A PGR portuguesa e a sua congénere angolana estão a cooperar para os procedimentos administrativos que poderão conduzir ao congelamento de ativos suspeitos de corrupção em Portugal. Mas há dificuldades a vista.
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Esta operação, cujos detalhes ainda não são revelados pelo Ministério Público português, está em curso no âmbito dos esforços do Executivo de João Lourenço para fazer regressar os capitais exportados de Angola para o exterior de forma ilícita. Entretanto, de acordo com Karina Carvalho, diretora-geral da Transparência e Integridade - Associação Cívica (TIAC), "não basta apenas vontade política" para combater a corrupção e recuperar o capital que Angola tem no estrangeiro.
Para já, ainda é muito difícil saber qual o montante global do capital angolano colocado em Portugal por altas figuras ligadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Muitos destes capitais foram canalizados para o exterior através de off-shores. A questão que se coloca é se será possível repatriar os ativos suspeitos que Angola tem concretamente em Portugal.
Karina Carvalho acredita que isso é possível, na base de acordos de cooperação internacional entre os dois países, nomeadamente entre as autoridades tributárias, os órgãos judiciais e a polícia de investigação criminal.
"Aquilo que se sabe é que, nas situações em que há suspeita de esses capitais foram obtidos ou de forma ilegal ou foram retirados do país também de forma ilegal, a expetativa é que as autoridades de ambos os países cooperem no sentido de garantir que esses capitais sejam devolvidos ao seu dono legítimo. Neste caso será o Estado angolano", explica.
Imóveis e dinheiro
Os ativos angolanos em Portugal traduzem-se em imóveis de luxo e avultadas somas em dinheiro depositadas na banca portuguesa em nome de elementos da elite que governava em Angola no tempo do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.
"A questão dos imóveis é um pouco mais complicada", diz Karina Carvalho, que explica que não é fácil identificar "o beneficiário efetivo". "Ou seja, saber quem são os legítimos donos dos fundos, os legítimos donos dos imóveis", explica.
A diretora-geral da TIAC lembra que, em Portugal, depois de uma nova diretiva europeia contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, foi ampliado o acesso a informações sobre os beneficiários efetivos. É desejo da associação que esse registo seja público, de modo a permitir o conhecimento dos verdadeiros donos legítimos dos fundos e dos imóveis, considerados património.
No entanto, segundo Karina Carvalho, a recuperação de ativos é um processo que demora muito tempo. "É preciso mecanismos às vezes muito sofisticados. As políticas também têm que ser muito bem dotadas de instrumentos que lhes permitam verificar na prática como é que esses fundos foram obtidos, que esteja um passo à frente até daqueles que ganham a branquear capitais".
Neste contexto, a colaboração entre as autoridades policiais e de investigação dos dois países é fundamental. Segundo a diretora da TIAC, é preciso também que essa cooperação se faça ao nível da capacitação os meios judiciais, das polícias, das perícias, dos equipamentos técnicos, "porque isso é absolutamente fundamental para se conseguir recuperar ativos que foram obtidos ilegalmente ou tirados do país ilegalmente".
Nova direção
Na sexta-feira passada (12.10), o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, deu posse à nova Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, que, entre outros, herda os processos sobre Angola.
Contatado pela DW, que solicitou informação sobre as ações em curso em cooperação com a sua congénere angolana, o gabinete de imprensa da PGR portuguesa respondeu por e-mail com uma frase lacónica, referindo que "as relações entre os Ministérios Públicos de Portugal e de Angola desenvolvem-se no espírito de mútua colaboração e no quadro da cooperação judiciária internacional, no integral respeito das Convenções e Acordos internacionais a que ambos os países se vincularam".
Para o jurista português Rui Verde, "é evidente" que se espera que as autoridades que têm como função defender a legalidade apliquem as convenções e tratados internacionais a que Portugal está vinculado. Mais uma vez, refere o professor de direito, "estamos perante um problema com contornos políticos que coloca Portugal numa posição difícil".
