Cimeira África-Europa com poucos resultados concretos
Henry-Laur Allik
30 de novembro de 2017
Os políticos congratulam-se, as organizações da sociedade civil afirmam-se desiludidas. O balanço da cimeira da União Africana e da União Europeia em Abidjan, na Costa de Marfim.
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O encontro entre os 55 Estados membros da União Africana e os 20 países da União Europeia terminou esta quinta-feira (30.11) em Abidjan, na Costa do Marfim, após dois dias de consultas em redor, sobretudo, de um tema: a migração em massa de jovens africanos decididos a encontrar um futuro melhor no continente europeu.
Para a Europa tratou-se de encontrar soluções urgentes para um tema político altamente sensível nos países do norte, que já teve o condão de afetar as políticas nacionais. Para a África tratou-se de obter o máximo apoio possível da UE na tentativa de criar perspetivas para os jovens num continente que não tem emprego para a população crescente.
Operação de resgate
À margem da cimeira, uma série de países acordou um plano para resgatar de imediato um total de 3800 vítimas de tráfico humano da Líbia. Notícias recentes davam conta de vendas em hasta pública de refugiados africanos escravizados naquele país, alertando para a total falta de proteção das vítimas de bandos criminosos. As evacuações de emergência deverão ser iniciadas nos próximos dias e envolvem, sobretudo, a repatriação dos refugiados numa base voluntária. Só aqueles que necessitam de proteção especial serão levados para terceiros países.
Centenas de milhares de africanos atravessam o deserto do Saara numa tentativa de chegar à Europa via o Mediterrâneo. O número de africanos atualmente encalhados na Líbia é calculado em até 700.000. A situação é considerada alarmante pelos governos dos países africanos. No final da cimeira o anfitrião e Presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, disse a propósito da situação: "A condenação dasatrocidades cometidas contra africanos na Líbia foi unânime. Elas não passarão impunes. Estas atrocidades são cometidas por traficantes eles próprio africanos, que têm que ser punidos".
Falta de progresso
Na resolução final da cimeira, a UA e a UE prometem estreitar a cooperação em quatro áreas chave, nomeadamente a segurança, desenvolvimento sustentável, investimentos na educação e a migração. Este último aspeto foi sublinhado pelo Presidente francês Emmanuel Macron: "Acima de tudo temos que elaborar um plano de ação de curto, médio e longo prazo entre a União Africana, a União Europeia e as Nações Unidos para pôr cobro ao tráfico humano. Temos que tomar medidas concretas, que vamos discutir com a Organização Internacional de Migração, a UA e todos os países europeus".
Organizações não governamentais criticaram a falta de progresso real nas duas questões centrais desta cimeira: um acordo entre a África e a Europa sobre a migração e os acordos de parceria económica, apontados por muitos Estados africanos como nocivos aos seus interesses.
30.11 UE UA cimeira - MP3-Mono
Uma cimeira inútil?
Kadidja Koné, representante em Abidjan da organização de assistência Pão para o Mundo, duvida da utilidade prática do encontro. Ao contrário do que sempre acontece nestes certames, desta vez os representantes da sociedade civil nem tiveram acesso à cimeira: "Foi um encontro para os governantes, inútil para as comunidades. Penso que não estavam nada preocupados com as populações", disse Kandidja à DW.
Pelo contrário. Em Abidjan a polícia encerrou sem dar explicações o habitual encontro alternativo das ONGs. Uma bofetada na cara da democracia, como diz Kadidja Koné.
Milhares de migrantes atravessam Níger rumo à Europa
São jovens oriundos da África Ocidental e fazem tudo para chegar à Europa. Estão mesmo dispostos a arriscar a vida, atravessando o deserto, rumo ao Mediterrâneo. Mas nem todos são bem sucedidos.
Foto: DW/A. Cascais
Apoio aos "menos bem sucedidos"
Em Niamey existe um centro de acolhimento da Organização Internacional para as Migrações (OIM). Aqui são acolhidos os jovens "revenants", que não conseguiram atravessar o deserto e se veem obrigados a regressar aos seus países de origem. A OIM, que faz parte do sistema das Nações Unidas, dá-lhes abrigo provisório, alimentação e apoio na obtenção de passaportes e outros documentos.
