Pelo menos 23 combatentes morreram em novos combates no nordeste da República Centro-africana entre dois grupos que tinham assinado um acordo de paz com o Governo, anunciou a missão das Nações Unidas no país.
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Os confrontos deste sábado (14.09) na localidade de Birao, perto da fronteira com o Sudão, envolveram elementos de dois grupos diferentes que já tinham combatido no princípio do mês, fazendo 20 mortos.
"Um capacete azul da MINUSCA (Missão das Nações Unidas para a República Centro-africana) também ficou ferido sem gravidade", afirmou à agência de notícias France Presse o porta-voz da missão, Vladimir Monteiro.
A calma voltou a Birao e não se registaram novos confrontos, mas "a situação continua tensa", afirmou Vladimir Monteiro.
Os confrontos opuseram membros da Frente Popular para o Renascimento da República Centro-Africana e do Movimento dos Libertadores Centro-africanos pela Justiça. Vários responsáveis humanitários mostram-se preocupados com o regresso dos confrontos entre os dois movimentos rebeldes. Os dois grupos lutam pelo controlo da fronteira por onde entram armas provenientes do Sudão – bens valiosos desde o embargo às armas imposto pelas Nações Unidas em 2016.
A RCA, um dos países mais pobres do continente, é palco de uma guerra civil desde que a Seleka, uma coligação de grupos armados, derrubou o regime do Presidente François Bozizé, em 2013. A 6 de fevereiro deste ano, o Governo e 14 grupos armados assinaram um acordo de paz em Cartum, com vista a pôr fim aos confrontos entre rebeldes e forças leais ao Governo, mas também entre grupos armados rivais, que controlam 70% do território.
Desde este acordo, a violência diminuiu de forma considerável, mas continuam a registar-se confrontos esporádicos, como em Birao, e alguns grupos armados atacam civis em algumas zonas do país.
A relativa calma levou, na terça-feira, ao levantamento parcial do embargo de armas imposto pela Organização das Nações Unidas em 2016, depois de um voto unânime no Conselho de Segurança que permite apenas o fornecimento de armas de calibre igual ou inferior a 14,5 milímetros, excluindo armas pesadas.
Sanções e desconfiança
Entretanto, para os habitantes de Birao, a violência de sábado agrava ainda mais uma situação já preocupante. "A cidade está completamente vazia", diz um funcionário humanitário que pede o anonimato, em declarações à AFP. Mais de 13 mil pessoas tinham já abandonado a região no início de dezembro, segundo a MINUSCA.
A pequena cidade de Birao, localizada no extremo oposto de Bangui, está ligada ao resto do mundo por estradas intransitáveis durante a época das chuvas. Desde 5 de setembro, a MINUSCA estabeleceu uma ponte aérea para fornecer ajuda médica e alimentar.
A 23 de agosto, a missão da ONU ameaçou sancionar as violações do Acordo de Cartum. Na quarta-feira, o Governo centro-africano pediu a implementação destas sanções. "Deve haver um preço concreto a pagar por aqueles que se opõem ao processo de paz", disse o porta-voz do Governo, Ange-Maxime Kazagui.
"O acordo de paz mantém-se", insistiu.
No entanto, os confrontos em Birao podem minar ainda mais a confiança entre os grupos armados e o Governo. Dois líderes rebeldes demitiram-se do Governo de coligação previsto no acordo de Cartum nas últimas semanas.
Fuga e sofrimento na República Centro-Africana
Desde o golpe de Estado, há um ano, a situação na República Centro-Africana está fora de controle. Aqueles que podem, fogem. Aqueles que permanecem, lutam todos os dias pela sobrevivência.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Refúgio no aeroporto de Bangui
Desde o golpe de Estado, há um ano, a situação na República Centro-Africana está fora de controle. Milícias cristãs e muçulmanas promovem amargos combates. Um milhão de pessoas estão em fuga. Quase todos os muçulmanos deixaram a capital, Bangui. Entre os que permaneceram, algumas centenas encontram abrigo num velho hangar do aeroporto.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Perder tudo
O marido de Jamal Ahmed tinha guardado dinheiro suficiente para a fuga de sua família, quando as milícias cristãs chamadas "Anti-Balaka" invadiram sua aldeia natal. As poucas economias não foram suficientes - ele pagou com a vida. Jamal Ahmed vive no acampamento que surgiu no aeroporto: "Não conheço ninguém aqui. Não tenho mais nada. Não sei como será daqui para a frente.”
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Ver os netos mais uma vez
Aos 84 anos, Fatu Abduleimann está entre os moradores de idade mais avançada do campo de refugiados do aeroporto. Nas últimas décadas, Fatu assistiu a muitas dificuldades em sua terra natal. Mas nunca foi tão ruim quanto agora, diz a idosa. Seu único consolo: a maioria dos seus filhos conseguiu fugir para o Chade. Seu maior desejo: "ver os meus netos mais uma vez."
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Quilómetro Cinco, uma cidade fantasma
Exceto o acampamento de refugiados no aeroporto, quase todos os muçulmanos deixaram a cidade. Há alguns meses, o chamado "Quilómetro Cinco" era um animado centro da comunidade muçulmana. Mais de 100.000 pessoas moravam e trabalhavam aqui, a cinco quilómetros do centro da capital, Bangui. Agora, restaram apenas algumas centenas de pessoas. As lojas estão fechadas até nova ordem.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Esperar o momento certo
Quase todos os muçulmanos que ainda restam no "Quilómetro Cinco" querem apenas uma coisa: sair daqui. Os caminhões para a fuga estão prontos. Eles esperam que um comboio tenha como destino os países vizinhos como os Camarões ou o Chade.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
A cidade de campos de refugiados
Não apenas os muçulmanos temem por suas vidas. Por toda a cidade de Bangui pode-se encontrar acampamentos provisórios em que a maioria da população, cristãos e animistas, procura proteção - por medo de um retorno das milícias islamistas ou simplesmente porque não têm o que comer - e espera por doações de alimentos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Ajuda sobrecarregada
O Pastor David Bendima recebeu, na sua igreja, mais de 40 mil pessoas que fugiram dos combates no centro da cidade. Mas ele também não pode garantir-lhes segurança suficiente. "Todas as noites ouvimos tiros e granadas explodindo. As pessoas estão com muito medo", diz o pastor. Ele parece cansado.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Últimas reservas
Chancella Damzousse, de 16 anos, vive em uma aldeia a meia hora de distância de Bangui. Ela prepara o jantar. "Tudo o que resta são alguns grãos de feijão e um pouco de gergelim", diz a jovem. 15 pessoas terão que se satisfazer com a refeição. Desde que milícias muçulmanas destruíram o lugar há alguns meses e mataram muitos cristãos, a família de Chancella recebeu vários vizinhos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Vítimas, autores, centinelas
Ao lado da casa de Chancella, há um guarda da milícia Anti-Balaka. Os amuletos em seu corpo o tornam invulnerável contra balas, explica ele. A milícia tomou o controle da região. Seu trabalho é proteger os moradores da aldeia do ataque de outros rebeldes. No entanto, a sua proteção aplica-se apenas aos cristãos - há muito tempo os muçulmanos deixaram o local ou foram mortos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Presença internacional
Sete mil soldados da União Africana e da França têm a responsabilidade de garantir a segurança no país dilacerado. A situação humanitária está piorando a cada dia, no entanto. Em 1 de abril, a União Europeia lançou oficialmente a sua operação militar na República Centro-Africana, com um contingente de até mil homens para reforçar as tropas francesas e africanas por um período de até seis meses.