Depois da retirada do Burundi, também o Governo sul-africano já entregou nas Nações Unidas a carta para formalizar a saída do Tribunal Penal Internacional. Organizações de defesa dos direitos humanos criticam a decisão.
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O ministro da Justiça da África do Sul, Michael Masutha, anunciou esta sexta-feira (21.10) que o país quer abandonar o Tribunal Penal Internacional (TPI). O Governo enviou, quarta-feira (19.10), às Nações Unidas o documento que oficializa a saída, que deverá ser efetiva depois de o secretário-geral receber a carta. O processo de retirada poderá ser completado ainda este ano.
A decisão está relacionada com o ambiente de crispação, em junho do ano passado, quando a África do Sul se recusou a prender o Presidente do Sudão, Omar al-Bashir, que visitou o país para participar na cimeira da União Africana (UA), alegando imunidade diplomática.
O chefe de Estado sudanês é alvo de um mandado de detenção do TPI que o condenou, em 2009, por crimes de guerra na região do Darfur, onde os conflitos causaram cerca de 300 mil mortos e dois milhões de pessoas fugiram de suas casas.
Segundo o ministro da Justiça sul-africano, Michael Masutha, o tribunal com sede em Haia, na Holanda, estava “a inibir as capacidades da África do Sul para honrar as suas obrigações relativas à concessão de imunidade diplomática”. Masutha afirmou ainda que as obrigações do seu Governo na resolução de conflitos internacionais são incompatíveis com as atuações do tribunal.
O Executivo de Pretória levará ao parlamento um projeto de lei para revogar todas as leis aprovadas para aplicar no país o Tratado de Roma, documento que estabeleceu o TPI.
Efeito dominó no abandono do TPI
De acordo com o ministro da Justiça sul-africano, Michael Masutha, “há a visão em África de que o TPI, na escolha de quem processar, aparentemente prefere os líderes africanos”.
Na verdade, o tribunal, estabelecido em 2002, tem sido frequentemente acusado de parcialidade contra líderes africanos. Nove em cada dez investigações do TPI envolvem africanos.
A retirada da África do Sul do TPI acontece dias depois de o Presidente do Burundi, Pierre Nkurunziza, ter sancionado a lei aprovada pelo Parlamento para se retirar do Estatuto de Roma. A Namíbia e o Quénia anunciaram a possibilidade de seguirem o exemplo.
"O mundo tem de perceber que há um problema entre os Estados africanos e o TPI", afirma Martin Oloo, advogado queniano e ativista dos direitos humanos. "Penso que este precedente vai continuar e com as próximas eleições para a presidência da Comissão da UA é provável que se ouça sobre mais saídas".
Segundo o advogado, "alguns países africanos questionam-se se o tribunal foi criado apenas para africanos. De facto, há casos de pessoas como Tony Blair e George Bush que precisam de resposta. Mas porque são líderes de nações poderosas, o mundo fecha os olhos as acusações que pendem contra eles".
Este é mais um revés para o TPI que tem lutado contra a falta de cooperação de vários países, incluindo dos Estados Unidos, que assinaram o acordo, mas nunca o ratificaram.
Em reação, a Aliança Democrática, o principal partido da oposição na África do Sul, considerou que a decisão de deixar o TPI era “irracional” e “mostra um profundo desrespeito pelo Estado de direito no seio do ANC”, o partido no poder.
Para a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch, a medida “revela um desrespeito surpreendente pela justiça num país visto, há muito, como um líder global”. A Amnistia Internacional disse que a África do Sul estava a “trair milhões de vítimas de graves violações dos direitos humanos, minando o sistema de justiça internacional.”
Ascenção e queda do apartheid
Nenhum outro meio reflete a história de forma tão impressionante quanto a fotografia. O Museum Africa, em Joanesburgo, mostrou numa grande exposição fotográfica a história de repressão e libertação da África do Sul.
