África continua esquecida nos Óscares de Hollywood
Julia Merk
25 de março de 2022
Os Óscares são entregues já este domingo. Em quase 75 anos, a estatueta de "Melhor Filme em Língua Estrangeira" só foi atribuída a África três vezes. A Europa, por outro lado, soma pontos nesta categoria em Hollywood.
Publicidade
Em 2006, o filme sul-africano "Tsotsi" foi uma excepção: ganhou o Óscar de melhor filme estrangeiro. Em regra, a estatueta, que é atribuída desde 1948 vai para um país europeu. Em quase 75 anos, apenas três países africanos ganharam nesta categoria. Os filmes asiáticos e latino-americanos, assim como os filmes africanos, dificilmente participam no evento.
Dos três filmes africanos vencedores, "Z" e "Noirs et Blancs en couleur" foram co-produções francesas, que beneficiaram da forte influência da indústria cinematográfica francesa em Hollywood. "Totsi" foi o primeiro filme em língua não francesa a ganhar um Óscar.
Steve Ayorinde, um famoso crítico de cinema nigeriano que já participou como júri em festivais internacionais de cinema como Cannes, Berlim e Toronto, lembra que "não se deve esquecer que em cerca de dez filmes sul-africanos internacionalmente conhecidos, cinco ou seis são de sul-africanos brancos". É também o caso de "Tsotsi", cujo realizador é Gavin Hood.
O perito em cinema acredita que o lobby é um fator muito relevante. "Os filmes africanos estão sempre à margem dos grandes festivais de cinema. Então, quem pode promovê-los? Sem cooperação, apoio e investimento de uma grande instituição ou empresa de produção europeia ou americana, é difícil comercializar um filme deste tipo a nível internacional", lembra.
Cineastas americanos ou europeus têm mais facilidades. Por isso, não é surpreendente que 78% dos filmes vencedores na categoria "Melhor Filme Estrangeiro" sejam da Europa. A França e a Itália representam mais de metade das estatuetas e são também muito influentes em Hollywood, enquanto os outros continentes passam despercebidos.
Bollywood também tem dificuldades em Hollywood
Metade dos filmes vencedores da Ásia são produções japonesas. Bollywood e a sua grande indústria nunca ganharam uma única estatueta.
Namrata Joshi, autora e crítica cinematográfica com experiência em júris de festivais internacionais de cinema como Toronto, Moscovo e Cluj, acredita que "aos cineastas indianos faltam os meios financeiros para comercializar os seus filmes. Os Óscares são um estratagema de marketing".
Além disso, Joshi acredita que o conteúdo dos filmes da Índia é muitas vezes um problema para um público tão global, devido à quantidade de música, dança e melodrama. Steve Ayorinde diz que há vários fatores que impedem as nomeações para os Óscares de filmes africanos.
Nollywood volta às filmagens após confinamento da Covid-19
03:01
É difícil sem o financiamento de instituições ocidentais ou cooperação técnica e internacional, mas a língua também desempenha um papel decisivo. "A vantagem dos filmes europeus é que línguas como o alemão, francês, espanhol ou italiano são internacionais. Assim as pessoas responsáveis pela avaliação dos filmes já conhecem a língua", diz o crítico nigeriano.
Na Nigéria, por exemplo, são produzidos cerca de 2.500 filmes por ano, que nunca tiveram sucesso nos Óscares. A Netflix melhorou a qualidade dos filmes, mas isto não aumenta as hipóteses de serem nomeados para um Óscar, porque uma condição de Hollywood é que os filmes nomeados devem ser exibidos nas salas de cinema.
Publicidade
Igualdade de oportunidades?
Joshi e Ayorinde acreditam que a Academia de Hollywood tem vindo a tentar, há já alguns anos, dar um passo em direção à diversidade, mas isso é algo não pode acontecer de um dia para o outro.
Namrata Joshi diz que "é necessária uma certa curiosidade [por parte do júri] e uma vontade de compreender filmes de todo o mundo". Considera ainda que a participação de pessoas da Índia no júri da Academia seria um primeiro passo importante.
Cinema: Os Óscares mais "afro" de sempre
Nunca houve tantos filmes com temas, atores e diretores afro-americanos galardoados como na edição de 2019 do prémio mais importante da indústria cinematográfica. Um sinal que Hollywood aposta na diversidade étnica.
