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ACNUR afirma que Angola deportou 279 congoleses

Marta Cardoso
14 de maio de 2020

ACNUR confirma à DW África ter conhecimento que durante a segunda metade de abril, 279 congoleses foram deportados pelas autoridades angolanas. Mas Angola desmente: “Não está a entrar nem a sair ninguém”.

Refugiados congoleses em Angola (Foto simbólica/2017) Foto: DW/N. Sul d'Angola

Quase 700 congoleses vindos de Angola terão chegado à província de Kasai na República Democrática do Congo (RDC), de forma não oficial, só na última semana de abril. O número foi avançado por Christian Mabedi, representante local do Programa Nacional da Higiene nas Fronteiras, citado pelo portal Radio Okapi das Nações Unidas.

De acordo com as autoridades da província de Kasai, em causa estão congoleses deportados de Angola, onde se encontravam em situação irregular. Estas entradas clandestinas, em plena crise da Covid-19, dificultam o controlo sanitário nas fronteiras. Mabedi relata que há "pessoas que saem do mato, onde não colocámos agentes”.

À DW África, Juliana Ghazi, chefe das relações exteriores do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Angola, afirma que "o ACNUR toma conhecimento que durante a segunda metade de abril foi um total de 279 indivíduos congoleses que foram deportados pelas autoridades angolanas e nesse grupo incluem-se mulheres e crianças. Como também foi mencionado nas notícias que saíram nos média, nenhuma das deportações parece ter sido feita de acordo com os protocolos habituais”, sublinha.

A representante da ONU realça que o retorno forçado de refugiados, ainda que indocumentados, é uma "violação muito grave do direito internacional e também do direito nacional, da lei do refugiado que é a 10/2015”.

Fronteira angolana com a RDCFoto: DW/B. Ndomba

Angola nega

A porta-voz dos Serviço de Migração e Estrangeiros de Angola (SME), a comissária Teresa Silva, disse à DW África que estas informações "não correspondem à verdade”.

"Desde que começou a [pandemia da] Covid-19 fecharam-se as fronteiras, não está a entrar ninguém nem a sair ninguém. Eu falei não só com o diretor-geral como falei com os diretores das províncias fronteiriças todas, inclusive o Namibe que só é mar, mas também me respondeu que de lá não saiu ninguém. Agora não posso atestar nada”.

A comissária reforça ainda que "os nossos centros de acolhimento estão todos cheios, mas não está a sair ninguém. Mesmo os que estão nos centros são aqueles que foram apanhados indocumentados antes da quarentena”.

Repatriamento voluntário organizado

O último repatriamento organizado de congoleses - inserido no acordo tripartido entre o ACNUR e os Governos de Angola e RDC em agosto de 2019 - aconteceu a 17 de fevereiro deste ano. Envolveu 51 famílias, num total de 192 indivíduos, conta Ghazi.

A comissária Teresa Silva esclareceu que no "mês de abril todo não se fez” qualquer repatriamento organizado pelo Estado. "A nossa quarentena começou no dia 11 de março, um pouquinho antes nós fizemos o último repatriamento. E que eu saiba nem era de congoleses, era de conacris”, assume.

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Qualquer repatriamento, espontâneo ou forçado, de congoleses após essa data continua por explicar.  

Segundo o ACNUR, desde a assinatura do acordo de 2019 do repatriamento voluntário organizado, "2.912 refugiados retornaram para as regiões do Kasai e do Kasai central na RDC e, além disso, 14.757 refugiados também regressaram à RDC, mas de forma espontânea. No momento, temos cerca de 3 mil refugiados nas áreas urbanas do Dundo e 6.200 no assentamento de Lóvoa”.

O ACNUR estima ainda que "38 mil refugiados e requerentes de asilo se encontrem nas outras províncias de Angola, maioritariamente em Luanda”.

Repatriamento suspenso devido à Covid-19

O ACNUR confirma que existe "ainda um pequeno grupo de refugiados interessados em retornar mas, por conta do fecho das fronteiras devido à Covid-19 e também por conta de alguns desafios que tivemos nas estradas, o repatriamento foi suspenso”.

O Serviço de Migração e Estrangeiros de Angola admite que está a gerir a situação "com muitos sobressaltos porque os que estão nos centros acham que devem sair. Mas achamos melhor eles ficarem lá confinados até terminar a quarentena. Não sabemos quem tem [Covid-19], quem não tem. Pelo menos os que estão lá dentro nós sabemos que não têm Covid-19. Então é melhor não juntá-los com outras pessoas. É essa a precaução que estamos a tomar”.

"Só que eles lá dentro, claro que não querem. Mas não podem fazer nada, também foram apanhados indocumentados mesmo”, conclui a porta-voz do SME.

Congoleses indocumentados são ilegais?

Ao contrário do que tem sido veiculado por alguns meios de comunicação social, o SME desmente que o Estado angolano considere que os congoleses não registados são considerados ilegais devido ao final da guerra na RDC e que perderam o estatuto de refugiado.

Campo de acolhimento de Kakanda, na província da Lunda NorteFoto: DW/N. Sul d'Angola

"Os refugiados ainda não estão na cláusula de cessação, porque é um caso muito específico. Aliás, o primeiro grupo de refugiados que nós tivemos aqui em Angola desde 1976 é congolês. Como é um caso político, ainda não tem cláusula de cessação. Os que têm a cláusula de cessação são os serra-leoneses, os ruandeses e os liberianos. Os congoleses não, aliás, metade dos refugiados pelo menos do primeiro grupo já estão nacionalizados como angolanos”, esclarece a comissária Teresa Silva.