Foto: Museum Africa
Fotografias como testemunhas
O Museum Africa de Joanesburgo exibiu 600 fotografias que contam a história de repressão e libertação da África do Sul. Em meados dos anos 50, membros da organização de direitos civis Black Sash (ou "Faixa Preta", na tradução literal) foram às ruas contra o regime do apartheid. A Black Sash foi fundada por mulheres brancas. Em 1990, Nelson Mandela chamou-a de "consciência da África do Sul branca."
Foto: Museum Africa
A câmera como arma
Peter Magubane, um dos mais famosos fotojornalistas negros, começou como motorista e mensageiro da lendária revista Drum. O alemão Jürgen Schadeberg treinou-o na câmara. Magubane tornou-se mundialmente famoso com imagens da revolta nas townships, áreas habitadas na época por não brancos. Muitas vezes, ele escondeu sua câmera das autoridades, em uma Bíblia oca. Na foto, é preso pelas autoridades.
Foto: Museum Africa, Johannesburg
O fim de Sophiatown
O regime do apartheid começou nos anos 50 a dividir áreas residenciais de acordo com as "raças". Como parte da lei Group Areas Act, o bairro multiétnico de Sophiatown, centro cultural da maioria negra, foi demolido e os moradores realocados à força. No lugar de Sophiatown, sugiu o Triumph, um bairro no qual eram permitidos exclusivamente moradores brancos.
Foto: Museum Africa
Comboios sobrelotados
Intermináveis eram as viagens que levavam os moradores dos subúrbios negros para os seus empregos ao centro da cidade. Muitos morreram durante as viagens nos comboios sobrelotados. Mas também havia momentos de espiritualidade. O fotógrafo Santu Mofokeng registou-os numa série impressionante de imagens. O papel da fé e da religiosidade ainda é um dos principais temas para a sociedade sul-africana.
Foto: Museum Africa, Johannesburg
Julgamento por Traição
Nesta fotografia de 1956, a imprensa acompanha o chamado Treason Trial ("Julgamento por Traição"), em que 156 sul-africanos foram acusados de trair o país. Um ano antes, eles haviam publicado a "Carta da Liberdade" que propagou uma derrota do apartheid. Entre os réus estava também Nelson Mandela. O processo resultou em uma solidariedade dos grupos de oposição contra todas as barreiras raciais.
Foto: Museum Africa, Johannesburg
Ícone da Luta de Libertação
Uma das imagens mais famosas da exposição do Museum Africa é hoje um monumento no centro de Soweto, em memória à revolta dos jovens estudantes que protestaram contra a política racial discriminatória em 1976. Hector Pieterson, de 12 anos, foi baleado na manifestação. O fotógrafo Sam Nzima captou a tragédia. A imagem ficou conhecida em todo o mundo.
Foto: DW/Ulrike Sommer
Luto e rancor
Volta e meia a exposição do Museum Africa mostra fotografias de luto coletivo. Os funerais tornam-se grandes eventos políticos, como o enterro dos Craddock Four, quatro membros do grupo da oposição United Democratic Front. Eles foram sequestrados e assassinados em 1985. Mais tarde, soube-se que o ato foi iniciado por oficiais das forças de defesa sul-africanas que agiam de forma oculta.
Foto: Rashid Lombard
Uma nova era
Uma nação esperançosa celebra o vencedor. Em 3 de maio de 1994, está claro: Nelson Mandela será o primeiro Presidente de uma África do Sul democrática. "Foi um momento incrível," lembra o fotógrafo George Hallet. Ele havia retratado exilados sul-africanos por 20 anos. Para acompanhar as primeiras eleições livres com sua câmera, Hallet voltou para sua terra natal.
Foto: George Hallett
Herança pesada dos homelands
Durante décadas, os "homelands" ou "bantustões", as áreas reservadas à população de cor e com alguma autonomia governamental, foram sofrendo cortes: de acesso à educação e cuidados de saúde ao progresso económico. 20 anos após as primeiras eleições livres, muitas regiões ainda lutam contra as consequências da segregação racial territorial.