Bobi Wine é uma das principais vozes da oposição no Uganda e utiliza a música como "arma" privilegiada. Mas, dos tambores ao Afro-pop, a relação entre política e música em África é tão antiga quanto a própria música.
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Conhecido como o "presidente do gueto", o ugandês Bobi Wine está a pressionar tanto o Governo do Uganda, a ponto desse precisar reagir com a força das armas. Este famoso músico de 36 anos foi eleito no ano passado para o Parlamento do país e diz querer dar voz à juventude - é considerado uma ameaça para o Presidente Museveni. O músico tem chamado atenção internacional pelo seu envolvimento com a política. Mas a relação entre a música e a política em África não é de agora, é tão antiga quanto a própria música...
"Qual é o propósito da liberdade?..."
No videoclipe da música "Freedom", Bobi Wine aparece numa cela de prisão e usa uma faixa vermelha na cabeça, a cor da oposição. "Qual é o propósito da liberdade se não temos mudanças pacíficas de poder em nosso país? Qual é o propósito de uma Constituição, se o Governo simplesmente a ignora?” questiona o músico. Por trás dos seus sons alegres de "reggae", há uma crítica mordaz ao Governo do Presidente do Uganda, Yoweri Museveni. "Não é apenas sobre o ‘Bobi Wine’ - eu sou um entre os 40 milhões de ugandeses que querem liberdade, justiça e dignidade. Estamos a falar da jovem que trabalha todos os dias para alimentar o filho pequeno, dos universitários desempregados, e também dos anciãos envergonhados com o que está a passar agora no Uganda ".
Em agosto de 2018, o deputado e músico Bobi Wine foi preso, espancado e torturado. Depois de ser libertado da prisão, Wine viajou para os Estados Unidos iniciando tratamento médico. Ugandeses na capital Kampala protestaram pedindo a sua libertação. E até mesmo músicos internacionalmente conhecidos, como Angelique Kidjo, Peter Gabriel e o vocalista da banda Coldplay, Chris Martin, assinaram uma petição em favor do músico.
África: Sons dos instrumentos são parte da comunicação
Mas a relação entre música e política é quase tão antiga quanto à própria música, especialmente em África. Em algumas regiões africanas, a música sempre foi considerada um meio de comunicação linguístico. Na língua Bantu da África Ocidental, por exemplo, comunica-se palavras através dos sons dos tambores. Nepomuk Riva é etnógrafo musical da Academia de Música, Teatro e Media da cidade alemão de Hanover, e sublinha que "nestas regiões, você jamais diria que está a tocar um tambor, mas que o tambor mesmo está cantando ou falando. Ou seja, os sons dos instrumentos são parte da própria comunicação."
Nos Camarões, a música dos tambores era usada para comunicar-se a longas distâncias. Os colonialistas alemães não compreendiam que mensagens eram transmitidas pelos tambores. Mais tarde, porém, começou-se a destruir esses instrumentos, diz o etnólogo musical: "Nessas músicas, é muito fácil perceber a crítica ao poder colonial. Às vezes, passagens curtas expressavam desaprovação com a situação política".Também a música tradicional do Gana tem seu aspecto político, de acordo com o etnógrafo de música Eyram Fiagbedi, da Universidade de Cape Coast. As canções tradicionais ganesas falavam sobre os conflitos étnicos, e apenas durante os rituais de música os líderes podiam ser publicamente criticados.
África: O poder da música na política
"A música mobiliza as pessoas"
Já no século XX, o nigeriano Fela Kuti foi um dos primeiros músicos africanos comercialmente bem-sucedidos ao “misturar” música e política. É considerado o pai do “Afro-beat”. Inovadoras, suas canções trazem sons africanos tradicionais junto do funk e jazz norte-americanos. Ele compôs sobretudo no período pós-independência da Nigéria, denunciando a opressão militar.
Na África do Sul a política e música estiveram juntas para criticar o Apartheid. Grandes nomes da música, como os sul-africanos Miriam Makeba e Hugh Masekela, tiveram de se exilar por causa do regime racista.
Para o musicólogo Lee Watkins, da Universidade de Rhodes, na África do Sul, a interação entre música e política existe em todo o mundo: "A música mobiliza as pessoas, e as torna mais políticas".
Os dez músicos brasileiros que mais se empenharam para fazer a ponte África-Brasil
A música torna-se um dos maiores aliados para eliminar diferenças e polémicas como, por exemplo, se o samba é brasileiro ou de Angola. Estes dez artistas colocam África em destaque de forma inovadora e revolucionária.
Foto: W. Montenegro
Viagens em livros e muita música
Martinho da Vila faz um verdadeiro manifesto anti-racista no livro "Kizombas, Andanças e Festanças", lançado pela primeira vez em 1972. O cantor e compositor, que assina alguns dos maiores sucessos da música brasileira, aparece no topo da lista dos músicos brasileiros que mais contribuíram para a ponte Brasil-África de acordo com diferentes instituições e especialistas ouvidos pela DW África.
