África: Crianças com HIV/SIDA sofrem com falta de tratamento
Martina Schwikowski
6 de agosto de 2021
Crianças em África com HIV/SIDA são muitas vezes negligenciadas. Sem uma intervenção médica adequada, muitas morrem antes do seu segundo aniversário, segundo um relatório da ONU.
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Muitas crianças africanas não recebem tratamento adequado quando têm HIV/SIDA. Cerca de metade das crianças que vivem com HIV morrem, por isso, antes de atingirem o seu segundo aniversário, segundo revelou um relatório do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/SIDA (ONUSIDA) publicado em julho.
A agência da ONU e os seus parceiros advertem que progressos no sentido de acabar com a SIDA entre crianças até aos 14 anos, adolescentes e mulheres jovens estagnaram dramaticamente. Nenhuma das metas para 2020 foi atingida, salienta o documento. O número total de crianças atualmente em tratamento diminuiu pela primeira vez.
Estima-se que 620.000 crianças com HIV/SIDA nos 21 países africanos contemplados pelo relatório não estão a tomar antirretrovirais. De acordo com os autores do relatório, em 2020, apenas seis dos países em questão forneceram terapia adequada a crianças infetadas: o Quénia, Eswatini, Lesoto, Malawi, Namíbia e Zimbabué.
As insuficiências pediátricas globais do HIV representam um desafio enorme, afirma Peter Ghys, diretor do Departamento de Informação da ONUSIDA. Coloca-se a questão porque é que menos crianças do que adultos recebem tratamento em termos relativos, quando o seu grupo é especialmente vulnerável?
Angola no fim da lista
A dinâmica subjacente às taxas decrescentes para crianças em tratamento durante 2020 é complexa. "Por exemplo, todos os anos há crianças que deixam o grupo etário dos 0-14 anos. Isso resulta numa redução [estatística] do número de crianças em tratamento", disse Ghys à DW.
Nalguns países a redução do número prende-se com a pandemia da Covid-19. Segundo Ghys, os sistemas de saúde pública de diversos países estavam equipados de forma diferente para enfrentar a pandemia, sendo que alguns sistemas são simplesmente mais evoluídos do que outros. Os países com sistemas de saúde pública mais sobrecarregados parecem ter cometido mais erros, tais como negligenciar as terapias antirretrovirais em crianças.
Um país que tem uma elevada cobertura de tratamento de crianças é Eswatini. "Claro que, tratando-se de um país pequeno, tem a capacidade de levar os seus programas médicos nacionais a toda a população, garantindo uma elevada cobertura de tratamento para crianças e também para adultos", explicou Ghys.
No fim da lista estão Angola, Chade, República Democrática do Congo (RDC) e Burundi. Ghys diz que o motivo pelo qual falharam os objetivos nestes países é uma mistura de fatores que condicionam o sistema de saúde pública e de prioridades políticas, para além da capacidade individual das nações de chegarem a toda a população.
Erro no sistema
"Além disso, tornou-se aparente nos últimos anos que algumas crianças não são testadas quando nascem. Ou então um erro no sistema impede que recebam tratamento quando o teste é positivo", disse Ghys.
Para contornar estas oportunidades perdidas no início da vida das crianças, recentemente o enfoque tem sido em estratégias de teste alternativas: "Uma delas é o teste familiar, onde todos os membros da família que vivem com uma pessoa com HIV/SIDA são identificados e recebem uma oferta de teste e tratamento".
O relatório da ONU afirma ainda que quase dois terços das crianças africanas infetadas com o vírus em 2020 são de Moçambique, Nigéria. África do Sul, Tanzânia, RDC e Zâmbia. A situação é particularmente alarmante na Nigéria, onde se regista um em cada cinco casos.
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O estigma permanece
Na África do Sul, o estigma e a discriminação continuam a ser um obstáculo importante aos esforços de resposta ao HIV/SIDA, o que também afeta negativamente as crianças, disse à DW Thembisile Xulu, diretora do Conselho Nacional Sul-Africano de SIDA (SANAC).
