Moçambique: É realista erradicar trabalho infantil até 2025?
Bernardo Jequete (Manica)
2 de maio de 2022
O Governo moçambicano quer acabar por completo com todas as formas de trabalho infantil. Mais de dois milhões crianças exercem funções laborais, sobretudo na agricultura, caça e pesca. Executivo diz que há alternativas.
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O encarregado de educação António Rodrigues aponta a pobreza em Moçambique como um dos fenómenos por detrás do grande número de crianças vítimas do trabalho infantil.
"A pobreza que abraça as famílias faz com que as pessoas procurem meios de sobrevivência, considerando que o número grosso da população não tem idade necessária. Assim, as famílias põem os filhos à disposição do mercado como meio de sobrevivência", diz.
António Rodrigues defende que o Governo deve promover ações para apoiar a vida das crianças, criando creches, centros educacionais e internatos, para que os menores vulneráveis possam ser acolhidos nestes locais.
"Para sairmos dessa situação passa exatamente pelo empoderamento de quem de direito de promover ações que visam inverter a situação, criando reformas no âmbito social, subsidiar a vida das crianças", exemplifica.
Moçambique: Trabalho infantil persiste apesar da pandemia
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Pobreza e riscos acrescidos
Paula Sengo Timane, especialista em proteção à criança na ONG Save the Children, esclarece que o trabalho infantil submete as crianças a vários riscos, desde abusos sexuais, uniões prematuras e tráfico de menores, minando o seu progresso.
A especialista também aponta a pobreza como o veículo principal desta situação em Moçambique. "É preciso trabalhar a nível da estrutura familiar, onde damos capacidade para os pais, os cuidadores para estabelecerem um mecanismo de coordenação, relação e definir estratégias eficazes que não leva a um sistema violento", diz Timane.
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Criar alternativas através de projetos
A governadora de Manica reconhece que o trabalho infantil expõe as crianças à violência, ao consumo de drogas, ao assédio sexual e ao tráfico de pessoas. "Os casos mais agravantes do trabalho infantil estão relacionados à atividade de garimpo, onde as crianças são usadas como mão-de-obra fácil devido à sua estatura para aceder aos túneis", deu como exemplo Francisca Tomás.
Daí a necessidade de se erradicar essa prática no país. Para reverter este cenário, a governadora explica que o Conselho Executivo Provincial de Manica tem vindo a aprimorar as estratégias de empoderamento económico das famílias através de projetos de geração de renda, com a finalidade de potenciá-las.
"Reiteramos o nosso compromisso em continuar a trabalhar com todas as forças da sociedade visando o aprimoramento e fortalecimento das estratégias, apostando no diálogo social pois, só assim estaremos a passar da intenção à ação visando combater todas as piores formas de trabalho infantil na nossa província", frisou.
Governo quer erradicar prática
A ministra do Trabalho e Segurança Social de Moçambique, Margarida Talapa, ressalta que o trabalho infantil contribui para que milhares de crianças deixem de ir à escola e de ter seus direitos preservados. Por isso, o Governo pretende erradicar esta prática até 2025.
"O nosso Governo prioriza a educação e a formação da criança para que, no futuro, tenha um emprego digno e, dessa forma, possa contribuir para o seu bem-estar, e para o desenvolvimento socioeconómico do país", salienta a governante.
"O nosso Governo reconhece igualmente a importância da realização de atividades, por crianças abaixo da idade mínima legal, como forma de socialização e de aprendizagem preparando-as para a vida adulta, desde que tal trabalho seja realizado em respeito aos seus direitos, à sua condição de criança e sempre com o devido acompanhamento de uma pessoa adulta", disse ainda ministra.
A dirigente comprometeu-se em continuar a trabalhar com todas as forças da sociedade, visando o aprimoramento e fortalecimento das estratégias, apostando no diálogo social para combater todas as piores formas de trabalho infantil na província.
Moçambique: Os jovens carregadores de Manica
Carregar mercadorias à cabeça é uma profissão comum em Manica. O trabalho é pesado e implica competir com colegas e transportes de passageiros pelos clientes. Ainda assim, também há crianças entre os carregadores.
Foto: DW/B. Jequete
Usar a cabeça
Os carregadores transportam diversos tipos de mercadorias ou bagagem de um ponto para o outro, usando a cabeça como suporte. Este é o ganha-pão de muitos jovens moçambicanos, que assim conseguem garantir a sustentabilidade da família. Mesmo que a bagagem seja pesada, os carregadores não têm "mãos a medir".
Foto: DW/B. Jequete
Quando não há emprego
Na maioria, os carregadores são jovens escolarizados, mas fazem carga e descarga de produtos em viaturas, usando a cabeça para ganhar dinheiro. Há também chefes de família nesta profissão: os filhos frequentam a escola graças a esta atividade. Mas muitas pessoas evitam assumir-se como carregadores, por vergonha.
