O jovem Nito Alves não viveu o 27 de maio de 1977 em Angola, marcado por purgas e tortura, mas sublinha o significado que esse período conturbado tem para os angolanos. "Foi um genocídio", afirma em entrevista à DW.
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Quarenta anos depois, o 27 de maio de 1977 em Angola continua a ser um assunto tabu, mas é uma referência para jovens como Manuel Chivonde Baptista Nito Alves, um dos 17 ativistas condenados, em março de 2016, por atos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores.
Em entrevista à DW África, em Lisboa, o ativista angolano pede aos presumíveis responsáveis ainda vivos um pedido de perdão público pelos crimes cometidos naquele período negro da história de Angola, em que foram torturados e assassinados milhares de angolanos sem julgamento.
"Foi um genocídio. Não podemos ficar calados enquanto não houver uma cerimónia de clemência pública", defende o jovem. "Os dirigentes que cometeram assassinatos devem pedir perdão à nação e fazer um túmulo com as ossadas dos que foram mortos", afirma, sublinhando que ao "reconhecerem o genocídio que cometeram" seria possível ter "uma Angola completamente democrática".
Execuções e desaparecimentos
O ativista de 22 anos também lembra os amigos assassinados Alves Kamulingue e Isaías Cassule, que nunca mais foram vistos depois de 27 e 29 de maio de 2012, após terem participado numa vigília. Mortes que fazem lembrar as execuções e os desaparecimentos de milhares de pessoas em resposta à fracassada revolta de Nito Alves e José Van Dunem em 27 de maio de 1977.
A revolta nasceu no seio do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) contra a via seguida pelo então Presidente Agostinho Neto (1975-1979). Foi esse Nito Alves (sénior) da revolta dos anos 1970 que serviu de inspiração ao ativista.
27 de maio: Ativista Nito Alves exige desculpas públicas
"Eu não vivi no tempo do 27 de maio, nem entre 1961 a 1975. Mas ainda assim alguns analistas políticos e sociólogos dizem que temos a mesma caraterística política porque eu sou independente e defendo as minhas convicções sem temer pela minha vida", diz.
O jovem também não tem medo de falar de Agostinho Neto, que classifica como "o carrasco do 27 de maio" de 1977. "Nito Alves, que tenho como fonte de inspiração, também nunca temeu pela sua vida e foi até as últimas consequências, enfrentando o regime de Agostinho Neto. Neto simulou uma suposta tentativa de golpe de Estado, que nunca existiu", frisa.
O ativista aponta ainda outros nomes que incluíram a cúpula responsável pelos crimes cometidos naquele período: "Falo de Bento Bento, de Cristiano André, do atual Procurador Geral da República [João Maria de Sousa] também como carrasco do 27 de maio. 89% dos velhos que têm nome na história de Angola ou fazem parte do Governo angolano, incluindo a maioria dos que estão no Parlamento, são carrascos do 27 de maio".
Sem medo da repressão
Manuel Nito Alves, que integra o grupo de 17 ativistas presos e condenados pela justiça angolana, por alegada preparação em acto de rebelião e atentado contra o Presidente José Eduardo dos Santos, diz que os 15+2 não receiam a repressão.
"As condições estão preparadas do ponto de vista político e cívico para destruir o regime de forma pacífica, com serenidade e protesto nas ruas", assegura. "Não tememos pelas nossas vidas e vamos até as últimas consequências", como "entrar no Palácio e arrancar o José Eduardo dos Santos e o seu MPLA" do poder, garante Nito Alves.
Nem que seja um golpe de Estado ou uma insurreição popular "o caminho para derrubar o regime e entregar o poder ao povo", salienta o jovem nascido no Huambo, que promete lutar até as últimas consequências "em nome da verdade e por uma efetiva democracia em Angola".
