África do Sul: Imunidade de Manuel Chang domina argumentos
Milton Maluleque (Joanesburgo)
17 de outubro de 2019
Imunidade de Manuel Chang, ex-ministro moçambicano das Finanças, dominou argumentos apresentados no Tribunal Superior de Gauteng, na África do Sul. Constitucionalista diz que o caso é analisado com cautela.
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A imunidade de Manuel Chang, antigo ministro moçambicano das Finanças, dominou os argumentos apresentados ao coletivo de juízes do Tribunal Superior de Gauteng, nos dois dias (16/17.10) da audição solicitada pelo atual ministro da Justiça e Serviços Correcionais da África do Sul, Ronald Lamola, para rever a decisão do seu antecessor.
O antigo ministro da Justiça e Serviços Correcionais da África do Sul, Michael Masutha, tinha decidido, a 21 de maio último, pela extradição de Manuel Chang para Moçambique, em detrimento da pretensão da justiça norte-americana.
"Imunidade persiste"
O advogado que representa o Estado sul-africano nos seus argumentos disse que a imunidade do antigo governante ainda "persiste" como impedimento para ser processado judicialmente em Moçambique no caso das dívidas ocultas.
André Thomashausen, constitucionalista alemão e antigo professor de direito do ministro Ronald Lamola, na Universidade da África do Sul, UNISA, diz em entrevista à DW África que as autoridades sul-africanas estão a analisar com muita cautela.
"As autoridades, os juízes, o ministério da Justiça, a procuradoria daqui, estão a tratar deste assunto com muita cautela. E, pelos argumentos apresentados, parece que também já conseguiram mandar traduzir a lei dos deputados de Moçambique, assim já perceberam perfeitamente quais são os processos que se devem aplicar em Moçambique."
Verónica Macamo, a Presidente da Assembleia de Moçambique, anunciou a 24 de julho, que Manuel Chang renunciou ao lugar de deputado da Frente de Libertação de Moçambique, FRELIMO, e perdeu a imunidade inerente ao cargo.
Nas duas audiências de revisão da extradição de Chang para Maputo ficaram dúvidas se o Parlamento moçambicano seguiu os procedimentos de renúncia estipulado nos estatutos do deputado para que este perca a sua imunidade.
Implicações
África do Sul: Imunidade de Manuel Chang domina argumentos
Egna Sidumo, docente e pesquisadora junto da Universidade Joaquim Chissano em Maputo, apresenta as implicações caso se prove que Manuel Chang ainda goza de imunidade.
"O que pode acontecer é efectivamente não haver uma decisão favorável, e a decisão primeira de Masutha ser revertida. Não há nenhum espaço para sanção eventualmente. Para Chang, também a decisão pode ser realmente de extradição, que não é de interesse de Moçambique que o cidadão moçambicano vá para os Estados Unidos."
Recorde-se que a decisão de extraditar Manuel Chang para Moçambique ou para os EUA está a ser analisada pelos juízes Colin Lamont, Edwin Molahl e Denise Fisher, do Tribunal Superior da África do Sul, divisão de Gauteng, em Joanesburgo. Este coletivo de juízes tem um prazo de duas a quatro semanas para apresentar o veredicto do pedido de revisão da extradição de Chang.
Além dos Estados requerentes na extradição de Manuel Chang, o Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), uma coligação de vários interesses da sociedade civil moçambicana, submeteu uma exposição ao Tribunal Superior de Gauteng solicitando a extradição do ex-governante para os Estados Unidos. A ONG Fundação Helen Suzman, admitida como assistente no caso, apelou igualmente no mesmo sentido, enquanto o Estado moçambicano se fez representar por um escritório de advogados de Joanesburgo.
Três procuradores da Procuradoria-Geral da República de Moçambique acompanharam a audição de dois dias do Tribunal Superior de Gauteng, tendo-se escusado a prestar declarações à imprensa.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)