Cerca de 11% das crianças sul-africanas até aos 14 anos adoeceram com HIV em 2020. Xulu concorda com Peter Ghys da ONUSIDA que o impacto da Covid-19 é um fator crucial na crescente escassez de tratamentos.
"O confinamento severo, em março do ano passado, resultou no medo de contrair infeções nas instalações de cuidados de saúde, e isto afetou negativamente o acesso rotineiro às instalações de saúde por parte dos doentes, incluindo crianças", disse Xulu.
Migração de pessoal médico
Por causa das consequências socioeconómicas da pandemia, verificou-se uma migração de pessoal médico do interior para os centros urbanos em busca de trabalho, explicou Xulu.
Segundo a responsável, em geral, constata-se um declínio na saúde pública durante a pandemia. O confinamento reforçou hábitos pouco saudáveis entre os adultos; isto, por sua vez, afeta as crianças que dependem dos adultos para tratamentos médicos.
A África do Sul está a estudar novas abordagens para obter melhores resultados no tratamento de crianças e adolescentes, diz Xulo.
Por exemplo, foram aprovadas novas formas de medicamentos mais fáceis de administrar a crianças, para melhorar a adesão ao regime diário da terapia antirretroviral. Estão também a ser abertos locais adicionais para a administração e distribuição de medicamentos a doentes crónicos, incluindo os portadores de HIV/SIDA, para aumentar o acesso aos medicamentos e a testes.
Urgem mais sensibilização e advocacia
Como parte dos seus esforços para combater o HIV/SIDA, o SANAC pretende optar por consultas simultâneas de mãe e filho, de forma a aumentar a adesão às terapias.
Xulu espera que fortes campanhas de sensibilização e uma melhor defesa dos direitos das crianças conduzam a um apoio alargado, não só para as crianças, mas também para os seus pais. Mas apesar do facto de a África do Sul ser o país no mundo com o número mais elevado de pessoas com HIV/SIDA, o estigma social continua a ser um grande obstáculo na obtenção de melhores resultados.
Antigas crianças-soldado lutam agora contra o coronavírus
A guerra civil na República Centro-Africana (RCA) envolveu milhares de crianças em grupos armados. Aquelas que tiveram a sorte de escapar estão agora a ajudar vizinhos a protegerem-se da pandemia de Covid-19.
Foto: Jack Losh
Coronavírus: Um novo inimigo
Uma equipa de antigas crianças-soldados e crianças de rua cava um poço para beneficiar moradores de um bairro pobre na capital da República Centro-Africana, Bangui. Os jovens ajudam a melhorar a higiene em áreas onde moradores vivem amontoados. O projeto da UNICEF instalou poços para 25 mil pessoas e começou antes de o coronavírus chegar à região. Agora ajuda a RCA a lutar contra a pandemia.
Foto: Jack Losh
Perfuração pela paz
Um jovem pressiona um mecanismo que os seus companheiros giram manualmente para perfurar um poço. O projeto da UNICEF é também uma forma de reabilitação social, porque oferece aos adolescentes um trabalho remunerado enquanto superam o passado violento. Também encoraja a comunidade a aceitá-los de volta. O programa foi criado em 2015, e agora integra o plano de resposta ao coronavírus.
Foto: Jack Losh
Trabalho sujo
Crianças-soldados agacham-se para retirar a terra à mão. Existem mais de 3,9 mil casos confirmados de coronavírus na RCA, embora a limitação de testes no país leve a crer que o número real seja maior. O grupo de trabalho de escavação de poços acelera a instalação de novos tubos e furos a nível nacional. Quase 80% dos lares na RCA não dispõem de instalações para lavagem das mãos.
Foto: Jack Losh
Corações e mentes vencedoras
Crianças reúnem-se para observar a escavação dos poços. As antigas crianças-soldados enfrentam rejeição - o que pode aumentar as suas hipóteses de serem novamente recrutadas. As intervenções que promovem a aceitação são cruciais. Como explicou uma delas: "Este trabalho pode mudar a minha vida. Finalmente tenho algum dinheiro. E estou a ajudar estas comunidades e o meu país".