Foto: DW/B. Jequete
Amigos, amigos... Negócios à parte
Os carregadores são amigos, mas apenas de "trincheira". Quando acaba de chegar um camião contendo mercadoria para ser carregada, há muitas vezes troca de "mimos" na disputa pelo trabalho. Não são raros os empurrões para decidir quem ganha mais lotes para transportar: quanto maior for o número de mercadorias, maior será o valor recebido ao final do dia.
Foto: DW/B. Jequete
Carregadores VS Chapas
Também os transportes de passageiros ou chapas são vistos como adversários diretos dos carregadores. Os motoristas acabam por usar a parte de cima dos veículos como bagageira. "Nos últimos dias, não temos tido movimento, porque muitos são enganados pelos cobradores [de bilhetes dos chapas] para que as suas bagagens sejam levadas nos <i>minibuses</i>", diz um carregador ouvido pela DW em Manica.
Foto: DW/B. Jequete
Poupar no transporte
Algumas "mamanas", mulheres moçambicanas, recusam recorrer aos serviços dos carregadores. Percorrem longas distâncias com muito peso à cabeça, mas não desistem de o fazer para poupar dinheiro. Por vezes, os carregadores cobram valores que chegam quase à metade do preço do produto a ser transportado. "Não faz sentido mandar carregar, preferimos fazê-lo sozinhas", afirmam.
Foto: DW/B. Jequete
Descansar o pescoço
Elídio Morais, pai de três filhos, decidiu comprar uma bicicleta após cinco anos a carregar mercadorias à cabeça, numa altura em que já sentia que "o pescoço se atrofiava". Usa a bicicleta para fazer o mesmo trabalho e consegue alimentar a sua família. Encoraja os jovens que se envolvem na criminalidade alegando a falta de emprego a enveredar pela ocupação de carregador: "Há espaço para todos".
Foto: DW/B. Jequete
Trabalho infantil
No Mercado 38mm, o maior mercado grossista em Chimoio, há quem pague às crianças que por ali circulam em busca de produtos rejeitados para carregarem mercadorias. Nestes casos, é o proprietário da carga quem estipula o preço. Mas há quem "contrate" estas crianças a baixo custo. E muitas acabam por abandonar a escola. O peso excessivo das cargas é um risco nesta fase de desenvolvimento.
Foto: DW/B. Jequete
Carregar para estudar
Zacarias Fombe, de 16 anos, é carregador. Frequenta a 10ª classe e carrega mercadorias para pagar os estudos. Quer ser funcionário público e ajudar os irmãos a estudar. "Um dia estava a passear neste mercado e um senhor chamou-me para transportar a sua bagagem. Vi que o meu problema seria resolvido com esta atividade", conta.
Foto: DW/B. Jequete
Pagar para carregar: um desperdício?
Joelma Banda, acompanhada pela irmã, conta à DW que está na fase inicial do seu negócio e, por isso, opta por carregar sozinha o produto. Pagar a um carregador é um desperdício: o valor cobrado pode ser usado para investir no seu negócio ou comprar comida para casa. Quando o negócio aumentar, diz Joelma, já poderá contratar carregadores.
Foto: DW/B. Jequete
A alma do negócio
Abrãao Fazbem, de 18 anos, foi carregador. Mas não por muito tempo. Entrou na atividade com o intuito de ganhar dinheiro para começar o seu próprio negócio. "Fi-lo durante alguns meses. Quando consegui juntar um valor, deixei e parti para o mundo do negócio. Vendo sacos de plástico e temperos", conta o jovem. De manhã, trabalha no mercado, à tarde vai à escola.
Foto: DW/B. Jequete
De carregador para "tchoveiro"
Os "tchovas", carrinhos de mão de tração humana, mudaram a vida de alguns carregadores. Mas os velhos hábitos mantêm-se: quando a carga é pouca, os "tchoveiros" ainda usam a cabeça. Estes e outros veículos são competição direta para os carregadores. Em Manica, cidadãos com viatura própria aproveitam para passar no mercado a caminho do trabalho para carregarem produtos e ganharem um dinheiro extra.
Foto: DW/B. Jequete
As vantagens dos carrinhos de mão
Por vezes, a carga é muita e os carregadores recusam transportar a mercadoria. É aqui
que entram em ação os "tchovas" - um serviço mais caro, mas, ainda assim, mais barato do que alugar uma carrinha. Os carrinhos de mão são os mais solicitados pelos agentes económicos para fazer o transporte dos produtos do mercado grossista para as suas lojas.