África do Sul se despede de Nelson Mandela
14 de dezembro de 2013Nelson Mandela é considerado o pai de uma nação, que pertence a todos. E são muitos os que querem ainda resplandescer sob o seu brilho. Tal como o seu partido, o Congresso Nacional Africano (ANC), que desde a retirada política de Mandela em 1999, tem medo de perder a sua primazia na política sul-africana.
Mandela, já foi durante a sua vida uma figura simbólica, uma lenda. Mandela superou-os a todos: tanto o Prémio Nobel da Paz Albert Luthuli como o bispo Desmond Tutu, o companheiro Walter Sisulu e Oliver Tambo. Alguns juram ter sentido uma energia mágica quando apertaram a mão a Nelson Mandela. O próprio Mandela reagiu ao culto de personalidade com alguma ironia, sobretudo quando o seu declínio físico começou a ser evidente. “Não se esqueçam que já tenho mais de 100 anos de idade”, brincou nessa altura.
Um cavalheiro sedutor
Mandela, um cavalheiro nobre, um sedutor. Quem mais conseguiria fazer corar jovens repórteres? Para Mandela, esse sempre foi um exercício fácil. “Aproxime-se um pouco mais, por favor”, disse numa conferência de imprensa a uma jovem jornalista de televisão que tinha acabado de lhe fazer uma pergunta ousada. “Prefiro que se aproximem mulheres jovens”, confessou Mandela, sorrindo abertamente e fazendo a jovem jornalista corar de embaraço.
Os que o conhecem melhor sorriem quando se fala no tema “Mandela e as mulheres.” Na agenda do líder histórico sempre houve espaço para modelos, cantoras pop e estrelas de Hollywood. Teve várias namoradas e escapou a um casamento arranjado na década de 1940. Na década de 50, o primeiro casamento, voluntário, com Evelyn Mase Ntoko, fracassou porque ela não ficou feliz com o tempo que Mandela investiu na sua luta política.
Em 1948, o Partido Nacional (NP) dos sul-africanos brancos de origem holandesa e alemã, os chamados “Boers”, sobe ao poder e institui a segregação das raças: O apartheid torna-se doutrina de Estado.
Em 1952, com o seu amigo Oliver Tambo, abre o primeiro escritório de advogados negros na África do Sul. E apenas quatro anos mais tarde é acusado em tribunal por traição ao Estado. Nessa época, em 1956, sai em liberdade. Ao seu lado está já a bela assistente social Nomzamo Winnifred Madikizela. Winnie também é uma lutadora da resistência e não faz perguntas. As suas duas filhas, Zenani e Zindzi, nascem nessa altura.
Disposto a morrer por um ideal
Em 1961, Mandela constrói a ala militar do ANC, Umkhonto we Sizwe, em português: a “lança da nação”. Mergulha então na clandestinidade e tem de se esconder, entre outros lugares na quinta Lillisleaf, nos arredores de Joanesburgo.
Nelson, o inimigo público, transforma-se em David, o jardineiro. Em 1962, é preso e inicialmente condenado a cinco anos de prisão. Tem 44 anos e só será libertado quando tiver 71 anos. No famoso julgamento de Rivonia, alguns anos mais tarde, é acusado de 150 atos de sabotagem. Mandela assume o papel de advogado e defende-se a si mesmo.
“Lutei contra a supremacia branca. E lutei contra a supremacia negra. Persegui sempre o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todos pudessem viver em harmonia e tivessem as mesmas oportunidades. Este foi sempre o ideal pelo qual eu quis viver. E é um ideal pelo qual eu estou disposto a morrer”, assegura Mandela num discurso que correu mundo e que se transformou em legado de uma geração.
No entanto, o tribunal permanece irredutível. No dia 11 de junho de 1964, o juiz Quartus de Wet anuncia que “a sentença para todos os acusados será prisão perpétua.”
Mandela passa 18 anos na ilha-prisão de Robben Island, em frente à costa da Cidade do Cabo, onde os holandeses tinham já tinha mantido escravos obstinados. Apesar de publicamente se ter deixado de ver fotografias suas, Mandela torna-se o prisioneiro mais famoso do mundo.
Vinte e sete anos de reclusão
Propositadamente, o ANC usa Winnie Mandela e, posteriormente, as suas duas filhas Zenani e Zindzi para uma campanha internacional de relações públicas.
Em 1982, Mandela é transferido de Robben Isand para a prisão de Pollsmoor num subúrbio da Cidade do Cabo. E em 1988 para a prisão de Victor Verster perto da cidade vinícola de Paarl. Nesta última prisão teve direito a um certo luxo, com casa própria com piscina e cozinha.
Só em 1990, quando Mandela tinha 71 anos, Frederik Willem de Klerk, o último presidente branco da África do Sul, cede à pressão global. “Gostaria de frisar que o governo tomou a decisão irrevogável de libertar Nelson Mandela, incondicionalmente. Estou empenhado em resolver este assunto sem mais demora”, anunciava então.
Alguns dias depois, um estranho alto e magro sai da prisão de mãos dadas com Winnie. Durante 27 anos, o público não viu Mandela. Nesse mesmo dia, repete o legado do julgamento de Rivonia: “Lutei contra a supremacia branca. E lutei contra a supremacia negra. Persegui sempre o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todos pudessem viver em harmonia e tivessem as mesmas oportunidades.”
O desejado regresso a casa
Mandela coloca o seu destino nas mãos do povo e anseia sobretudo por uma casa. A sua filha Zindzi Mandela lembra-se bem dessa altura. “A minha mãe fazia sempre um prato com várias camadas de massa e carne picada. E o meu pai via muito da personalidade dela neste prato, que é bastante picante. As várias camadas eram como a personalidade dela, temperamental”, recorda. “E ele costumava ameaçá-la: Se quando eu voltar a casa esta comida não estiver em cima da mesa, divorcio-me”, acrescenta.
Após grande hesitação, Mandela acaba por divorciar-se em 1996. O passado de Winnie Mandela, as suas atividades criminosas e, possivelmente, os seus casos amorosos parecem ter destroçado o seu coração. Pede publicamente que compreendam a sua dor, na conferência de imprensa mais curta da sua vida.
Esta não é a sua única derrota privada: Os seus dois filhos morreram, um deles com apenas 22 anos de idade, num acidente de carro. O mais velho, Magkato, um advogado solitário, mas bem-sucedido, já tinha morrido em 2005 de SIDA. Outra filha morreu ainda durante a infância. A segunda filha do seu primeiro casamento, Maki, queixou-se uma vez da falta de atenção por parte do pai e disse que Mandela era um pai para todos, mas não para ela.
Felicidade tardia
Em 1998, quando cumpre 80 anos, volta a casar, desta vez com a viúva do Presidente moçambicano Samora Machel. Encontra então uma felicidade tardia, como disse Graça Machel numa entrevista à Al Jazeera. “Ele sentia-se muito só”, lembra. “Porque depois de 27 anos de prisão, ele já não desejava unicamente o brilho político, mas um lar, uma vida familiar. E foi isso que lhe dei”, conta Graça Machel.
Acolher o Mundial de Futebol de 2010 na sua nação arco-íris foi o seu último triunfo. “Sinto-me como um jovem de 50 anos!”, brincou Mandela após a decisão em Zurique. E a sua missão histórica foi cumprida. Em 2010, África celebra a realização do primeiro Campeonato Mundial de Futebol no continente africano. As imagens de Mandela com o seu chapéu de pele no Estádio Soccer City continuarão na memória do mundo.