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PolíticaÁfrica do Sul

África do Sul: Exercício militar alarma Ocidente

Henry-Laur Allik
16 de fevereiro de 2023

Os aliados ocidentais de Pretória apontam que o exercício naval coincide com o aniversário da guerra de agressão russa na Ucrânia. O Governo sul-africano insiste que permanecerá neutral no conflito.

Exercícios militares com a China e a  Rússia na África do Sul
Foto: Chen Cheng/Photoshot/picture alliance

Na segunda-feira (13.02) atracou no porto da Cidade do Cabo a fragata militar russa "Almirante Gorshkov", em vésperas de um controverso exercício naval tripartido com a China e a África do Sul. A segunda operação militar do género deverá ocorrer de 17 a 27 de fevereiro e coincide com o aniversário da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia a 24 de fevereiro.

A "Operação Mosi", que na língua tswana significa "fumo", perturbou os aliados da África do Sul no Ocidente. Em Pretória para conversações com a sua homóloga, Naledi Pandor, o chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, disse que os exercícios navais planeados não eram "a melhor ideia".

Embora o Governo sul-africano não tenha comentado o calendário, "o facto de isto acontecer no aniversário da guerra da Ucrânia é extremamente embaraçoso", diz Pauline Bax, vice-directora d programa África, do centro de pesquisa International Crisis Group.

A fragata russa Admiral Gorschkow no porto da Cidade do CaboFoto: AFP/Getty Images

Golpe propagandístico

Observadores concordam que as manobras militares são um golpe propagandístico significativo para Moscovo. A África do Sul até à data recusou-se a condenar a guerra de agressão russa, reivindicando neutralidade no conflito.

A analista Bax diz, no entanto, que o exercício militar conjunto é visto por muitos diplomatas ocidentais como uma clara contradição do não-alinhamento da África do Sul. "Estão realmente preocupados e querem perceber a posição da África do Sul", disse a analista à DW.

Inicialmente, a ministra Pandor condenara a guerra russa. Mas foi forçada pelo Presidente Cyril Ramaphosa a retrair-se e receber o seu homólogo russo Sergei Lavrov com todas as honras no final de janeiro. No regresso de uma viagem de uma semana a África, Lavrov disse: "Podemos afirmar que os planos do Ocidente de isolar a Rússia são um fiasco".

A percepção de que o Ocidente está a perder terreno para a Rússia em África chegou ao parlamento alemão, onde a maioria dos deputados normalmente não tem o continente como prioridade. O grupo parlamentar da oposição CDU/CSU apresentou uma moção sobre uma "estratégia alemã para lidar com a crescente influência da Rússia em África". A votação está marcada para 1 de março, após um breve debate. Os partidos conservadores veem "um problema para os interesses alemães e europeus no terreno".

A viagem do ministro russo do exterior, Lavrov (è esquerda ciom a sua homóloga sul-africana Pandor) foi um golpe propagandísticoFoto: Russian Foreign Ministry Press Service via AP

Entender as razões

A resolução do problema passa por compreender por que o Governo sul-africano e o partido há décadas no poder, o Congresso Nacional Africano (ANC), não querem tomar partido no conflito que se opõe à Rússia e ao Ocidente. As razões vão além dos velhos laços resultantes do apoio de Moscovo ao ANC durante a luta de libertação contra o apartheid. Os dois governos defendem que a ordem internacional não reflete a realidade atual "e que deve haver uma distribuição mais equitativa do poder", diz Jo-Ansie van Wyk, docente na Universidade da África do Sul, em Pretória.

A África do Sul está também interessada em reforçar os laços com a Rússia e a China enquanto membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde o continente africano há muito que reivindica uma voz. A África do Sul faz parte da formação BRICS com a Rússia, Índia, China e Brasil, originalmente criada para fomentar laços económicos, mas cada vez mais inclinada a desafiar o domínio das superpotências globais.

Segundo a analista Bax, a perspectiva ocidental muitas vezes não leva em conta outras realidades: "O grau de ansiedade e o medo gerado pela guerra por vezes torna os diplomatas da UE um pouco míopes". A guerra longínqua não é uma ameaça direta à segurança africana e os países africanos não querem e não veem necessidade de serem coagidos a escolher lados, acrescentou Bax.

Há sul-africanos que não concordam a política do seu GovernoFoto: Alet Pretorius/REUTERS

Críticas na África do Sul

A analista propõe uma abordagem mais construtiva por parte do Ocidente, que deveria começar por aceitar que "os governos africanos e as nações africanas podem tomar as suas próprias decisões". Eles não sentem que têm de "cumprir a linha com quem quer que queira trazer fundos".

Críticos do Presidente Ramaphosa apontam para alguma resistência dentro da África do Sul a políticas consideradas demasiado próximas de Moscovo. Para este fim de semana estão previstos protestos contra o exercício naval em Durban e na Cidade do Cabo. O político da oposição sul-africana Herman Mashaba disse "estar preocupado que o Governo do ANC possa contribuir para uma escalada da guerra". Mas "o parlamento não é suficientemente forte para chamar o governo à ordem", diz van Wyk.

A guerra da Ucrânia teve algum impacto negativo em África, fazendo subir os preços dos alimentos básicos e do combustível. Pode estar para vir pior. "Prevejo que a ajuda dos doadores à África do Sul acabará por ser menor devido às prioridades na Europa", disse van Wyk à DW. Ramaphosa seria bem aconselhado a agir com algum cuidado numa altura em que o país atravessa dificuldades económicas e espera mais ajuda do Banco Mundial, que tem os EUA por principal acionista.

Para Nelson Mandela, os direitos humanos eram uma prioridade da política externaFoto: Getty Images/S. Barbour

Direitos humanos desvalorizados

Várias conferências recentes com parceiros não ocidentais ou não tradicionais na Europa, não resultaram num aumento dos investimentos. "A África do Sul já está a sentir algum aperto", diz a analista. Não é a única razão pela qual Van Wyk acredita que o Presidente Ramaphosa está a cometer um erro.

Num artigo escrito em 1993, o então Presidente Nelson Mandela declarou que a política externa da África do Sul seria uma política externa de direitos humanos, recorda a investigadora.

As votações e resoluções adoptadas pela ONU relativamente à Ucrânia apoiam a ordem jurídica internacional contra agressões militares e a ameaça à paz internacional e à soberania dos Estados. Ao não acrescentar a sua voz, "a África do Sul perdeu uma oportunidade de ser o compasso moral que já foi".

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