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Porque não se fala sobre os direitos humanos no Egito?

Cathrin Schaer
2 de julho de 2023

Dez anos após o golpe de Estado no Egito, ativistas questionam as razões da comunidade internacional falar sobre a crise económica no país e ignorar os direitos humanos. O que explica este silêncio?

O Egito deteve entre 60 e 65 mil presos políticos desde que o atual Governo assumiu o poder em 2013Foto: Riccardo Antimiani/ANSA/picture alliance

Assinala-se, esta segunda-feira (03.07), uma década desde o golpe de Estado que deu origem ao atual governo do Egito. A 3 de julho de 2013, os militares egípcios destituíram do poder o primeiro Presidente democraticamente eleito no país e instauraram um governo provisório.

Na altura, com o país a atravessar uma grave crise política e económica, um general de topo do exército egípcio, Abdel-Fattah al-Sissi, explicava aos seus concidadãos que os militares haviam deposto o Presidente Mohamed Morsi porque este não tinha conseguido criar "um consenso nacional". Garantia ainda que os militares não tinham interesse em manter o poder político e facilitariam o regresso a um governo democrático.

Dez anos passaram e al-Sissi ainda está no poder. A qualidade de vida do cidadão comum egípcio está pior do que nunca. A economia está em crise, sobrecarregada com a dívida externa, com uma inflação crescente e com uma moeda que se desvalorizou quase para metade. Estima-se que um terço dos 105 milhões de egípcios viva na pobreza.

Para além disso, cada vez mais jornalistas independentes e ativistas anti-Governo têm sido perseguidos ou detidos.

Abdel-Fattah al-SissiFoto: Mandel Ngan/AP/picture alliance

O "think tank" norte-americano Freedom House classifica o Egito como um país "não livre" e que tem, nos últimos cinco anos, vindo a cair no seu ranking anual que avalia os parâmetros dos direitos políticos e liberdades individuais de cada país. O Egito caiu dos 26 pontos em 100 em 2018, para os 18 em 100 em 2023. Para efeitos de comparação, Marrocos obtém 37 pontos em 100, enquanto a Alemanha obtém 94.

O país tornou-se também líder mundial em matéria de pena de morte. E a nova legislação, incluindo uma lei que obriga as organizações não governamentais a registarem-se junto do Estado, reduziu ainda mais o espaço para a atuação da sociedade civil ou o ativismo.

Abordagem equilibrada precisa-se

Observadores ouvidos pela DW afirmam que, tanto os vizinhos regionais do Egito , como os aliados ocidentais, têm tido uma abordagem desequilibrada em relação a estas questões. Isto porque abordam regularmente os problemas económicos do país, deixando de lado o seu historial em matéria de direitos humanos.

No início de 2022, mais de 170 deputados de vários parlamentos europeus escreveram uma carta aberta aos seus próprios diplomatas e embaixadores no Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, pedindo a criação de um órgão especial para acompanhar a deterioração da situação dos direitos humanos no Egito. A carta foi enviada pouco antes da reunião anual do Conselho.

"Estamos extremamente preocupados com o fracasso persistente da comunidade internacional em tomar qualquer medida significativa para resolver a crise dos direitos humanos no Egito", escreveram os políticos. "Este fracasso, juntamente com o apoio continuado ao governo egípcio e a relutância em falar contra os abusos generalizados, só contribuiu para o aprofundar do sentimento de impunidade das autoridades egípcias".

Sanaa Seif, irmã de Abdel-Fattah, um dos presos políticos mais conhecidos do mundo árabeFoto: Kin Cheung/AP/picture alliance

Um ano mais tarde, pouco antes da reunião anual seguinte do Conselho, sete ONG de defesa dos direitos humanos publicaram outra carta aberta, abordando a questão.

Não houve "qualquer seguimento consequente (...) apesar da situação dos direitos humanos no Egito se ter deteriorado ainda mais", diz a carta, assinada por sete organizações, incluindo a Amnistia Internacional, a Human Rights Watch e a Repórteres Sem Fronteiras.

De visita à Alemanha no verão passado, Sanaa Seif, irmã de Abdel-Fattah, um dos presos políticos mais conhecidos do mundo árabe, queixou-se do mesmo.

"Não faz sentido quando vejo os políticos alemães a evitarem falar de direitos humanos", disse Seif à DW na altura. "É como se não quisessem ser ouvidos".

O que justifica este silêncio?

