Da Avenida Eusébio da Silva Ferreira à Rua Amílcar Cabral, passando pela Praça Eduardo Mondlane: a DW vai em busca de África na toponímia portuguesa.
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Há cada vez mais uma África que vibra em Portugal, quer na música ou na literatura, quer noutras áreas da vida social e cultural da sociedade portuguesa.
Do glorioso Eusébio da Silva Ferreira à diva Cesária Évora, que dão nome a avenidas na Grande Lisboa, também são de destacar figuras como Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Mário Pinto de Andrade, políticos e nacionalistas africanos que passaram por Portugal e daí desencadearam a luta contra o colonialismo português a favor da autodeterminação e independência das antigas colónias em África.
Toponímia de algumas freguesias
Na pequena aldeia do Cabreiro, freguesia de Alcabideche, em Cascais, a maioria dos residentes não faz ideia de quem era Óscar Ribas (1909-2004), considerado um dos maiores expoentes da cultura angolana, cujo nome foi atribuído a uma das ruas mais recentes da aldeia.
Uma das pessoas que desconhecia o escritor, natural de Luanda, é Adolfo Salgueiro, residente em Cabreiro há cerca de 50 anos. Mas acolhe a ideia da Rua Óscar Ribas com simpatia.
"Acho bem, tem o mesmo direito que tem os portugueses. Portugal quer pessoas boas. Mas é uma rua nova que ninguém conhece. Pois não, tirando os que moram aqui ninguém conhece".
A Rua Óscar Ribas, inaugurada recentemente, cruza com a Zé Afonso e está próxima de outros ruas que distinguem nomes ímpares da cultura portuguesa como Eugénio de Andrade, Vergílio Ferreira e Ary dos Santos. Foi com agrado que Luandino Carvalho, adido cultural da Embaixada de Angola, a residir perto daquela rua, em Cascais, recebeu a notícia. O diplomata recorda outros nomes de angolanos que fazem parte da toponímia portuguesa, entre os quais Agostinho Neto (1922-1979), fundador do MPLA e primeiro Presidente de Angola, mas também Mário Pinto de Andrade (1928-1990) – com rua em Corroios/Seixal na margem sul do Tejo – que integraram o movimento estudantil em Portugal e participaram nos processos de libertação pela independência dos países africanos do jugo colonial.
"Eu lembro-me também da Avenida Raul Indipwo (1933-2006) [do Duo Ouro Negro], Rua Agostinho Neto, para falar de mais algumas relacionadas com Angola que, de facto, confirmam essa forte ligação cultural e afetiva que há entre Portugal e os países que tiveram ligações já de séculos com este país. No fundo, cabe a Portugal, aos seus autarcas e as respetivas populações que acolhem estas ideias passá-las para a prática e é um reconhecimento que acaba por ser eterno depois".
Outras figuras dos PALOP
Na lista, não figuram apenas angolanos. Nalguns concelhos portugueses onde vivem comunidades africanas – Olival Basto (Odivelas), Santa Iria da Azóia (Loures), Vialonga (Vila Franca de Xira), Baixa da Banheira (Moita/Setúbal) e Évora (Alentejo) – há ruas atribuídas a Samora Machel (1933-1986), primeiro Presidente de Moçambique, e a Amílcar Cabral (1924-1973), fundador do PAIGC e pai da independência da Guiné e Cabo Verde.E Paula Machado, técnica do Núcleo de Toponímia do Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa explica que "também há uma Praça Eduardo Mondlane, relativo a Moçambique. Tudo isso, foram vereadores que na própria sessão de Câmara, em 1983, propuseram que todos eles fossem nome de rua. Com a diferença de alguns meses foram primeiro Agostinho Neto e Amílcar Cabral em ruas e depois foi Eduardo Mondlane [fundador da FRELIMO] numa praça em Marvila. Os outros dois estão na freguesia do Lumiar".
Parte de outro processo, Eusébio da Silva Ferreira (1942-2014), glória do futebol português nascido em Moçambique e que ocupa um lugar nobre no Panteão Nacional, ganhou uma avenida um ano após a sua morte, atribuída por unanimidade quando o atual primeiro-ministro, António Costa, era presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Na ocasião António Costa justificou "a escolha deste troço da segunda circular – uma das principais artérias da cidade e uma das principais vias de entrada e saída da capital – leva o nome de Eusébio da Silva Ferreira como ele levou o nome de Lisboa um pouco por todo o mundo. É também de grande simbolismo a escolha deste local, pois está junto ao sítio onde tantas alegrias viveu e tantas alegrias proporcionou, quer com a camisola do seu clube de sempre quer com a camisola das quinas ao peito".
Eusébio tem o seu nome em várias outras ruas em Portugal. O ex-futebolista Matateu (1927-2000), seu conterrâneo, também faz parte da toponímia de Lisboa, igualmente sob proposta do respetivo clube.Cesária Évora (1941-2011), a diva cabo-verdiana conhecida por Cize, é igualmente homenageada com uma avenida em Oeiras.
África na toponímia portuguesa
Atualmente, segundo Paula Machado, técnica da Câmara Municipal de Lisboa, não existe qualquer proposta de outros nomes de figuras africanas para avenidas, ruas ou praças.
No entanto, Luandino Carvalho é de opinião que, baseado no princípio da reciprocidade, as autarquias dos países africanos de língua portuguesa deveriam considerar igual tratamento nos respetivos projetos de novas cidades, avenidas, ruas e largos.
Isto porque admite existirem também "muitas referências de nomes da História de Portugal que poderiam encaixar-se nesse critério".
Inclusive, sublinha, "nomes que tiveram ligações culturais e mesmo políticas positivas com os nossos países".