Foto: DW/
À espera do regresso a casa
Os jovens que procuram apoio no centro da OIM vêm dos mais diferentes países: Guiné-Conacri, Mali, Senegal, Gâmbia ou Guiné-Bissau, movidos sobretudo por objetivos económicos. Muitos tiraram cursos superiores, mas não arranjam trabalho. Muitas famílias apostam na emigração de pelo menos um filho. Caso esse filho seja bem sucedido poderá eventualmente apoiar economicamente o resto da família.
Foto: DW/A. Cascais
Frustrados por terem falhado a Europa
Muitos investiram todas as suas economias, pediram dinheiro a familiares e perderam tudo. Agora esperam pelo regresso aos seus países com a sensação de terem sofrido grandes derrotas pessoais. Os assistentes sociais falam de casos em que os jovens não se atrevem a voltar ao seio das suas famílias, "por sentirem vergonha". Precisam de apoio psicológico, mas esse apoio não existe.
Foto: DW/A. Cascais
Otimismo apesar das derrotas
Alguns dos migrantes sofrem lesões e contraem doenças durante a travessia do deserto, mas mesmo assim não perdem o ânimo. Em muitos casos, os jovens tentam várias vezes, ao longo da vida, atingir a terra prometida: a Europa. Muitos nunca o conseguem, mas não perdem o otimismo. Em 2016, a OIM prestou apoio a mais de 6 mil "revenants" - migrantes que não foram bem sucedidos no Níger.
Foto: DW/A. Cascais
Espancado na Líbia
Dumbya Mamadou, de 26 anos de idade, oriundo do Senegal, conseguiu atingir a Líbia, depois de uma "odisseia de 5 dias e 5 noites" pelo deserto do Níger. Mas na Líbia foi maltratado. "Os líbios apontaram-me armas e espancaram-me, não têm respeito pelo ser humano", afirma o jovem. Dumbya volta ao seu país de origem com um sentimento de derrota: "Queria estudar na Europa, agora não sei o que fazer".
Foto: DW/
Roubado no Burkina Faso
Mamadou Barry, de 21 anos, oriundo da Guiné-Conacri, tinha um sonho: aplicar em França os seus conhecimentos de marketing e os seus talentos musicais. Mas a viagem rumo à Europa correu-lhe mal. "Fui roubado no Burkina Faso, o primeiro país pelo qual passei", conta. Mesmo assim, Mamadou aprendeu uma grande lição para a vida: "coisas que nunca teria aprendido se nunca tivesse saído de Conacri".
Foto: DW/A. Cascais
Rap contra a frustração
Mamadou Barry tenta digerir as suas derrotas e decepções através da música. Há três anos que o jovem canta e interpreta temas de rap e hiphop de sua autoria. O seu último tema foi escrito em Niamey, capital do Níger, e tem a seguinte letra: "A migração arrasou-me / e ninguém me pode consolar / O Mar Mediterrâneo já matou muitos / e nós cá continuamos: sem comida, sem cama, sem saúde".
Foto: DW/
Central de autocarros de Niamey: uma placa giratória
É da estação de autocarros de Niamey que partem diariamente centenas de furgonetas, muitas delas repletas de jovens migrantes, em direção ao norte. Os migrantes tornaram-se um fator relevante para a economia do Níger. Há muita gente que ganha a sua vida prestando diversos serviços aos migrantes: viagens pelo deserto, alimentação e mesmo cuidados médicos.
Foto: DW/A. Cascais
Mais migrantes tentam atravessar deserto do Níger
O número de migrantes que viajam através dos vastos territórios desérticos do Níger para chegar ao norte da África e à Europa não pára de aumentar, tendo alcançado os 200 mil em 2016, segundo estimativas do escritório da Organização Internacional para as Migrações. Outras fontes falam de 10 mil migrantes que atravessam o Níger por semana. A situacão geográfica do Níger é o fator determinante.
Foto: DW/A. Cascais
Agadez, o "olho da agulha"
Agadez, cidade desértica no Níger, é um dos principais pontos de trânsito no Saara para os imigrantes em fuga de nações empobrecidas do oeste da África. As "máfias" do tráfico humano têm beneficiado do caos na Líbia para transportar dezenas de milhares de pessoas para o continente europeu em embarcações precárias. Os migrantes muitas vezes sofrem abusos dos passadores.