ONG pede extradição de ex-ministro moçambicano para EUA
Milton Maluleque (Joanesburgo)
16 de outubro de 2019
Fundação Helen Suzman defendeu, em trinubal de Joanesburgo, extradição de Manuel Chang para os EUA, argumentando que Moçambique não garante julgamento do antigo governante, no caso das dívidas ocultas.
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Depois de uma audiência de cerca de seis horas, o juíz presidente do coletivo que analisa o processo de revisão da decisão de extraditar Manuel Chang, antigo ministro moçambicano das Finanças, para Moçambique, decidiu transferir para amanhã, quinta-feira (17.10.), a continuação da análise do caso.
A audiência decorre no Tribunal Superior de Joanesburgo e é dirigida pelos juizes Colin Lamont, Edwin Molahlehi e Denise Fisher.
Cinco intervenções foram ouvidas esta quarta-feira (16.10.), nomeadamente da Fundação Helen Suzman, uma organização da sociedade civil sul-africana, do representante do novo ministro da Justiça e dos Serviços Correcionais, Ronald Lamola, do advogado do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) e do Ministério Público sul-africano.
Estes, ao apresentarem argumentos de defesa consideraram ilegal e inconstitucional a decisão de extraditar Manuel Chang para Maputo, pedindo a revisão da decisão.
Manter a decisão de extraditar ChangA última intervenção foi da firma de advogados contratada pelo Governo de Maputo, a Mabunda Incorporated, que defendeu "não fazer sentido a revisão da decisão" tendo apelado ao coletivo de juízes para que mantenha a decisão de extraditar Manuel Chang para Moçambique.
Elpídio Muthemba, da Organização da Sociedade Civil, Khulumane Support Group, que luta pela defesa dos direitos dos mineiros moçambicanos na África do Sul, juntou-se às vozes dos que defendem a revisão da decisão de extraditar Manuel Chang para Maputo.
"O ministro Michael Masutha ignorou vários fatores e agora com o novo ministro Ronald Lamola, esperamos talvez uma decisão positiva ou satisfatória para toda a nação moçambicana. Falo assim porque é bem sabido que para nós, como cidadãos, esperamos que na verdade ele seja extraditado para os Estados Unidos".
Pedidos concorrenciais de extradição
O caso é inédito na África do Sul por envolver dois pedidos concorrenciais de extradição, dos Estados Unidos da América e de Moçambique.Os argumentos desta quarta-feira, centraram-se mais na posição do novo titular da pasta da Justiça e dos Serviços Correcionais, que procura rever a decisão justificando que o seu antecessor teve uma posição contrária às disposições da Lei de Extradição, do Protocolo da SADC e da Constituição.
África do Sul: Caso Manuel Chang volta a tribunal
Elpídio Muthemba, recorda que há um caminho longo para ser percorrido, dado que ainda existem dois tribunais de recurso, nomeadamente o Supremo e o Constitucional. Para já ele espera a transparência do processo no Tribunal Superior.
"Até agora não podemos adiantar nada porque os argumentos ainda estão a proceder, ainda estamos a escutar as alegações, mas na verdade o juiz é que vai decidir. Só esperamos que tudo isso seja transparente".
Dez meses na cadeia
O ex-governante e ex-deputado moçambicano, Manuel Chang, que completa agora em outubro dez meses de prisão, foi detido em Joanesburgo a 29 de dezembro a pedido da justiça dos Estados Unidos, quando viajava para o Dubai, sob acusação de fraude, corrupção e lavagem de dinheiro.
Recorde-se que Manuel Chang foi quem avalizou dívidas de mais de dois mil milhões de dólares secretamente contraídas a favor da Ematum, da Proindicus e da MAM, as empresas públicas referidas na acusação norte-americana, alegadamente criadas para o efeito nos setores da segurança marítima e pescas, entre 2013 e 2014.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)