Na Guiné-Bissau, o ano termina com novos e vários desafios para o país que vê partir o UNIOGBIS. Analistas defendem que diferentes atores guineenses assumam mais responsabilidades.
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Na Guiné-Bissau, o ano de 2020 ficará marcado pelo abandono de duas entidades internacionais que estavam no país para ajudar a construir e assegurar a paz e a estabilidade.
Muitos questionam a eficácia da estrutura da ONU num país que ainda dá sinais das fragilidades políticas e institucionais que vêm de há muito e, depois de mais de duas décadas de trabalho, não foram superadas.
Observadores temem que os problemas deste ano, marcado por disputas políticas e conturbadas eleições presidenciais que resultaram na mudança da governação, transfiram-se para 2021 e precisem ser superados sem o apoio do UNIOGBIS.
Mais responsabilidade para os guineenses
Mas, para o jornalista guineense, Bacar Camará, a missão política da ONU falhou e agora é a oportunidade de os guineenses promoverem o entendimento, através de um diálogo nacional.
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"A presença e a ausência do UNIOGBIS [na Guiné-Bissau] não têm grande significado, porque mesmo com a presença do UNIOGBIS no país, a Guiné-Bissau nunca conseguiu chegar à uma estabilidade efetiva. Foram atrocidades, assassinatos e golpes de Estado assinalados com a presença do UNIOGBIS", avalia.
"Entendo que, realmente, a ausência do UNIOGBIS vai permitir um diálogo nacional e maior entendimento entre os guineenses, porque, contrariamente, o UNIOGBIS só veio agravar o entendimento entre os guineenses", acrescenta.
Com o abandono do país pelo Gabinete Integrado da ONU para a Consolidação da Paz, a agenda da Guiné-Bissau é magna e a responsabilidade é dos diferentes atores, defende Armando Lona, jornalista e antigo membro da missão política da ONU na Guiné-Bissau.
"Coloca-se a grande questão, a responsabilidade dos guineenses, políticos e atores sociais, sobre a necessidade imperativa de construir a estabilidade política e institucional neste país. É uma agenda magna que o país tem tido a dificuldade de consolidar. Já se ensaiaram pactos de estabilidade, mas esses pactos nunca saíram do papel para a prática", afirma.
Desafios a enfrentar
Há uma convergência de opiniões sobre os desafios que esperam a Guiné-Bissau no ano 2021 e há problemas sociais para resolver. Entre 4 e 8 de janeiro, há uma greve geral convocada pela União Nacional dos Trabalhadores da Guiné (UNTG).
Para a diretora da ONG "Voz di Paz", Udé Fati, nem tudo pode ser resolvido, mas há aspectos a tomar em conta:
"Não vamos ter condições para resolver todos os problemas que a sociedade está a enfrentar neste momento, que são quase problemas estruturais. Mas é bom que, no ano 2021, sejam traçadas condições para que a economia possa sustentar o desenvolvimento do país e é muito importante trabalhar também na redução da desigualdade social", considera.
O ano 2021 vai constituir a "primeira etapa" do percurso da Guiné-Bissau sem a presença do UNIOGBIS, que foi instalado no país em 1999. Para Armando Lona, são vários os problemas que devem ser superados para o alcance da estabilidade.
"É o protagonismo partidário, cada partido luta em torno dos seus objetivos e, para além dos objetivos partidários, temos os objetivos dos grupos, objetivos individuais, e este país acaba por se colocar numa posição de vulnerabilidade crónica", afirma.
"Associada a esta vulnerabilidade, temos uma outra situação de disputas geopolíticas regionais. Temos facções políticas, cada uma a ter patrocínio de um país vizinho", refere.
Para superar os problemas sociais, Udé Fati elege o reforço da igualdade de género.
"É bom pensar em tornar a igualdade de género numa agenda pública, onde as mulheres terão tratamento que corrija as desigualdades judiciais. Que a lei da paridade seja vista não só no seu limite inferior de 36%, mas que seja entendido que é possível muito além disso, criar melhores condições para que as mulheres possam contribuir para o bem do país", conclui.
15 momentos que marcaram o "annus horribilis" de 2020
2020 ficará para sempre conhecido como o ano da pandemia de Covid-19. Entretanto, foi também marcado por momentos-chave a vários níveis - desde a morte de George Floyd, nos EUA, às manifestações em Angola.
Foto: Jacob King/REUTERS
Isabel dos Santos e o caso "Luanda Leaks"
Em janeiro, a empresária angolana foi constituída arguida por alegado desvio de fundos na petrolífera estatal Sonangol. Ao longo do ano, teve arrestadas as suas contas bancárias e participações da NOS em Portugal, testemunhou a nacionalização da sua parte na Efacec e, ainda, viu o hacker português Rui Pinto - fonte dos documentos que levaram ao "Luanda Leaks" - aguardar o julgamento em liberdade.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Metzel
Sissoco Embaló: Tomada de posse "simbólica"
Em fevereiro, Umaro Sissoco Embaló tomou posse como Presidente da Guiné-Bissau à revelia do Supremo Tribunal de Justiça. Estava ainda em curso um contencioso eleitoral interposto pelo opositor Domingos Simões Pereira, que apelidou a tomada de posse de "golpe de Estado". O novo Presidente demitiu o Governo liderado por Aristides Gomes, nomeando o novo Executivo do primeiro-ministro Nuno Nabiam.