"Este julgamento é uma palhaçada"
Presos desde junho de 2015, os 15 ativistas aguardam o desfecho do julgamento desde setembro. Recentemente, Nito Alves classificou o julgamento como uma "palhaçada", o que lhe valeu uma condenação a seis meses de prisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Este julgamento é uma palhaçada"
Depois de quase seis meses de julgamento, Manuel Nito Alves, um dos 15 ativistas detidos desde junho, afirmou que todo o processo era uma "palhaçada". A afirmação valeu-lhe uma condenação a seis meses de prisão. A Central Angola 7311 resolveu criar várias imagens, onde os ativistas surgem com maquilhagem de palhaço, para desmascarar o "circo" em que estão envolvidos.
Foto: Central Angola 7311
Reclusos do Zédu
No início do julgamento, a 16 de novembro do ano passado, os ativistas chegaram a tribunal com t-shirts onde tinham escritas frases de protesto. Luaty Beirão, um dos revus, afirmou na altura que "Vai acontecer o que o José Eduardo decidir. Tudo aqui é um teatro".
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Ao longo dos vários meses de processo, foram vários os protestos que aconteceram nas ruas de Luanda e de outras cidades. A Amnistia Internacional pede a liberdade dos prisioneiros de consciência, que se mostram bastante desgastados psicologicamente.
Foto: Reuters/H. Corarado
Prisão domiciliária desde dezembro
Em dezembro, o Tribunal Constitucional de Angola decretou o fim da prisão preventiva dos 15 ativistas. No acórdão era possível ler-se que "cabe ao juiz da causa determinar a medida de coação a aplicar nos termos da lei". A Procuradoria Geral da República propôs a alteração da medida de coação para prisão domiciliária.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Prisão domiciliária sem fundamento
Em fevereiro, o Tribunal de Luanda decretou que os ativistas deveriam continuar em prisão domiciliária. Praticamente um mês depois, os revus continuam à espera das alegações finais. "Nós sabemos que não podemos esperar nada de bom disto, apenas uma condenação", disse António Kissanda, da Central Angola 7311, à DW.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Os 15+2 estão a ser julgados por falar a verdade"
"Falar sobre as boas condições que José Eduardo dos Santos criou não é crime, mas dizer que não há luz, água potável, educação já é", diz António Kissanda. O 15+2 (Laurinda Gouveia, na foto, e Rosa Conde foram constituídas arguidas, mas aguardam julgamento em liberdade) estão a ser julgados porque "falaram a verdade".
Foto: Central Angola 7311
Ativistas usam greve de fome como forma de protesto
Em setembro, Domingos da Cruz, Inocêncio de Brito, Luaty Beirão (na imagem) e Sedrick de Carvalho declararam uma greve de fome contra a prisão preventiva, ilegal nessa altura, ao abrigo da Constituição angolana. Luaty Beirão manteve-se em greve de fome até ao final de outubro. Agora, é Nuno Dala quem usa a greve de fome como forma de protesto: tomou a decisão há seis dias (9.03).
Foto: Central Angola 7311
Julgamento sem fim à vista
Ontem (14.03), realizou-se mais uma sessão do julgamento dos 15+2. David Mendes (à esquerda na imagem), um dos advogados de defesa do grupo, recusa depor como declarante no processo. A sessão de ontem, prevista para as declarações finais, foi adiada para 21 de março, depois de o advogado ter sido impedido de exercer as suas funções como advogado de defesa.
Foto: DW/Nelson Sul d'Angola
"Isto é uma farsa que os levou à cadeia e os mantém na cadeia"
Para António Kissanda, da Central Angola 7311, este julgamento é uma farsa e lembra todos os outros ativistas que, ao longo dos 36 anos em que José Eduardo dos Santos está no poder, foram perseguidos e mortos. "Nós já estamos mortos, para dizer a verdade, só falta estarmos no caixão como prova disso", afirma. "Tal como em qualquer ditadura, é importante que não se criem mentalidades no povo".