70% das áreas protegidas de África afetadas pela guerra
Lusa | as
17 de janeiro de 2018
Há décadas, a guerra tem sido um fator consistente no declínio de grandes mamíferos nas áreas protegidas em África, mas a extinção destes animais raramente aconteceu e a recuperação é possível, diz estudo.
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Um estudo publicado na Revista Nature, aponta que mais de 70% das áreas protegidas de África foram afetadas pelos conflitos armados entre 1946 e 2010, quando às guerras pelas independências se sucederam muitas vezes lutas de poder pós-coloniais.
Segundo a agência Lusa, o trabalho feito por Joshua Daskin e Robert Pringle, especialistas em ecologia e biologia evolutiva da Universidade de Princeton, Estados Unidos, surgiu no seguimento de uma visita que os dois fizeram ao Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, em 2012.
Gorongosa, conforme a Lusa, era nos anos 1970 considerado dos mais belos parques naturais de África, com uma densa vida selvagem, mas a guerra civil levou ao extermínio de mais de 90% dos animais. Desde 2004 que o Parque está a recuperar, graças a uma parceria entre o Governo de Moçambique e o norte-americano Greg Carr, através da Fundação Carr/Gorongosa Restoration Project.
"Declínio dos mamíferos”Na visita à Gorongosa, os autores da investigação, Joshua Daskin e Robert Pringle, questionaram-se se os animais teriam em outros locais a mesma capacidade de repovoamento ou se a guerra seria uma pressão humana que a maioria dos animais não conseguiria suportar.
Após anos a examinar os conflitos em áreas protegidas de África os dois investigadores concluíram que a guerra leva ao declínio dos mamíferos, e que as populações estáveis em áreas tranquilas bastava apenas um pequeno aumento do conflito para entrarem em espiral recessiva. Mas concluíram também que essas populações da vida selvagem raramente colapsaram de forma irreversível.
Animais "dizimados" pelo combateSegundo relata a Lusa, o estudo, apoiado pela Fundação Nacional da Ciência, uma agência governamental dos Estados Unidos, e pelo Instituto do Ambiente de Princeton, concluiu ainda que animais como elefantes, hipopótamos ou girafas foram dizimados pelos combatentes e por pessoas que os caçavam pela carne ou para produtos, como o marfim. Mas, que mesmo as áreas mais afetadas, continuaram a ser promissoras nos esforços de conservação e reabilitação.
"Esperamos que os nossos dados e conclusões ajudem no esforço de priorizar essas regiões para a atenção e financiamento dos governos e das organizações não governamentais", disse Daskin um dos autores do estudo.
Daskin acrescenta ainda que: "Estamos a mostrar indícios de que apesar de as populações de mamíferos diminuirem em zonas de guerra elas não se extinguem. Com políticas corretas e recursos podem muitas vezes recuperar e restaurar os ecossistemas, mesmo em zonas historicamente propensas a conflitos".
Os autores do estudo apontam também que os conflitos frequentes levam a redução das populações de grandes animais como nenhum outro fator. Mas, asseguram que a exploração de minas, o desenvolvimento urbano, a corrupção, a seca ou a intensidade do conflito (mais ou menos mortes de pessoas) não têm um efeito tão grande nas trajetórias da vida selvagem como a guerra.
Parque Nacional da Gorongosa: uma história de sucesso
Depois de dizimado com a guerra civil moçambicana, muitos desistiram de recuperar a vida sevagem do parque. Mas uma fundação apostou na recuperação. O maior parque de vida selvagem do país é hoje exemplo de prosperidade.
Foto: Gorongosa National Park/Clive Dreyer
Só, nunca mais
O Parque Nacional da Gorongosa tem uma história turbulenta. Até há uns anos, este leão poderia sentir-se solitário, mas entretanto a população de leões cresceu. Hoje o parque tem uma área de mais de 4.000 quilómetros quadrados, com uma zona tampão adicional de 3.300 quilómetros quadrados. Uma relíquia num país de 25 milhões de habitantes.
Foto: Gorongosa National Park/Ticky Rosa
Paisagem de perder de vista
O parque está localizado no extremo sul do Grande Vale do Rift, que vai desde a Etiópia, Quénia e Tanzânia, antes de terminar em Moçambique. Esta característica geológica única cria um enorme vale cercado de planaltos. No geral, cerca de dois terços do vale são constituídos por savana, 20% são pastagens e o restante é área de floresta.
Foto: Gorongosa National Park/James Byrne
Memória de elefante
Embora parte da área do parque tenha sido reservada para zona privada de caça, em 1920, as autoridades coloniais portuguesas criaram o parque nacional até 1960. Depois da guerra de libertação, Moçambique tornou-se independente em 1975. Seguiu-se a guerra civil que terminou em 1992. Alguns elefantes mais velhos estão ainda traumatizados pelo conflito.
Foto: Gorongosa National Park/Jean Paul Vermeulen
Dias sombrios do parque
Em 1977, dois anos depois da independência, Moçambique mergulhou numa violenta guerra civil. O parque foi duramente afetado. A Resistência Nacional Moçambicana instalou o seu comando central numa zona do parque. As duas partes em conflito dizimaram animais para alimentação e tráfico de marfim, para financiar a guerra. Em 1983, o parque foi encerrado e abandonado.
Foto: Gorongosa National Park/Jean Paul Vermeulen
O regresso a casa
Depois da guerra civil ter terminado em 1992, o parque permaneceu fechado. Estima-se que entre 90% e 95% da vida selvagem do parque se tenha perdido. Dados daquela altura apontam para apenas 15 búfalos, 5 zebras, 6 leões, 100 hipopótamos e 300 elefantes. Os primeiros animais a regressar foram aves. Hoje, o parque alberga mais de 400 espécies.
Foto: Gorongosa National Park/Piotr Naskrecki
Clima especial para circunstâncias especiais
Devido à sua topografia, o parque tem vários microclimas e um ciclo anual de estações húmidas e secas, o que contribui para a sua diversidade.
Num esforço para revitalizar o parque, foram contratados novos funcionários, em 1994, com o apoio do Banco Africano de Desenvolvimento e da União Europeia. Lentamente, o espaço estava a recuperar, mas às vezes a natureza precisa de uma mão amiga.
Foto: Gorongosa National Park/Paul Kerrison
Esforços de todas as partes
Em 2004, a Fundação Carr, com sede nos Estados Unidos, aliou-se ao Governo de Moçambique num projeto para reconstruir o parque e reintroduzir animais. Um esforço para restaurar vida selvagem devastada. Este projeto piloto teve tanto sucesso que em 2008 a fundação e seu fundador, Gregory Carr, concordaram em continuar a recuperar o parque, acordando numa gestão conjunta por mais 20 anos.
Foto: Gorongosa National Park/Piotr Naskrecki
Um verdadeiro final feliz
O Parque Nacional da Gorongosa passou por várias etapas: de reserva de caça privada, a parque nacional e campo de batalha antes de voltar a ser um parque nacional. Nos últimos anos, muitos milhões foram investidos no parque e nas comunidades locais. É a prova viva que a vida selvagem pode renascer das cinzas - com paciência, muita força de vontade e dinheiro.