Bairro da Jamaica na margem sul de Lisboa: A prolongada esperança
A Urbanização do Vale de Chícharos no Seixal, concelho do distrito de Setúbal (Grande Lisboa), acolhe, na sua maioria, imigrantes dos países africanos de língua portuguesa. Há quem viva no bairro há mais de 20 anos.
Foto: J. Carlos
Décadas à espera de realojamento
Os prédios inacabados, propriedade da Urbangol, uma sociedade sedeada num paraíso fiscal com dívidas ao fisco, foram ocupados por pessoas de baixa renda que não tinham condições para comprar uma casa. Aguardam, ao longo destes anos, pela promessa de realojamento por parte da autarquia local.
Foto: J. Carlos
Arte e desabafo por um bairro melhor
Por uma das entradas do Jamaica, os visitantes são recebidos por estes murais pintados na parede que cerca a instalação de transformadores da EDP, Energias de Portugal. As pinturas expõem os sentimentos de mudança e a visão do mundo por parte dos artistas que aspiram viver em um bairro melhor.
Foto: J. Carlos
Os ídolos Bob Marley e Che Guevara
O lendário músico jamaicano Bob Marley ou o líder guerrilheiro argentino-cubano Che Guevara são uma espécie de ídolos para os jovens artistas autores destas pinturas. Ao longo da parede, que funciona como uma tela, veem-se outros motivos, incluindo a reprodução de um bairro típico imaginário em África.
Foto: J. Carlos
Falta de água e de luz
Nos cafés ou em outro ponto de encontro e de convívio, os moradores acabam por falar e questionar sempre sobre os inúmeros problemas com que se deparam no dia-a-dia. A falta de água e de saneamento básico ou os cortes de luz pela empresa fornecedora quando não são pagas as faturas coletivas constituem uma dor de cabeça diária.
Foto: J. Carlos
Mas, na hora de matar a fome…
Enquanto não vem uma solução para o realojamento, a vida não para no Jamaica. Aos fins de semana, a música ajuda a acalentar os problemas. Os grelhados à moda dos países de origem, preparados neste caso pela são-tomense Vitória Silva, servem para matar a fome depois de um dia de trabalho árduo.
Foto: J. Carlos
… Pratos típicos juntam amigos
Percorrendo o território adjacente, encontram-se vários espaços anexados como este, adaptados para café e ou restaurantes, são uma das fontes de rendimento familiar. Os pratos típicos de África, sobretudo à base de peixe e banana, recheiam as mesas dos clientes provenientes de sítios diversos e servem de pretexto para reunir amigos.
Foto: J. Carlos
Cultivar para render
Em uma pequena parcela do terreno à volta, há moradores com alguma experiência agrícola que improvisaram hortas com variedades de hortaliças para consumo próprio. Plantam couves, alfaces, tomates, cebolas, alhos e batatas, entre outros produtos que ajudam a aliviar as despesas com a alimentação.
Foto: J. Carlos
Produzir para sobreviver
Também com o mesmo objetivo, a criação de galinhas reforça a dieta alimentar caseira. Para alguns dos moradores desempregados ou não, esta é uma das formas para suprir as muitas dificuldades de sobrevivência quando é baixo o rendimento familiar.
Foto: J. Carlos
Desemprego, droga e prostituição inquietam
O desemprego é um dos males que inquietam jovens mães como Vanusa e Aurora Coxi. Dizem que os habitantes são, de certo modo, discriminados quando procuram emprego pela fama desmerecida de aqui morarem. Isso leva muitos jovens a seguir por caminhos impróprios, do roubo, do tráfico de droga ou da prostituição. Ambas têm um sonho: acabar a universidade, interrompida por dificuldades diversas.
Foto: J. Carlos
Inundação e humidade
A estes problemas juntam-se as condições de habitabilidade nos prédios, que afetam a maioria das mais de 800 pessoas aqui residentes. Júlio Gomes, guineense que mora num anexo improvisado na parte traseira de um dos prédios, é afetado pela inundação quando chove ou quando rompe a canalização do sistema de esgotos do vizinho do andar de cima.
Foto: J. Carlos
Acesso à tarifa social de eletricidade
Os moradores estão em conflito com a empresa que fornece eletricidade (EDP), porque o critério de cobrança não é o mais adequado. É a associação do bairro que recebe o dinheiro dos consumos mensais e paga as faturas únicas por lote, consoante a leitura no contador colocado em cada prédio. Mas há quem não pague. Os clientes reclamam por não beneficiarem de tarifa social.
Foto: J. Carlos
Sede a precisar de reabilitação
Na sede da Associação para o Desenvolvimento Social da Urbanização de Vale de Chícharos, onde vive uma família, as inundações também constituem um incómodo quando chove. Aqui têm lugar as reuniões para discutir os problemas que afetam os residentes, entre os quais o realojamento. Reabilitar o espaço, onde também funcionam aulas de alfabetização, é uma solução em stand by por falta de recursos.
Foto: J. Carlos
Parque infantil inseguro
Ao lado da sede está um pequeno parque infantil, igualmente sem as condições mínimas de segurança para as crianças brincarem. Os poucos equipamentos nele existentes estão em mau estado de conservação e utilização. Este é, entretanto, um dos poucos espaços de lazer que dispõem para descarregar energia e preencher o tempo.
Foto: J. Carlos
Ação social imprescindível
A CRIAR-T – Associação de Solidariedade tem prestado serviço útil à comunidade, já lá vão mais de 15 anos. As suas várias valências permitem, além de apoio social, acolher crianças enquanto os pais vão trabalhar. Porque «é um perigo elas andarem pelo bairro a brincar», diz Dirce Noronha, presidente da Associação para o Desenvolvimento de Vale de Chícharos.