Exames escolares em risco devido a confrontos em Moçambique
Bernardo Jequete (Chimoio)
21 de novembro de 2016
Confrontos entre forças governamentais e homens armados da RENAMO levaram ao encerramento de mais de meia centena de escolas no centro do país. Muitos comerciantes também fecharam as portas.
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Ao todo, 53 escolas foram encerradas por causa dos confrontos entre os homens armados da RENAMO, o maior partido da oposição, e as Forças de Defesa e Segurança, nos distritos de Báruè, Tambara, Mossorize e Manica.
Na província, 12 mil alunos estão em risco de falhar os exames finais, que começaram esta semana. A agravar a situação, um vendaval em Chimoio destruiu quatro escolas do ensino primário.
Os alunos temem pelo seu futuro. Falaram à DW África sob a condição de anonimato, com medo de represálias. "Nós estamos a pedir ao sector de Educação e Desenvolvimento Humano que procure formas de nos enquadrar. Não indo à escola e nem sendo submetidos aos exames finais que futuro teremos?", questiona um dos estudantes.
Pais apelam à paz e autoridades procuram alternativas
Os encarregados de educação também estão preocupados e lamentam que os seus educandos tenham perdido tantas aulas por causa dos confrontos. Também pediram para não serem identificados.
"Em nome de muitos pais e encarregados de educação, cujos filhos estão nesta situação, queremos implorar pela paz. Porque gastámos muito para essas crianças entrarem na escola até frequentarem a classe que cada um possui. Está a doer-nos muito, mesmo."
M M T/ 21.11.16 Exames - Manica - MP3-Mono
Para o diretor provincial da Educação e Desenvolvimento Humano, Estêvão Rupela, é preciso garantir que os alunos fazem os exames.
"Nós acreditamos que o conflito armado em algumas escolas, como, por exemplo, no distrito de Tambara, aconteceu há quase um mês, então esses alunos não podem ficar prejudicados”, sublinha.
O responsável garante que as autoridades estão "a fazer um trabalho de sensibilização e mobilização dessas crianças que estão nesta situação, de modo a transferi-las para escolas seguras onde possam realizar os exames de acordo com as competências adquiridas."
Segundo Estêvão Rupela, os alunos que estão em centros de acomodação farão os exames nesses centros.
Comerciantes fecham portas
Os exames finais arrancaram na segunda-feira (14.11.) à escala nacional. Na província de Manica, mais de 254 mil alunos da segunda, quinta, sétima, décima e décima segunda classes serão submetidos às provas. Os alunos insistem que é preciso que o Governo e RENAMO cheguem a acordo: "Pedimos ao presidente da República para conversar com o líder Dhlakama, para pôr fim aos confrontos. Nós queremos a paz em Moçambique."
Mas a paz tarda a chegar. Muitos comerciantes têm sido obrigados a fechar as portas, pelo menos temporariamente. Alguns estabelecimentos comerciais ficaram destruídos nos distritos de Báruè, Mossorize, Manica e Tambara em ataques de homens armados.
Segundo o diretor provincial da Indústria e Comércio em Manica, Ronaldo Pedro Naico, é difícil quantificar o número de estabelecimentos que encerram. "O comércio está sendo feito de forma ambulatória, não taxativo”, explica. "As pessoas fecham os estabelecimentos na altura dos confrontos e voltam a reabrir quando a região volta a estar calma. O que registámos no mês de junho era péssimo, mas, de lá para cá, o cenário melhorou bastante. Por isso, fica difícil avançar dados coerentes”.
Há cada vez mais deslocados no centro de Moçambique
Cerca de 6.000 pessoas estão alojadas em centenas de tendas distribuídas por quatro centros de acomodação do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INCG) nos distritos de Gondola, Vanduzi, Mossurize e Báruè.
Foto: DW/B. Jequete
Fugir à guerra
Mais de mil pessoas chegaram em setembro e outubro de 2016 ao novo centro de acolhimento de Vanduzi, na província de Manica, onde se avolumam as queixas. Fogem do conflito que opõe as forças governamentais aos homens armados da RENAMO, por medo de serem atingidas pelas hostilidades. Dezenas de cidadãos ficaram sem casa na sequência de incêncios provocados por grupos rebeldes.
Foto: DW/B. Jequete
Deslocados de todas as idades
As autoridades abriram o centro de acolhimento de Vanduzi recentemente face ao número crescente de ataques armados na região. Aqui, vivem adultos, idosos, jovens e crianças que foram obrigados a abandonar a escola. Feniasse Mateus está a faltar às aulas. "Viemos para aqui com a família, estou há um mês sem estudar", lamenta.
Foto: DW/B. Jequete
Sem água potável
Em Vanduzi, onde foi acolhida, Fátima Saíde queixa-se das fracas condições, nomeadamente pela inexistência de água potável. "Estamos a sofrer por causa da água, estamos a beber água suja, cheia de capim e de bichos. Têm-nos dado cloro para pormos na água e bebermos". Segundo esta deslocada, a água é retirada de furos tradicionais e charcos.
Foto: DW/B. Jequete
Risco de doenças
A falta de água própria para consumo a somar à falta de condições de higiene preocupa estes milhares de deslocados. Fátima Saíde, teme por exemplo, a eclosão de doenças como a cólera e os surtos de diarreia aguda. Por outro lado, a seca na região agrava as dificuldades.
Foto: DW/B. Jequete
Mais de uma centena de famílias deslocadas em Vanduzi
Os deslocados do novo centro de Vanduzi, criado no início de outubro inicialmente com 125 famílias, são provenientes de Nhamatema, Punguè Sul, Chiuala, Honde, Guta, Mucombedzi, Pina, cruzamento de Macossa, Mossurize, Dombe e Chemba, zonas críticas e agora despovoadas, onde são frequentes relatos de confrontos entre as forças governamentais e o braço armado do principal partido da oposição.
Foto: DW/B. Jequete
Uma fuga pela defesa e segurança
Joaquim Abril Jeque condena o clima de terror no centro do país que, na sua opinião, é culpa dos homens armados da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana). "Achámos conveniente fugir à procura de defesa", conta este deslocado. Segundo ele, as ameaças da RENAMO são constantes. "Ameaçam-nos com armas, matam os nossos animais, levam a nossa comida, agridem as nossas mulheres", exemplifica.
Foto: DW/B. Jequete
"Toneladas" de bens de apoio a caminho
Cremildo Quembo, porta-voz do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), diz que as autoridades estão a ajudar como podem as famílias deslocadas, em Vanduzi. "De salientar que este processo de assistência às famílias é contínuo e já estão a entrar toneladas [de bens de apoio] para todos os distritos afetados", garante o responsável.
Foto: DW/B. Jequete
Falta de espaço
Devido à insuficiência de tendas, duas ou mais famílias são obrigadas a conviver na mesma barraca de seis metros quadrados. Rostos tristes e lábios rasgados denunciam a pobreza e a fome. A maioria destes deslocados dependem apenas da distribuição de alimentos do INGC, que definem no entanto como "irregular".
Foto: DW/B. Jequete
Faltar à escola
Para além do trauma e do medo constante, a escalada do conflito interno em Moçambique terá outras consequências no futuro das crianças do centro do país. Chinaira José é uma de várias centenas de estudantes que ao serem obrigados a sair da sua zona de residência têm de faltar às aulas, pondo em risco a sua formação escolar.