conflito no centro do Mali, o povo Dogon fugiu da região de Mopti, que foi a sua casa durante cerca de 700 anos, para "Mande", a sua terra ancestral.
Foto: Udo Lucio Borga
Uma nova vida na terra ancestral
Tal como milhares de outros Dogon, Isaie Dignau deixou a região de Bandiagara, no centro do Mali, por causa da insegurança. Ele e a família refugiaram-se em Nana Kenieba, uma aldeia a cerca de 150 quilómetros a sudeste da capital Bamako. De acordo com Isaie, os contadores de histórias Dogon previram esta migração para terras outrora chamadas "Mande" há centenas de anos.
Foto: Udo Lucio Borga
A profecia do regresso a casa cumpriu-se
Segundo a lenda, os Dogon são originalmente de "Mande", a região do povo Malinke. Entre os séculos XI e XIII, foram forçados a partir face à islamização da África Ocidental. Após uma longa migração, instalaram-se em torno da famosa falésia de Bandiagara, no que é hoje a região de Mopti. Agora, devido à ameaça jihadista, estão a regressar a casa.
Foto: Udo Lucio Borga
Mali, um conflito sem fim
Os caçadores de Dan Na Ambassagou são a principal milícia Dogon em Mopti. O conflito no Mali começou em 2012 e em 2016 alastrou-se para o centro do país. À medida que as tensões entre grupos étnicos aumentavam, formaram-se milícias de autodefesa. A violência é causada pela falta de terras férteis e de água numa área afetada pelo jihadismo.
Foto: Ugo Lucio Borga
As consequências do conflito
O Mali está a enfrentar uma grave crise humanitária em regiões já subdesenvolvidas. A insegurança alimentar afeta 1,3 milhões de pessoas. Cerca de 347.000 pessoas foram forçadas a fugir das suas terras. Muitas procuraram refúgio em países vizinhos, mas a maioria está deslocada internamente e refugiada no sul do Mali e em campos de refugiados próximos de áreas urbanas.
Foto: Ugo Lucio Borga
Os Dogon no conflito do Mali
Muitos Dogon estão diretamente envolvidos no conflito. Seidu Doungo lutou contra os Dan Na Ambassagou na região de Koro. Em 2020, abandonou as armas. A sua família foi ameaçada por jihadistas e ele já não conseguia uma fonte de rendimento. Quando Seidu ouviu falar de Nana Kenieba, decidiu deixar Koro para encontrar a paz em "Mande".
Foto: Ugo Lucio Borga
A hospitalidade local
Os Malinke são o grupo étnico maioritário em Nana Kenieba. Segou Keita é o chefe da aldeia e acolheu os Dogon que regressaram de acordo com a antiga profecia. A comunidade apoia-os financeiramente e inclui-os na tomada de decisões.
Foto: Udo Lucio Borga
Distribuição justa da terra
No alojamento principal de Nana Kenieba, Isaie Dignau mostra a alguns habitantes um mapa das parcelas de terreno. Desde 2016, cerca de 400 famílias Dogon, principalmente de Mopti, instalaram-se aqui. Cada família recebeu dois hectares de terra e alimentos.
Foto: Udo Lucio Borga
Uma comunidade secular
Os Dogon são uma comunidade secular, onde as pessoas são livres de professar o islamismo, o cristianismo ou crenças ancestrais. A aldeia tem duas mesquitas e duas igrejas, com correspondentes escolas corânicas e aulas de catecismo, sinal de um novo tempo de abertura.
Foto: Udo Lucio Borga
O medo ainda existe
O ambiente pacífico de "Mande" parece muito longe do conflito no Mali. Mas a comunidade vive com medo de que os jihadistas possam chegar e iniciar um conflito. Em Nana Kenieba, os habitantes organizaram patrulhas que mantêm os bandidos afastados por agora.