Rui Verde considera que "muitos daqueles que deveriam repatriar capitais para Angola foram investigados pelo DCIAP e viram os seus processos arquivados em nome das boas relações com Luanda". "Agora, em nome das mesmas boas relações", reforça o jurista, "o mesmo DCIAP provavelmente ver-se-á obrigado a abrir esses processos para incentivar o repatriamento".
Relações
A cooperação entre os dois países nesta matéria foi reforçada na recente visita a Angola do primeiro-ministro português, António Costa, lembra Eugénio Almeida, investigador do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE). E, acrescenta, será também tema na agenda do Presidente angolano, João Lourenço, durante a visita que efetuará a Portugal em novembro próximo.
Como recuperar ativos suspeitos de angolanos em Portugal?
O analista luso-angolano considera, entretanto, que "grande parte desses fundos estão detidos por pessoas como eu, que têm a dupla nacionalidade. E, portanto, se convenientemente quiserem usar a nacionalidade portuguesa para salvaguardarem os seus ativos, sejam eles físicos, mobiliários, ou fundos como capitais, como depósitos, é evidente que não terão problemas nenhum em fazê-lo. Aí Angola fica um bocadinho atada quanto à possibilidade de repatriamento desses diversos tipos de ativos".
"O que está em causa é detectar onde é que acaba a licitude e onde é que começa a ilicitude das transferências, como é que os fundos muitas vezes vieram ou não vieram, se foram; se foram obtidos já fora ou se vieram através de transferências de fundos de Angola para o exterior", adianta o investigador, que diz que "tudo isso tem que ser avaliado e coordenado a nível do topo, porque aí as coisas vão ter que ser devidamente tratadas".
Sancionar os corruptos
Após a votação pública dos 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção", a ONG Transparência Internacional selecionou e anunciou esta quarta-feira (10.02) os 9 casos que passaram para a "Fase de Sanção Social".
Foto: picture alliance / AP Photo
Isabel dos Santos
Depois da votação pública dos 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção" da Transparência Internacional, 9 casos foram destacados pela organização. A filha mais velha do Presidente angolano não faz parte, apesar dos 1418 votos. Segundo a TI, a seleção dos 9 foi baseada não só nos votos, mas também no impacto nos direitos humanos e na necessidade de destacar o lado menos visível da corrupção.
Foto: Nélio dos Santos
Teodoro Nguema Obiang
Conhecido pelo seu estilo de vida luxuoso, o filho do Presidente da Guiné Equatorial é, desde 2012, o segundo Vice-Presidente da República. A Guiné Equatorial é o país mais rico de África, per capita, apesar do Banco Mundial alegar que mais de 75% da população vive na pobreza. Teodoro somou apenas 82 votos e - como Isabel dos Santos - não foi nomeado para a fase de sanção social.
Foto: DW/R. Graça
Banco Espírito Santo
As suspeitas de corrupção do BES (Banco Espírito Santo) começaram quando o grupo financeiro português entrou em bancarrota em 2014. Foram descobertas fortes evidências de corrupção, fraude e lavagem de dinheiro. Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, já esteve preso e foi recentemente libertado sob fiança. O BES somou 193 votos e também não passou aos 9 maiores casos de grande corrupção do mundo.
Foto: DW/J. Carlos
Mohamed Hosni Mubarak
Presidente do Egito entre 1981 e 2011, Mohamed Hosni Mubarak somou 207 votos e encontra-se agora preso. Mesmo assim, não aparece na lista dos casos de grande corrupção que a Transparência Internacional quer sancionar socialmente. Também o comércio de jade do Myanmar e a China Communication Construction Company ficaram de fora com 47 e 43 votos, respetivamente.
Foto: picture-alliance/AP
Transparência Internacional
"Unmask the Corrupt" é um projeto da Transparência Internacional que após receber 383 submissões, nomeou os 15 casos mais simbólicos de corrupção. Após receberem mais de 170 mil votos, reduziram os 15 para 9 casos. A Transparency International quer promover uma campanha mundial para aplicar sanções sociais e políticas nestes exemplos de corrupção. A DW África mostra-lhe os 9 casos nomeados.