Foto: Jack Losh
Terra marcada
Sepulturas não marcadas na periferia de Bossangoa, no noroeste da RCA. Civis massacrados no conflito foram enterrados aqui. Após décadas de instabilidade, a guerra eclodiu em 2013, quando uma aliança principalmente muçulmana de grupos rebeldes, a Séléka, varreu o país e derrubou o Presidente. Em resposta, comunidades cristãs e animistas mobilizaram-se para formar as milícias "anti-balaka".
Foto: Jack Losh
Acordo de paz desgastado
Um soldado rebelde da "FPRC" fica de guarda num posto de controlo no norte da RCA. Os rebeldes controlam grande parte do país e - apesar da assinatura de um acordo de paz em fevereiro passado entre o governo e 14 grupos armados - a instabilidade persiste. Nos últimos meses, intensificaram-se confrontos entre grupos armados rivais pelo controlo da zona rica em minerais.
Foto: Jack Losh
"Crianças, não soldados"
Uma placa de sinalização da UNICEF em Bossangoa alerta contra o recrutamento de crianças em conflitos armados. Entre 2014 e 2019, mais de 14,5 mil crianças-soldado foram libertadas das milícias da RCA. No entanto, estima-se que 5,550 crianças permaneçam nas mãos de grupos armados. Muitas são vítimas de abuso sexual, outras são combatentes e outras servem como cozinheiras, guardas ou mensageiras.
Foto: Jack Losh
Educação contra estatísticas
Crianças reúnem-se dentro de uma sala de aula improvisada debaixo de lonas, num acampamento para famílias deslocadas pelo conflito em Kaga Bandoro. Mais de 1,3 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas. Em média, uma em cada cinco crianças não frequenta a escola. Mas nas áreas mais afetadas, o número chega a quatro em cada cinco.
Foto: Jack Losh
Civis sitiados
Uma força de manutenção da paz da ONU dirige-se em patrulha por um campo de deslocados na cidade de Bria, no leste, capturada por rebeldes. Uma placa à entrada adverte guerrilheiros sobre a entrada de armas. As condições apertadas e insalubres de campos como estes também aumentam o risco de propagação do coronavírus.
Foto: Jack Losh
Resiliência face à guerra
Os civis sentam-se na parte de trás de um camião enquanto conduzem através do território detido pela facção FPRC no nordeste da RCA. A ONU adverte que o país está muito mal preparado para fazer face a um surto de coronavírus. O conflito complexo e sectário devastou o fraco sistema de saúde da RCA e forçou o pessoal médico a fugir. Atualmente, metade da população depende do apoio humanitário.
Foto: Jack Losh
Uma luta penosa
Uma criança leva água e passa por um soldado das forças de manutenção da paz perto de um campo de deslocados em Bria, uma área controlada por rebeldes. O ACNUR está a instalar pontos de água nos campos e explica aos residentes a importância da lavagem das mãos. Encarregados pela ajuda humanitária advertiram que há pouco recurso para satisfazer as necessidades da população.
Foto: Jack Losh
Tentar manter a paz
Mulheres passam por um veículo blindado da ONU, que foi retido por rebeldes em Kaga Bandoro. Há receios de que a Covid-19 intensifique as tensões entre as comunidades, gerando aumento de preços e paralisando o fornecimento de ajuda. Com as eleições presidenciais marcadas para dezembro, este é um ano crucial para a RCA. Observadores temem que as hostilidades aumentem na campanha eleitoral.
Foto: Jack Losh
Atacar violadores
Os adolescentes jogam futebol num campo de terra, numa área para deslocados em Kaga Bandoro. Embora os números possam ser muito mais elevados, mais de 500 violações graves dos direitos da criança foram relatadas no ano passado. Estão em curso esforços para levar os senhores da guerra à justiça, mas a corrupção generalizada torna tudo mais difícil.
Foto: Jack Losh
Um lampejo de esperança
Antigas crianças-soldados terminam a perfuração do seu novo poço em Bangui. A terapia profissional está fora do alcance de muitos por aqui. Mas projetos como este ajudam a lidar com sentimentos de vergonha e de culpa e a criar uma sensação de normalidade. Embora não seja de modo algum uma solução perfeita, iniciativas de base como esta oferecem às crianças da RCA um pouco mais de esperança.