África do Sul despede-se de Desmond Tutu num funeral simples
Lusa | cvt
1 de janeiro de 2022
A África do Sul despediu-se hoje do ícone anti-apartheid Desmond Tutu com um funeral simples. O Presidente sul-africano salientou o seu papel para a liberdade e a paz no país.
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Desmond Tutu foi um "cruzado pela liberdade, pela justiça e pela paz", considerou o Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, no funeral oficial e que incluiu uma missa de réquiem celebrada na Catedral Anglicana de São Jorge, na Cidade do Cabo, cidade onde o arcebispo morreu aos 90 anos.
"Madiba [Nelson Mandela] foi o pai da nossa democracia, o arcebispo Tutu seu pai espiritual", declarou o chefe de Estado, antes de entregar a bandeira nacional à viúva do falecido.
Cumprindo a vontade de Desmond Tutu, que tinha pedido um funeral simples, a cerimónia apenas contou com o discurso do Presidente da África do Sul, com o líder mundial da Igreja Anglicana e arcebispo de Cantuária, Justin Welby, a enfatizar que o Nobel da Paz "trouxe a luz" quando as pessoas "estavam no escuro".
Algumas das leituras da missa foram feitas por outras figuras proeminentes ou próximas de Tutu, como a ex-presidente irlandesa Mary Robinson, a ativista moçambicana Graça Machel - viúva de Nelson Mandela - ou a ministra das Infraestruturas Patricia de Lille.
O corpo do líder religioso e ícone anti-apartheid esteve em câmara ardente nesta cidade da África do Sul desde quinta-feira (30.12), depois de as autoridades terem antecipado o ato, previsto inicialmente para sexta-feira, na expectativa de que um grande número de pessoas pretendesse homenagear o arcebispo naquela que foi a sua catedral, a Catedral de São Jorge.
Cerimónia simples
Conforme a vontade expressa por Desmond Tutu, o ato de hoje não contou com os habituais "elementos cerimoniais" das Forças Armadas sul-africanas característicos dos funerais de Estado, limitando-se à apresentação da bandeira nacional à viúva do arcebispo, Nomalizo Leah Tutu.
Ainda de acordo com os desejos de Desmond Tutu, as suas cinzas serão colocadas na catedral, um símbolo da democracia no país conhecido como a "catedral do povo" durante o regime racista do 'apartheid', que governou desde 1948 até ao início dos anos 90 na África do Sul.
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Herói anti-apartheid, defensor dos direitos humanos
Prémio Nobel da Paz em 1984 pela sua luta contra a brutal opressão do 'apartheid', Desmond Tutu é considerado uma das figuras-chave da história contemporânea da África do Sul.
A sua carreira foi marcada por uma constante defesa dos direitos humanos, algo que o levou a distanciar-se em numerosas ocasiões da hierarquia eclesiástica para defender abertamente posições como os direitos dos homossexuais ou a eutanásia.
Nos últimos anos, afastou-se da vida pública devido à sua idade avançada e aos problemas de saúde de que sofria, incluindo um cancro da próstata.
Após o fim do 'apartheid' em 1994, quando a África do Sul se tornou uma democracia, Tutu presidiu à Comissão Verdade e Reconciliação, instituição que documentou as atrocidades durante o regime de segregação racial e procurou promover a reconciliação nacional.
Tutu ganhou ainda enorme visibilidade enquanto um dos líderes religiosos mais proeminentes do mundo na defesa dos direitos LGBTQ (Lésbicas, 'Gays', Bissexuais, Transsexuais e 'Queer').
A voz pela equidade na África do Sul: Desmond Tutu
Foi o primeiro bispo negro da Igreja Anglicana de Joanesburgo e posteriormente da Cidade do Cabo. Juntamente com Nelson Mandela, lutou pelo fim do apartheid na África do Sul. Morreu a 26 de dezembro de 2021 aos 90 anos.
Foto: Paul Hawthorne/Getty Images
Envelhecer graciosamente
Tutu nasceu em 1931 numa cidade de mineiros chamada Klerksdorp. Mais tarde tornou-se professor. Quando o regime racista sul-africano do apartheid começou a discriminar alunos negros, renunciou ao cargo. Desmond Tutu seguiu uma carreira de teologia, tornando-se assim o primeiro bispo negro de Joanesburgo. Aqui, Tutu estava a celebrar o seu aniversário de 86 anos.
