Luanda: Escola recebe carteiras, mas professor está suspenso
19 de outubro de 2022As autoridades angolanas colocaram novas carteiras na escola 5108, no município de Viana, em Luanda, menos de uma semana depois do protesto de 300 alunos organizado pelo professor Diavava Bernardo.
O professor, que chegou a ser detido, foi, entretanto, suspenso e responde por um processo disciplinar. Para o Sindicato Nacional dos Professores (SINPROF), a suspensão é "ilegal e absurda".
Em entrevista à DW África, Admar Jinguma, secretário-geral do SINPROF, afirma que o professor Bernardo merece todo o respeito e apoio, porque está a lutar por uma "causa nobre" e as suas ações já tiveram resultados positivos.
DW África: Qual a posição do SINPROF sobre a suspensão do professor Diavava Bernardo?
Admar Jinguma (AJ): É caricato. Pessoas próximas das autoridades atiram-se contra o professor e suspenderam-no. Ao mesmo tempo, as carteiras que faltavam na escola já chegaram à escola 5108, no município de Viana.
DW África: Ou seja, depois da manifestação, as autoridades responderam às exigências do professor e colocaram carteiras nas escolas…
AJ: Nem sequer podemos falar de uma exigência do professor. É uma exigência dos alunos! Até porque o professor passa a maior parte do tempo em que está a dar aulas em pé. Quem precisa de se sentar são os alunos!
Mas a escola, de facto, já recebeu as carteiras. E são carteiras novas! Pergunto: onde andavam aquelas carteiras? Elas não foram compradas agora. Onde estavam aquelas carteiras que pertenciam àquela escola e a outras escolas de Luanda? Ainda bem que estamos a falar de um exemplo em Luanda, porque isto levanta a questão de como estará a situação noutras zonas do país. O certo é que há inúmeras escolas no país que estão a precisar de carteiras. Então, afirmo: É necessário um professor mobilizar 300 alunos para marcharem em direção à Administração Municipal de Viana para exigir carteiras. As carteiras deveriam estar lá, na escola, desde o início do ano letivo ou desde o momento em que a escola foi construída.
Portanto, estamos do lado do nosso colega, estamos a apoiá-lo. A sua suspensão é absurda!
DW África: A suspensão é por um período indeterminado? Ele não pode dar mais aulas?
AJ: Não há razões para que o professor seja banido. Afinal, o professor não cometeu crime nenhum. Nós estamos a acompanhar de perto esta situação, para que o professor possa continuar a desenvolver o seu trabalho de forma normal. Essa suspensão é uma suspensão absurda. Não é uma suspensão decidida pela direção da escola. O professor, quando regressou à sua escola, foi recebido em apoteose, inclusive pelos seus alunos, que estão ao lado do seu professor. Há quem tente minimizar isso, pelo facto de serem crianças…
DW África: De quem é a suspensão, se não é da direção da escola?
AJ: O que o professor nos disse é que ele foi chamado primeiro pelo subdiretor pedagógico e, depois, pelo próprio diretor da sua escola. Estes disseram-lhe que ele não podia regressar à sala de aulas sem antes responder à Inspeção de Educação nr. 5 de Viana. Isso não faz sentido. O professor está, neste momento, a responder a um processo disciplinar. Como é que se pode impor um processo disciplinar sobre alguém que está a lutar por uma causa nobre, que até beneficiou a escola, e quando a própria direção da escola está contente com o resultado dessa luta?
DW África: Há, no entanto, quem acuse o professor de usar as crianças para protestarem nas ruas de Angola, sem para isso ter obtido a autorização dos encarregados de educação…
AJ: Nós temos um Estado que se diz de Direito democrático. Mas, na prática, as pessoas não têm esses direitos na cabeça, se calhar porque as escolas não ensinaram as pessoas a pensar pela própria cabeça. Uma das funções da escola é ensinar às crianças que elas têm direitos e que esses direitos devem ser usados, e que, sempre que as leis não estejam a ser cumpridas, as pessoas devem usar os mecanismos que a própria lei estabelece, para reivindicar. É o que aquelas crianças fizeram. Não há crime nenhum!
DW África: Mas não havia necessidade de pedir autorização aos pais?
AJ: Eu não vejo essa necessidade. Quem são os principais beneficiários da ação de protesto? São as próprias crianças. As cadeiras chegaram à escola, porque as crianças fizeram ouvir a sua voz. As pessoas aqui neste país têm tanto medo do poder, que uma simples manifestação já é considerada uma ameaça ao poder. Eu não estou a ver que tipo de perigo aquelas crianças podem constituir para um sistema tão poderoso como o angolano, um sistema que demonstrou esse mesmo poder recentemente, aquando da tomada de posse do Presidente João Lourenço.