Estado americano de Delaware
O Estado norte-americano de Delaware está entre os 9 casos mais simbólicos de corrupção. O jornal The New York Times chegou mesmo a apelidar o Estado como "paraíso fiscal corporativo" pela possibilidades que oferece às empresas. Somou 107 votos. "Está na hora da justiça e das pessoas mostrarem o poder das multidões", afirmou em comunicado de imprensa José Ugaz da Transparência Internacional.
Foto: Getty Images/M. Makela
Zine al-Abidine Ben Ali
Com 152 votos está o ex-Presidente da Tunísia, que governou entre 1987 e 2011. É acusado de roubar mais de dois mil milhões de euros à população tunisina e de beneficiar amigos e companheiros a escapar à justiça. É conhecido pelo seu estilo de vida extravagante e saiu do Governo em 2011, na sequência de protestos nas ruas da Tunísia conhecidos como a Revolução de Jasmim ou Primavera Árabe.
Foto: picture-alliance/dpa
Fundação Akhmad Kadyrov
A Fundação Akhmad Kadyrov tem como fim o desenvolvimento social e económico da Chechénia. Mas é acusada de gastar as verbas a entreter e oferecer presentes a estrelas de Hollywood e para o benefício de Ramzan Kadyrov (na foto), presidente da região russa da Chechénia e filho do falecido Akhmad Kadyrov. Segundo a TI, Ramzan Kadyrov usou as verbas para comprar jogadores de futebol. Reuniu 194 votos.
Foto: imago/ITAR-TASS/Y. Afonina
Sistema político do Líbano
Com 606 votos, o sistema político no Líbano, nomeadamante o Governo, as autoridades e as instituições, encontram-se também na lista da Transparência Internacional. Segundo a filial libanesa da TI, a corrupção encontra-se em todos setores sociais e governamentais, existindo "uma cultura de corrupção" no país. Considera o Líbano um país "muito fraco" em termos de integridade.
Foto: picture-alliance/dpa
FIFA - Federação Internacional de Futebol
A Federação Internacional de Futebol, mais conhecida como FIFA, é acusada de ultrajar milhões de fãs. Os respoonsáveis pelos cargos mais elevados são acusados de roubar milhões de euros e estão a ser analisados 81 casos suspeitos de branqueamento de capitais um pouco por todo o mundo. Há suspeitas que várias eleições de países anfitriões de mundiais de futebol foram manipuladaa. Conta 1844 votos.
O senador da República Dominicana conta 9786 votações. Foi acusado de branqueamento de capitais, abuso de poder, prevaricação e enriquecimento ilícito no valor de vários milhões de dólares. Bautista já esteve em tribunal, mas nunca foi considerado culpado, o que originou vários protestos por parte da população dominicana.
Foto: unmaskthecorrupt.org
Ricardo Martinelli e companheiros
É ex-Presidente do Panamá e empresário. Ricardo Martinelli terminou com 10166 votos e possui atualmente uma rede de supermercados no país, entre outras empresas. Está envolvido numa polémica de espionagem política durante o seu mandato entre 2009 e 2014, utilizando alegadamente dinheiros públicos. Tem outras acusações em tribunal, incluindo vários crimes financeiros e subornos e perdões ilegais.
Foto: Getty Images/AFP/J. Ordone
Petrobras
A petrolífera Petrobras, empresa semi-estatal brasileira, ficou em segundo lugar com 11900 votos. As acusações de subornos, comissões e lavagens de dinheiro de mais de dois mil milhões de euros, conduziram, alegadamente, o Brasil a uma profunda crise política. O caso envolve mais de 50 políticos e 18 empresas. A população brasileira já protestou várias vezes nas ruas para exigir justiça.
Foto: picture alliance/CITYPRESS 24
Viktor Yanukovych
O ex-Presidente da Ucrânia foi o mais votado. Acumulou 13210 acusações e é acusado de "deixar escapar" milhões de ativos estatais em mãos privadas e de ter fugido para a Rússia antes de ser acusado de peculato. Yanukovych começou o seu mandato em 2010, foi reeleito em 2012 e cessou as suas funções no ano de 2014, quando foi destituído após vários protestos populares.