Foto: Mark Wessels/AP Photo/picture alliance
Companheiro de Mandela
Muitos sul-africanos colocam agora Tutu no mesmo pedestal que Nelson Mandela. Como primeiro Presidente negro eleito democraticamente da África do Sul, Mandela defendeu os ideais políticos, enquanto Tutu defendia os ideais espirituais da "Nação Arco-Íris", sustentam muitos pesquisadores. Para estes, a África do Sul sem Tutu é inimaginável.
Foto: David Brauchli/AP Photo/picture alliance
Criador da Comissão de Verdade e Reconciliação
Depois que o apartheid foi abolido, Mandela pediu a Tutu para liderar a Comissão de Verdade e Reconciliação (CVR). O objetivo era que as vítimas e transgressores se reconciliassem pelos crimes cometidos durante o apartheid. Tutu e a CVR lutaram para que a justiça fosse permeada por perdão e reconciliação. O bispo apresentou a Mandela o relatório final da CVR em 1998.
Foto: Walter Dhladhla/dpa/picture alliance
Nobel da Paz por lutar contra o apartheid
A oposição não violenta de Desmond Tutu ao apartheid foi reconhecida quando recebeu o Prémio Nobel da Paz, em 1984. Enquanto Mandela e outros combatentes pela liberdade estavam na prisão, Tutu assumiu a luta contra a segregação racial. Na imagem, Egil Aarvik, presidente do Comitê do Nobel em Oslo, entrega o prémio.
Foto: Helmuth Lohmann/AP Photo/picture alliance
Um monumento vivo
Em 2005, um monumento em homenagem aos vencedores do Prémio Nobel da Paz da África do Sul foi erguido no porto da Cidade do Cabo. A escultora Claudette Schreuders imortalizou os quatro homens: Albert Luthuli (1960), Desmond Tutu (1984) e F.W. de Klerk e Nelson Mandela, que compartilham o Prémio Nobel da Paz de 1993.
Foto: W. Veeser/imageBROKER/picture alliance
Líder espiritual com conexões internacionais
O arcebispo Desmond Tutu foi chamado de líder moral da África do Sul, por defender os direitos humanos e se opor a toda discriminação. O apelido de 'Nação do Arco-Íris' da África do Sul é atribuído a ele. Conhecido pelo seu humor, Tutu é considerado um “tesouro mundial”. Na foto um encontro com Dalai Lama, o líder espiritual do Tibete, na Cimeira da Paz de 2006 em Hiroshima.
Foto: Kyodo/MAXPPP/picture alliance
Tutu para o mundo
Quando a África do Sul sediou a Copa do Mundo FIFA em 2010, Tutu se mostrou um verdadeiro patriota. Na imagem traja o uniforme completo dos Bafana Bafana (como a seleção sul-africana de futebol é conhecida) no jogo de abertura do torneio entre a África do Sul e o México. A única coisa que falta é uma vuvuzela, o instrumento ensurdecedor da plateia nos estádios sul-africanos.
Foto: Phil Cole/Getty Images
Autoridade moral
Nelson Mandela convidou Desmond Tutu para participar da organização “The Elders” (“Os mais velhos”, em tradução livre). A entidade, que busca cooperação mundial para os direitos humanos, ganhou o apoio de personalidades internacionais, incluindo o ex-Presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter e o ex-secretário da ONU Kofi Annan.
Foto: Jeff Moore/THE ELDERS/AFP
Tutu, um homem de família
A esposa de Desmond Tutu, Leah Nomalizo Tutu, esteve do seu lado durante todo o apartheid. Também ela ativista, casou-se com Tutu em julho de 1955 - antes de Tutu passar de professor a bispo. O casal teve quatro filhos e nove netos. Juntos, têm uma fundação que defende resolução de conflitos. Parabéns, Tutu!
Foto: Gail Oskin/AP Photo/picture alliance
Morte no natal de 2021
Desmond Tutu morreu no dia 26 de dezembro de 2021 aos 90 anos. O arcebispo anglicano estava debilitado há vários meses, durante os quais não falou em público, mas ainda cumprimentava os jornalistas que acompanhavam cada uma das suas saídas, como quando foi tomar a sua vacina contra a Covid-19 num hospital ou quando celebrou os seus 90 anos em outubro de 2021.