Foto: DW/I. Dansó
OMS declara pandemia de Covid-19
Todos os PALOP entraram em estado de emergência depois da declaração da Organização Mundial da Saúde, em março. A pandemia levou ao adiamento de vários eventos mundiais, como os Jogos Olímpicos e o Campeonato Africano das Nações (CAN). Em abril, mais da metade da população mundial estava confinada em casa.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Gonchar
"I can't breathe": A morte de George Floyd
O afro-americano morreu em maio nos EUA, sufocado por um polícia que colocou o joelho sobre o seu pescoço durante durante 8 minutos e 46 segundos. A frase "I can't breathe" ("Não consigo respirar"), proferida por Floyd antes de morrer, tornou-se viral. A morte motivou protestos antirracismo em todo o mundo, levou à vandalização de estátuas coloniais e impulsionou o movimento Black Lives Matter.
Foto: Getty Images/S. Maturen
"Perseguição política" na Guiné-Bissau
Em maio, o deputado Marciano Indi foi sequestrado após ter expressado opiniões que terão desagradado ao Presidente guineense. O ano ficou também marcado pelo rapto e sequestro de vários ativistas, alegadamente por seguranças de Sissoco Embaló. A agitação política levou o ex-primeiro-ministro Aristides Gomes (na foto) a refugiar-se na sede da ONU em Bissau. Gomes fala em "perseguição política".
Foto: DW/B. Darame
Cabo Verde processado por violação dos direitos humanos
O empresário Alex Saab foi detido na ilha do Sal, em junho, mediante mandado de captura dos EUA, que o consideram um testa-de-ferro do Presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Saab denunciou ter sido torturado na prisão a mando dos EUA. Pela primeira vez, Cabo Verde foi processado por violar direitos humanos no seu território. Em dezembro, a CEDEAO ordenou a prisão domiciliária do colombiano.
Foto: Governo de Cabo Verde
Moção de censura contra Governo de STP
Em julho, o principal partido da oposição são-tomense, a Ação Democrática Independente (ADI), apresentou uma moção de censura contra o Governo do primeiro-ministro Jorge Bom Jesus. A gestão dos fundos contra a Covid-19 foi um dos motivos apresentados pela ADI, que acusou ainda o Executivo de agir com "práticas sistemáticas de ilegalidades". A moção foi rejeitada pelo Parlamento são-tomense.
Foto: DW/R. Graça
Tragédia em Beirute
Em agosto, uma explosão no porto de Beirute, provocada por 2,7 toneladas de nitrato de amónio, devastou grande parte da capital libanesa, provocando mais de 200 mortos e 6.500 feridos. A carga de amónio era uma encomenda da Fábrica de Explosivos de Moçambique e tinha como destino o porto da Beira. Contudo, o navio ficou retido em Beirute por ordem das autoridades locais e a carga foi substituída.
Foto: Getty Images/AFP/STR
"Zenu" condenado no caso "500 milhões"
O filho dos ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos, José Filomeno 'Zenu' dos Santos, foi condenado em agosto a cinco anos de prisão por crimes de burla e defraudação, peculato e tráfico de influências. Em causa está uma transferência irregular de 500 milhões de dólares do banco central angolano para a conta de uma empresa privada estrangeira sediada em Londres.
Foto: Grayling
Luta contra a corrupção continua em Angola
Ainda este ano, o empresário Carlos São Vicente ficou em prisão preventiva e o ex-ministro da Comunicação Social Manuel Rabelais (na foto) começou a ser julgado. Ambos são acusados de peculato e branqueamento de capitais. Por outro lado, Edeltrudes Costa, diretor de Gabinete do Presidente João Lourenço, não é alvo de qualquer processo, apesar de alegado envolvimento em escândalos de corrupção.
Foto: Imago/Xinhua
Incêndio na redação do Canal de Moçambique
O editor-executivo do semanário classificou o incêndio ocorrido em agosto nos escritórios do Canal de Moçambique como "atentado terrorista contra liberdade de expressão e de imprensa", acrescentando que "uns são raptados e outros são intimidados". Matias Guente refere-se, por exemplo, ao caso do jornalista Ibrahimo Mbaruco, desaparecido desde abril na província nortenha de Cabo Delgado.
Foto: Adriano Nuvunga/CDD
EI diz ter tomado porto de Mocímboa da Praia
A 11 de agosto, um grupo de homens armados anunciou a tomada do porto da vila de Mocímboa da Praia. O grupo extremista "Estado Islâmico" (EI) reivindicou o ataque. O número de deslocados da província nortenha de Cabo Delgado escalou exponenciamente. Em dezembro, o Governo moçambicano anunciou que pelo menos 560 mil cidadãos tiveram de fugir do conflito.
Foto: Getty Images/AFP/A. Barbier
Biden vence eleições norte-americanas
Novembro foi o mês em que Donald Trump sofreu a derrota nas presidenciais dos EUA. Mas o republicano queixou-se sucessivamente de fraude eleitoral, sem apresentar provas. A Casa Branca terá novos ocupantes: Joe Biden e Kamala Harris, a primeira mulher eleita vice-Presidente dos EUA. Filha de pai jamaicano e de mãe indiana, Harris será também a primeira mulher negra a ocupar o posto.
Foto: Andrew Harnik/Getty Images
Dia da Independência em Angola marcado por manifestações
O dia 11 de novembro foi o mais intenso das manifestações por melhores condições de vida e pela realização das primeiras eleições autárquicas em Angola. A polícia reprimiu o protesto violentamente. A morte do jovem manifestante Inocêncio Matos gerou indignação. Várias pessoas ficaram feridas, incluindo o ativista Nito Alves. Luaty Beirão e outros ativistas foram detidos.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Covid-19: A corrida da vacina
O Reino Unido foi o primeiro país a aprovar a vacina da Pfizer/BioNTech, aplicada pela primeira vez em dezembro. A primeira pessoa a receber a vacina contra a Covid-19 foi uma mulher britânica de 90 anos (na foto). O dia do arranque do programa de imunização foi apelidado de Dia-V, numa clara alusão ao Dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial.