2021 não foi um bom ano para a democracia em África
Daniel Pelz | af
27 de dezembro de 2021
Golpes militares, Covid-19 e eleições: a democracia em África esteve sob enorme pressão neste ano que está prestes a terminar. Também em 2022 há importantes testes pela frente, apesar de haver sinais positivos.
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Em 2021, a democracia africana passou por um forte teste. Foi marcada por golpes militares, mas também pela realização de eleições em condições adversas devido à pandemia de Covid-19.
Chade, Mali, Guiné Conacri, Sudão: há muito tempo que a África não assistia a quatro golpes de Estado num só ano. Nestes países o poder continua nas mãos dos golpistas.
Este cenário lembra os anos 70 e 80, em que eram frequentes golpes de Estado, mas com algumas particularidades, assinala Christopher Fomunyoh, diretor regional para a África Ocidental e Central no Instituto Nacional Democrático nos EUA.
"A boa notícia em relação aos golpes hoje em dia é que as pessoas já não estão dispostas a simplesmente aceitá-los ou a serem cúmplices dos golpistas", diz.
O exemplo do Sudão
O Sudão é disso exemplo. Dezenas de milhares de pessoas têm desafiado os golpistas, mas apesar das tentativas de repressão exercidas pelos militares, estes não arredam pé.
Sudão: protestos contra os militares continuam
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Recentemente conseguiram forçar a recondução ao poder o primeiro-ministro Abdullah Hamdok, que havia sido deposto pela junta militar no país.
Perante estes golpes militares, as organizações africanas também estão a agir mais duramente do que no passado, diz Julia Grauvogel do Instituto GIGA de Estudos Africanos.
"Um ponto importante tem sido a resposta relativamente consistente da organização regional, especialmente da União Africana (UA). O Sudão, por exemplo, foi suspenso após o golpe", considera.
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UA toma medidas
Mas a UA em 2021 nem sempre foi tão clara. Esteve em silêncio quando Yoweri Museveni, que governa Uganda há mais de três décadas, foi eleito para um sexto mandato em janeiro.
Dados oficiais indicam que o decano venceu as eleições com cerca de 58%, uma vitória fortemente contestada pela oposição.
"Foi a maior fraude eleitoral da história do Uganda", disse Bobi Wine, o principal opositor de Yoweri Museveni, numa entrevista à DW África.
Antes e durante as eleições, muitos dos seus apoiantes foram presos ou desapareceram em circunstâncias inexplicáveis. O próprio Bobi Wine foi colocado em prisão domiciliária após as eleições.
Líderes autocratas como Museveni conseguiram exercer facilmente o seu poder de fora em 2021 devido às medidas impostas contra a Covid-19.
"Os ativistas pró-democracia não podiam mobilizar-se ou trabalhar com parlamentos, partidos ou sociedade civil como podiam no passado. E os autocratas estão a utilizar estas medidas contra os adversários. A polícia do Uganda, por exemplo, terá reprimido de forma particularmente dura os apoiantes da oposição", lembra Christopher Fomunyoh.
Mesmo assim, Julia Grauvogel entende que muitas pessoas em África são contra os dirigentes autoritários. "Os povos do continente preferem a democracia a qualquer outra forma de governo. Isso significa que há um desejo muito forte de democracia", destaca.
A tese da especialista é suportada pelos protestos em massa em muitos países africanos, não apenas no Sudão.
Povo nas ruas
No Senegal, sobretudo os jovens saíram à rua sob o hashtag #FreeSenegal contra o chefe de Estado Macky Sall, cada vez mais autoritário.
Estudantes na linha da frente dos protestos em eSwatini
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Manifestações violentas também eclodiram em contra o rei autoritário Mswati III.
O político ugandês Bobi Wine, espera que os movimentos de protestos criem um precedente, porque "no Uganda e em muitas partes de África, os poderosos, o governo, limitam-se a enriquecer. Isto só vai parar se os jovens se levantarem contra e afirmarem os seus direitos não só verbalmente."
Desafios em 2022
Um novo ano está à porta e muitos analistas acreditam que em 2022 o continente africano continuará a viver um momento de teste para as suas democracias.
Mas o especialista Fomunyoh está otimista. "Acredito que os esforços combinados da vibrante sociedade civil africana, dos muitos jovens que querem ser melhor governados e dos esforços dos parceiros ocidentais ajudarão a consolidar a democracia em África em 2022", afirma.
Para a lusofonia africana é um ano de testes de ferro para a democracia angolana. O Presidente em exercício, João Lourenço, procura em 2022 um segundo mandato. E pela frente terá Adalberto Costa Júnior, suportado pela Frente Patriótica Unida, como forte opositor.
No país, muitos observadores estão ansiosos por ver quão livre e justa será esta corrida eleitoral.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.