Juliana Ghazi, do ACNUR, relembra que Angola é signatária da Convenção de Genebra de 51 e também da Convenção da União Africana em 69. Esses documentos, tal como a própria legislação angolana sobre asilo, ressalvam o direito de acesso ao território e a proteção para todo e qualquer requerente de asilo ou refugiado independentemente da documentação.

"Muitos refugiados, congoleses ou não, encontram-se atualmente em Angola indocumentados ou com documentos caducados, mas eles não perdem o estatuto de refugiado ou de requerente a asilo devido à sua situação de documentação. Eles continuam sob a proteção internacional. O que significa que eles nunca poderiam ser detidos, deportados ou expulsos devido à falta de documentação seguindo o princípio do ‘non refoulement' (não devolução)”, explica.

A chefe das relações exteriores do ACNUR em Angola reforça ainda que mesmo que os refugiados exerçam alguma atividade ilícita "devem ser processados de forma justa, não discriminatória, com base no processo legal e com direito a defesa. Se eles forem condenados, eles devem cumprir as finalidades como cidadãos nacionais”.

Documentação dos refugiados

Em meados de 2015, o Governo angolano parou o registo de documentação dos refugiados, o que aumenta os desafios enfrentados por estes congoleses, conta Ghazi.

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"O ACNUR tem trabalhado com o Governo há algum tempo para que esse registo e o sistema de determinação do estatuto de refugiado seja reinstalado e também para que seja feito um exercício de registo e verificação aqui em Angola”.

No entanto, o SME garante que está a resolver o assunto e que a questão da documentação dos refugiados está "adiantadíssima”.

"Nós já temos os carretões que vão ser adjudicados para eles. Já temos as máquinas que vão trabalhar. Terminamos no dia 6 de março de fazer a contagem de refugiados. E depois que terminar a Covid-19, de certeza que vai sair uma definição do Governo se podemos começar a aplicar a documentação ou não”.

A porta-voz do SME explica ainda que "numa primeira fase a documentação vai ser outorgada para aqueles que já estão dentro da cláusula de cessação e depois para todos os outros grupos.”

Que apoios têm quem regressa à RDC?

Segundo a representante da ONU, "aquele que optaram por retornar de forma organizada, facilitada pelo ACNUR”, foram assistidos com transporte até ao centro de trânsito na RDC e com um "pacote assistência”.

"Esse pacote consistia em 20 mil francos, que cobria os custos de transporte deles até aos seus destinos finais, 80 dólares que cobria a reintegração desse refugiados e 27 dólares de assistência alimentar durante dois meses. Além disso, os refugiados receberam o que nós chamamos de ‘formulário de repatriamento voluntário' que permite que eles sejam identificados na base de dados do ACNUR RDC quando cruzarem a fronteira”, explica.

Os refugiados que retornaram de forma espontânea também tiveram um "pacote assistência” igual, "com a diferença de que o transporte até à fronteira foi feito por parte do Governo e não por parte do ACNUR, porque na altura [antes de agosto de 2019] o acordo tripartido ainda não tinha sido assinado”, indica Ghazi.

Posteriormente, o ACNUR continua a "fazer o monitoramento dos que retornaram e a incluí-los em projetos de assistência e de reintegração", conclui.

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Apoios ao que ficam

A DW África contatou algumas associações que trabalham com refugiados em Angola, mas ninguém tem condições de confirmar se há congoleses a rumar para a fronteira de regresso à RDC.

O presidente da Comunidade dos Refugiados em Angola (CRA), Musengele Kopel, conta que está a trabalhar com o ministério da ação social no sentido de dar comida a todos os refugiados que necessitam.

"Nós trabalhamos com todos os municípios da cidade de Luanda no sentido de localizar os refugiados necessitados para entregarmos comida, e aqueles também que estão nos campos no quadro da Covid-19. Todos os que estão no campo estão a receber também comida”.

O secretário-geral da associação AJUDECA, Manuel Mfulutoma, está a fazer o monitoramento à distância por falta de fundos. Não confirma que estejam a ser distribuídas cestas básicas, mas confirma que os refugiados [do Dundo e Lóvoa] estão a receber informação e sensibilização para a Covid-19.

Justifica que possa existir quem viole a fronteira, mesmo em estado de emergência, porque muitos refugiados que estão em Angola "fazem muito esse comércio de ir e voltar da RDC para cá”.

Mfulutoma destaca ainda a "dedicação dos refugiados na questão da agricultura”: "Os refugiados estão a fornecer produtos agrícolas praticamente à cidade de Dundo e quase para toda a província da Lunda Norte, porque a terra é agricultável e isso está dando a capacidade e poder de renda desses refugiados.”

O responsável da AJUDECA avança ainda que já foram contratadas empresas em Angola e na RDC para consertar as estradas. O mau estado das vias contribuiu, paralelamente à situação do novo coronavírus, para a suspensão do repatriamento voluntário organizado assistido pelo ACNUR.

"As cargas pluviométricas têm sido enormes naquela área entre Luanda norte e as áreas de Chicapa, são áreas que chove muito e as vias de acesso não facilitavam, pontes que quebrantavam”.

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