Dívidas Ocultas: Privinvest autorizada a notificar Nyusi
António Cascais
2 de junho de 2021
Em entrevista à DW, Paula Monjane, do FMO, afirma que o Presidente deve esclarecer o povo moçambicano se recebeu ou não pagamentos da Privinvest. A PGR já sabe da autorização do Tribunal de Londres para notificar Nyusi.
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Na passada sexta-feira (21.05), soube-se que o grupo naval Privinvest foi autorizado por um tribunal britânico a notificar o Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, no âmbito do processo das "Dívidas Ocultas", a decorrer em Londres. O grupo Privinvest afirma que o próprio Filipe Nyusi terá recebido pagamentos - que a empresa considera legítimos - quando ainda era o ministro da Defesa de Moçambique.
Em entrevista à DW sobre o tema, Paula Monjane, que faz parte do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), uma plataforma de organizações da sociedade civil interessadas na área de gestão de finanças públicas, e que tem vindo a acompanhar o processo das Dívidas Ocultas, afirma que Filipe Nyusi deve esclarecer o povo moçambicano sobre se recebeu ou não estes pagamentos.
DW África:O facto do Chefe de Estado moçambicano poder vir a ser notiicado é um grande embaraço para Filipe Nyusi?
Paula Monjane (PM): É claramente, desde logo porque o assunto das Dívidas Ocultas tem vindo a mexer com a sociedade moçambicana desde a sua descoberta e todo o processo que o governo esteve envolvido com vista a clarificar o problema torna a situação complexa porque é a segunda vez que ouvimos o nome do Presidente neste processo.
DW África:Perante esta possível notificação do Presidente moçambicano do tribunal em Londres, como é que Filipe Nyusi deveria reagir agora?
PM: O Presidente tem que vir clarificar e dar uma justificação aos moçambicanos sobre o que é que isto quer dizer, principalmente num contexto de crise. Sabemos todos que as Dívidas Ocultas resultaram, tanto numa crise económica e social [no país], mas também numa crise que até hoje não está devidamente explicada, e os processos não estão ainda terminados. Mas o nosso foco principal é que o Presidente tem o dever de vir junto dos moçambicanos explicar esta situação e penso que nós, como moçambicanos, estamos à espera que isso aconteça.
DW África:A Procuradoria-Geral de Moçambique iniciou este caso na justiça britânica em 2019 para pedir uma indemnização que cubra todas as perdas resultantes do escândalo das Dívidas Ocultas, portanto é o próprio Estado moçambicano que deveria estar interessado em esclarecer todas das dúvidas neste processo...
PM: Na nossa opinião, como FMO, sim. Estamos cada vez mais preocupados. A notificação não significa culpa, mas sugere que há um esclarecimento e há uma necessidade de clarificação melhor desse processo.
DW África:Tem denotado alguma tendência por parte da Procuradoria de ilibar o Chefe de Estado e o próprio partido no poder – FRELIMO – de todas as acusações?
PM: Nos julgamentos realizados, portanto, nos Estados Unidos, principalmente ligado ao Jean Boustani, tanto o partido no poder - FRELIMO -, como o Presidente da República, foram citados como pessoas que terão recebido compensações, naturalmente ilícitas, em relação a este processo. Contudo, a PGR nunca tocou ou explorou [o envolvimento destas pessoas], ou pelo menos se explora não veio a público falar do caso. E nós, como organizações da sociedade civil, estamos interessadas em perceber até que ponto, tanto o partido no poder, como o Presidente, podiam estar implicados e queríamos que dessem uma explicação muito clara sobre esse aspeto.
DW África:E acha possível e desejável que a Procuradoria-Geral abra um processo em Moçambique para esclarecer se, de facto, foram feitos pagamentos por parte da Privinvest e de outras empresas ao próprio Presidente da República Filipe Nyusi?
PM: Eu penso que todo este processo devia ser feito de uma forma mais clara e aberta, portanto, com um julgamento isento. Para nós, moçambicanos, seria de extrema importância num caso destes, mas temos de contar e jogar e cruzar com as possibilidades de que os julgamentos estão a acontecer fora.
DW África: O Presidente da República não vai comparecer no processo das Dívidas Ocultas em Londres, uma vez que goza de imunidade, certo?
PM: A nossa perceção é que esteé um processo cível e neste caso ele pode ser notificado, mas não é obrigado a comparecer. Num contexto em que é Presidente, não sabemos qual vai ser a decisão, provavelmente não irá aparecer, mas mais importante, volto a frisar, é termos como moçambicanos já uma explicação imediata do que é que se está a passar e porque é que um Presidente é notificado para este caso e no passado foi também indicado da mesma forma por pessoas da mesma empresa.
*Artigo atualizado no dia 02.06.2021
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)