Para Timothy Kaldas, diretor-adjunto do Instituto Tahrir para a Política do Médio Oriente, há uma série de fatores.

Situado na intersecção entre a África, a Ásia e a Europa, o Egito tem uma localização estratégica muito importante e, dada a dimensão da sua população e do seu exército, tem sido frequentemente considerado uma potência regional importante. Como tal, tem sabido colocar diferentes aliados internacionais uns contra os outros.

"Quando o Egito é pressionado pelos Estados do Golfo, pode recorrer aos EUA e, quando é pressionado por estes, pode recorrer a França", explica Timothy Kaldas, que acrescenta:

"Isto surge frequentemente nas reuniões. Se formos às reuniões dos ministérios dos negócios estrangeiros ou em instituições financeiras internacionais e falarmos de condicionamentos [em matéria de direitos humanos], vai haver alguém a dizer: 'bem, e depois se eles forem para aquele outro sítio e nós perdermos o acesso?'”.

O Governo de al-Sissi levou a cabo "mega-projetos" que os críticos dizem ser desnecessários, como é o caso de uma nova capital fora do CairoFoto: Friedrich Stark/IMAGO

O Egito também tem sido hábil na construção de laços bilaterais através de grandes negócios de armas, explica Kaldas. Um relatório anual francês sobre a venda de armas, publicado no final de 2022, mostra que o país tem sido o principal importador de armas de França desde 2012. É também um dos maiores compradores de armas da Alemanha. O volume de exportações de armas para o Egito aumentou durante o governo de al-Sissi e transformou o país no terceiro maior importador de armas do mundo.

E as razões não se ficam por aqui. Apesar do autoritarismo de al-Sissi, o Egito é um país relativamente estável no Médio Oriente, especialmente quando comparado com a Síria ou o Iémen.

"Ou seja, é mais fácil justificar a injeção de dinheiro no Estado egípcio, na esperança de que este mantenha a estabilidade". Até porque, continua o diretor-adjunto do Instituto Tahrir para a Política do Médio Oriente, "o Egito tem 100 milhões de habitantes". Para uma Europa, incessantemente assombrada pelo espetro da migração ilegal e pela potencial reação política populista à mesma, "isso é muito importante", diz.

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Ainda assim, argumenta Timothy Kaldas e outros analistas, nenhuma destas razões desculpabiliza o silêncio sobre os direitos humanos no país.

"O problema é que, fundamentalmente, os Estados ocidentais não conseguem muitas vezes avaliar a falta de visão da sua abordagem. Não é tanto que estejam a obter estabilidade em troca de olharem para o lado em relação às violações dos direitos humanos. Na verdade, as violações dos direitos humanos estão a contribuir diretamente para a instabilidade económica do Egito. A crise económica no país deve-se ao facto de a estratégia [de al-Sissi] da última década ter sido a de utilizar o Estado de forma imprudente para financiar a sua consolidação do poder e a sua rede de clientelismo", diz o analista.

Mega-projetos

Um estudo recente do Instituto Alemão para os Assuntos Internacionais e de Segurança em África e no Médio Oriente, intitulado "Empréstimos ao Presidente", dava conta que "os fundos disponíveis não são canalizados para investimentos produtivos para o futuro, mas sim para projetos de infraestruturas economicamente questionáveis e servem, pelo menos indiretamente, para financiar a repressão policial".

O mesmo documento dava conta que foram os militares egípcios os que mais beneficiaram deste dinheiro, em grande parte proveniente de empréstimos estrangeiros.

"Este foi um fator decisivo para a consolidação do poder do Presidente al-Sissi", disse Stephan Roll, responsável pela investigação em África e no Médio Oriente. "Para [al-Sissi], a lealdade das forças armadas tem sido o pré-requisito mais importante para impor uma ampla repressão policial-estatal... Dezenas de milhares de presos políticos e um número dramático de sentenças de morte e execuções, mesmo para os padrões egípcios, são uma expressão deste desenvolvimento."

Tanto Stephan Roll como Timothy Kaldas sugerem uma solução semelhante: reconhecer as ligações entre o dinheiro que entra no Egito e as violações dos direitos humanos cometidas pelo Estado.

"Não cabe a uma potência externa forçar o Egito a tornar-se uma democracia", diz Kaldas. "Mas a tarefa é deixar de subsidiar a autocracia e facilitar a transformação do Egito numa ditadura".

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