A maior surpresa da noite de Óscares foi a vitória de "Green Book" como melhor filme do ano, inclusivé para o realizador Peter Farrelly, que disse em Hollywood "honestamente não esperava ganhar". "Green Book" foi o filme mais premiado da edição de 2019, que ficou marcada pelos filmes com temas, atores e diretores afro-americanos. Um sinal que Hollywood aposta na diversidade étnica.
Foto: picture-alliance/AP Photo/P. Perret
Mahershala Ali: Melhor Ator Secundário
O ator Mahershala Ali foi reconhecido como melhor ator secundário pelo seu desempenho em "Green Book" onde interpreta o papel do músico afro-americano "Doc" Don Shirley. O filme baseia-se em factos reais e retrata como, em 1962, o pianista sofreu de racismo durante uma digressão no Sul dos Estados Unidos. Este foi o segundo Óscar recebido por Mahershala Ali (depois de "Moonlight" em 2017).
Foto: Reuters/M. Anzuoni
"Green Book": Melhor Argumento Original
O filme retrata a amizade inesperada entre o músico e o ítalo-americano Tony Vallelonga (Viggo Mortensen), que trabalhou para Don Shirley como motorista e segurança. Na sua viagem, o pianista sofre de agressões e insultos racistas. Mesmo nos lugares onde é aplaudido, tem de observar a segregação racial imposta pelos seu hóspedes, que o impedem até de usar as casas de banho.
"BlacKkKlansman" é outro filme premiado baseado numa história real sobre o racismo nos EUA. Em 1978, Ron Stallworth (John David Washington), um polícia negro do Colorado, conseguiu infiltrar-se na organização racista Ku Klux Klan. Ele comunicava com os outros membros do grupo através de telefonemas e cartas. E quando precisava estar fisicamente presente enviava outro polícia branco no seu lugar.
Foto: D. Lee/F. Features
Primeiro Óscar para Spike Lee
Para o realizador de "BlacKkKlansman", o afro-americano Spike Lee, este foi o primeiro Óscar. Lee sublinhou que, "se não fosse" pelo movimento #OscarsSoWhite por mais diversidade na Academia organizadora dos Óscares, que iniciou há quatro anos, ele não teria recebido uma estatueta. "Abriram a Academia para a tornar mais parecida com a América, mais diversa", disse o cineasta.
Foto: AFP/K. Winter
"Black Panther": Melhor Direção de Arte
Hannah Beachler foi a primeira afro-americana a vencer um Óscar para a Melhor Direção de Arte (Cenografia), com o filme "Black Panther", em conjunto com Jay Hart. A vencedora, que fez um discurso muito emotivo ao receber o prémio da Academia, disse "Não deixem que ninguém vos diga que não conseguem fazer este trabalho", afirmou Beachler em Hollywood.
Foto: Getty Images/AFP/F. J. Brown
"Black Panther": Melhor guarda-roupa
O filme de ficção levou mais duas estatuetas: melhor banda sonora e melhor guarda-roupa. A última categoria foi atribuída à Ruth E. Carter, a primeira afro-americana que conseguiu vencer esta categoria. "Sonhei e rezei para viver esta noite", disse Carter que desenhou a roupa futurista do filme, que tem lugar em África. Em anos anteriores, ela já teve duas nomeações com "Amistad" e "Malcolm X".
Foto: picture-alliance/Everett Collection
Rami Malek nunca pensou "ter uma hipótese"
Rami Malek venceu o Óscar de Melhor Ator pela sua interpretação genial do músico Freddy Mercury da banda Queen em "Bohemian Rhapsody". Elogiou a nova diversidade e disse que a sua vitória mostra que todos têm "uma hipótese". O ator de ascendência egípcia lembrou que, enquanto crescia, não havia protagonistas parecidos com ele no ecrã e por isso achava impossível ter um papel principal.
Foto: Imago/ZUMA Press/Twentieth Century Fox
Lady Gaga elogia nova diversidade
A cantora Lady Gaga, premiada pelo filme "A Star is Born" na categoria Melhor Canção Original ("Shallow"), também falou de diversidade e inclusão nas entrevistas dos bastidores em Hollywood. Deseja de que, no futuro, "estas cerimónias de prémios não sejam apenas masculino e feminino, mas que incluam toda a gente".