África do Sul: Manuel Chang vai mesmo ser julgado nos EUA
DW (Deutsche Welle)
7 de junho de 2022
Tribunal Constitucional da África do Sul indefere pedido de Maputo para interpor um recurso à decisão de extraditar o ex-ministro das Finanças para os EUA. Chang é acusado de corrupção, fraude e lavagem de dinheiro.
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O ex-ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang, detido na África do Sul desde 2018 no âmbito do caso das dívidas ocultas moçambicanas, vai mesmo ser julgado nos Estados Unidos. O Tribunal Constitucional da África do Sul decidiu indeferir esta terça-feira (07.06) a pretensão da Procuradoria-Geral da República moçambicana de interpor o último recurso possível à decisão da Justiça sul-africana de extraditar o antigo ministro para os EUA.
Segundo a declaração do tribunal, citada pelo canal de televisão sul-africano ENCA e o jornal moçambicano Canalmoz, "não é do interesse da Justiça ouvir [o recurso de Moçambique] neste momento".
"Sendo o Tribunal Constitucional o limite jurisdicional do sistema de justiça sul-africano", escreve o Canalmoz, "deverá agora ser executada a decisão de mandar Chang para os EUA".
Em declarações à DW, Adriano Nuvunga, diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), explica que, "em termos técnicos, depois de o Tribunal Superior tomar a decisão de extraditar Manuel Chang para os Estados Unidos, havia outro nível de recurso, que é o Tribunal Constitucional. Mas há procedimentos para fazer recursos no Constitucional, que passam por pedir autorização ao Superior. O que o Estado moçambicano fez foi apresentar o recurso diretamente ao Constitucional, e isso é que foi reprovado".
Segundo o diretor da organização não-governamental moçambicana, esta ação de Maputo pode já ter eliminado quaisquer possibilidades de recurso no caminho de Manuel Chang, "porque [Moçambique] preferiu ir à última instância de possibilidade, e isso foi liminarmente rejeitado".
Agora "é mesmo esperar Manuel Chang vestir aquele uniforme de prisioneiro e seguir para os Estados Unidos", acrescenta Nuvunga.
Borges Nhamirre, investigador do Centro de Integridade Pública (CIP), saudou a decisão do Tribunal Constitucional no Facebook: "Resta é cumprir a decisão do tribunal e mandar o ex-ministro para o país que efetivamente o mandou prender, os EUA", escreveu.
"Resultado muito positivo"
Tanto Moçambique como os Estados Unidos tinham solicitado a extradição do antigo titular das Finanças no âmbito do seu alegado papel no escândalo das dívidas ocultas de 2 mil milhões de euros.
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Em novembro passado, o Tribunal Superior de Gauteng, em Joanesburgo, rejeitou a decisão do ministro da Justiça da África do Sul de extraditar o ex-ministro das Finanças de Moçambique para o seu país de origem, argumentando que Chang deve ser enviado para os EUA. Maputo tentava recorrer desta decisão, mas vê agora o pedido indeferido.
"Isto é um resultado muito positivo, muito importante para o movimento de luta contra a impunidade, contra a corrupção que empurra milhões de moçambicanas e moçambicanos para a pobreza diariamente", considera Nuvunga. "O significado político é mesmo este, que a corrupção se paga muito caro e os recursos roubados podem nem ser devolvidos aos moçambicanos, mas a justiça está-se a fazer, devolvendo alguma dignidade às moçambicanas e moçambicanos que sofrem dia após dia pelas ações tomadas por Manuel Chang e o seu grupo".
Moçambique: Propriedades e instituições ligadas às "dívidas ocultas"
O processo denominado "dívidas ocultas" envolve não apenas pessoas de muitos quadrantes políticos e sociais, mas também empresas, propriedades e instituições.
Foto: Romeu da Silva/DW
O julgamento das "dívidas ocultas" decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo
O processo decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo desde 23 de Agosto de 2021. A sexta sessão revelou que arguidos e declarantes adquiriram residências luxuosas e criaram empresas de lavagem de dinheiro. A sociedade moçambicana ficou a conhecer a extensão da lesão que sofreu por causa das dividas ocultas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tudo começou no bairro de Sommerschield
Tudo começou no bairro de elite da Sommerschield, onde fica a sede do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE). Não se trata do edifício na foto, já que é proibido fotografar o edifício do SISE. Mas foi nas suas instalações que foi desenvolvido o projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE), que acabou endividando o Estado em cerca de 2,2 mil milhões de dólares.
Foto: Romeu da Silva/DW
Lavagem de dinheiro
No julgamento, o Ministério Público (MP) acusou o réu António Carlos do Rosário de ser proprietário de vários apartamentos neste edifício chamado Deco Residence. O MP refere que do Rosário comprou, em 2013, três apartamentos, no valor de 500 mil dólares cada. O valor foi transferido pela IRS para a Txopela Investiments, de que era administrador.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tribunal confisca apartamentos
Alexandre Chivale, advogado do réu António Carlos do Rosário, ocupava um apartamento aqui na Deco Assos. Foi obrigado a abandonar a unidade e a entregar a chave ao Tribunal de Maputo. A área residencial está a ser construída ao longo da marginal, uma zona que passou a ser muito concorrida.
Foto: Romeu da Silva/DW
Apartamento Xenon
António Carlos do Rosário também terá "metido a mão" neste imóvel. Na acusação consta que, em 2015, a Txopela transferiu 2,9 milhões de dólares para a Imobiliária ImoMoz para a compra de apartamentos neste edifício, que antes funcionava como cinema Xenon.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alerta lançado pela INAMAR foi ignorado
A INAMAR é uma empresa que se dedica à inspeção naval. No processo da contratação das dívidas, a INAMAR avisou que os barcos da empresa pública EMATUM, que custaram 600 milhões de dólares, foram construídos à revelia das normas. Por causa das irregularidades, a INAMAR chumbou as embarcações. E alertou as autoridades relevantes, que ignoraram o relatório.
Foto: Romeu da Silva/DW
Casa de câmbios transformada em "lavandaria"
A Africâmbios transformou-se numa casa na lavagem de dinheiro. Alguns funcionários foram obrigados a abrir contas, usadas pelos seus superiores para a transferência de dinheiro da empresa Privinvest, igualmente envolvida no escândalo. O proprietário da Africâmbios, Taquir Wahaj, fugiu e é procurado pela justiça moçambicana.
Foto: Romeu da Silva/DW
Presidência e reuniões do comando conjunto
A presidência da República, perto da edifício da secreta moçambicana, acolheu algumas reuniões do Comando Conjunto e Operativo onde estiveram os ministros da Defesa, Filipe Nyusi, atual Presidente da República, Alberto Mondlane, ministro do Interior e elementos do SISE. Há muita pressão para que o antigo Presidente Guebuza e Nyusi sejam ouvidos como réus e não como declarantes no caso.
Foto: Romeu da Silva/DW
MINT fazia para do Comando Conjunto
O Ministério do Interior, assim como o Ministério da Defesa, eram considerados cruciais no projeto de Proteção da Zona Económica Exclusiva. O tribunal tem na lista de declarantes o antigo ministro Alberto Mondlane para prestar declarações e o papel que este Ministério teve na contratação das dívidas ocultas.