Foto: Getty Images/R. Dias
"Marrom" graças ao amor pelas origens
Alcione Dias Nazareth, a Marrom, viajou diversas vezes para apresentações em países africanos, como Angola e Moçambique. Depois de 25 anos sem ir a Cabo Verde, a maranhense fez uma apresentação, em 2011, para celebrar os seus 40 anos de carreira. Do arquipélogo, inclusive, gravou "Regresso" (Mamãe Velha), composição histórica de Agostinho José que usou um poema de Amílcar Cabral.
Foto: Getty Images/F.Calfat
Sons e política em oração
Gilberto Gil, músico e ex-ministro da Cultura do Brasil, procurou desconstruir equívocos na música "Mão da Limpeza", em 1983, levando em conta o pejorativo termo de que "negro quando não suja na entrada, suja na saída". Cantada ao lado de Chico Buarque, valoriza a contribuição dos afro-brasileiros na gastronomia e cultura brasileiras. Em 1985, lançou a "Oração Pela Libertação da África do Sul".
Foto: FAO/Giulio Napolitano
"A carne mais barata do mercado é a carne negra"
Elza Soares é militante assumida numa carreira de mais de 60 anos e apresenta em muitas das suas músicas a realidade do negro, tomando como ponto central a mulher. Nascida na favela da Moça Bonita, Rio de Janeiro, em 1937, Elza não perde oportunidade para gravar canções como "A Carne", de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette. O mais recente trabalho é "A Mulher do Fim do Mundo" (2016).
Foto: Getty Images/K.Betancur
Composições e inspiração para novos artistas
Mateus Aleluia (esq.) morou 20 anos em Angola e sempre procurou ligações com outros artistas para dar vida à África perdida na história do Brasil. O músico nascido no estado brasileiro da Bahia inspira trabalhos de nomes como Carlinhos Brown, Nação Zumbi e Cidade Negra. Aleluia integrou o legendário "Tincoãs", nos anos 1970. Na foto, está ao lado de Bule-Bule (centro) e Raimundo Sodre (dir).
Foto: picture-alliance/ dpa/S.Creutzmann
Morena de Angola, Moçambique e Brasil
Clara Nunes (1942-1983) fascina quem pesquisa sobre o Brasil e está em África. O inédito nela é ter cantado sobre elementos fora do dia-a-dia das pessoas, como em "Mãe África", do marido Paulo César Pinheiro e Sivuca. Foi desta forma que rompeu paradigmas, vendendo mais de 100 mil cópias. É retratada no documentário Clara Estrela (2017), dirigido pelos brasileiros Susanna Lira e Rodrigo Alzugui.
Foto: W. Montenegro
O Sul do mundo em lágrimas
Milton Nascimento compôs a Missa dos Quilombos, em 1981, para denunciar as consequências da escravidão e do preconceito no Brasil. Criado por pais adotivos brancos, impulsionou a criação dos Tambores de Minas, nos anos 1990, e trabalhou com projetos envolvendo novos talentos. Com mais de 50 anos de carreira, escreveu Lágrima do Sul, ao lado de Marco Antônio Guimaraes, do grupo Uakti.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Cruz
Afro-brasileiro fora da África e do Brasil
Desde o início da sua carreira, nos anos 1960, Jorge Ben Jor manteve-se mais próximo dos aspectos afro-brasileiros, afastando-se da Bossa Nova que dominava a cena musical brasileira. O guitarrista, cantor e compositor gravou "África Brasil", em 1976. É deixando-se ser marcado por esta influência que se apresenta em diversos pontos do planeta, como no Festival de Montreux, na Suíça (foto).
Foto: picture-alliance/dpa/S.Campardo
Sem dar adeus à Àfrica
Naná Vasconcelos (1944-2016) já começou sua carreira intitulando o primeiro disco de "Africadeus", em 1973. Respeitado no mundo inteiro por valorizar as culturas africana e negra em seu trabalho, ganhou oito prémios Grammy. De 1983 a 1990, foi o Melhor Percussionista do Ano, da revista Down Beat. Em 2010, o pernambucano reuniu meninas e meninos de Angola, Brasil e Portugal no projeto Língua Mãe.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Moreira
Revolução em lugares inesperados
Já no início da carreira, nos anos 1960, Maria Bethânia fazia invocações africanas e revolucionou aglutinando dois continentes dentro de boates! Com uma trajetória sólida, em 1986, gravou com o grupo sul-africano Lady Smith Black Mambazo. Ao lado de Mingas, Mia Couto e Agualusa, a intérprete baiana acaba de lançar o documentário "Karingana, Licença para Contar" (2017), de Monica Monteiro.