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PolíticaÁfrica do Sul

30 anos depois: O sonho de unidade da África do Sul desfeito

Martina Schwikowski
27 de abril de 2024

Trinta anos após o fim do apartheid, a África do Sul olha para trás e vê uma sociedade democrática profundamente dividida. As divisões políticas alimentam a crescente desilusão com o partido de Nelson Mandela, o ANC.

Nelson Mandela e a sua então esposa, Winnie Mandela
Foto: epa/picture alliance/dpa

A África do Sulteve um início eufórico com as suas primeiras eleições livres em 1994.

As pessoas fizeram fila durante horas para votar, cheias de esperança, otimismo e alegria. Este espírito positivo manteve-se quando Nelson Mandela foi eleito Presidente depois de ter passado 27 anos na prisão.

Congresso Nacional Africano (ANC), partido político de Mandela e antigo movimento anti-apartheid, chegou ao poder, pondo fim não só ao domínio da minoria branca mas também a séculos de mentalidade colonialista. Ainda hoje está no poder.

No entanto, olhando para os últimos 30 anos, a avaliação geral sobre o estado da "nação arco-íris" de Mandela é sóbria: A economia fraqueja, a sociedade continua dividida por linhas raciais e as pessoas não se sentem compreendidas pelos políticos.

Imagens do "massacre de Sharpeville" na África do Sul, em 1960. 69 pessoas morreram quando a polícia disparou contra manifestantes que protestavam contra o "apartheid"Foto: AP Photo/picture alliance

O fosso entre ricos e pobres continua a aumentar, apesar de o ANC ter feito disso uma preocupação central quando assumiu o poder.

A frustração com estes sonhos desfeitos é profunda.

Progresso - no papel

Ainda assim, registaram-se algumas conquistas importantes, pelo menos no papel.

Fredson Guilengue, diretor do programa para a África Austral da Fundação Rosa Luxemburgo, em Joanesburgo, sublinha que o país conseguiu, pelo menos, "introduzir uma das constituições mais progressistas do mundo, estabelecer um sistema judicial independente, uma imprensa livre e eleições livres e justas".

A expansão do sistema educativo e um maior acesso à eletricidade, à habitação social e aos serviços sociais para os pobres estão entre os principais marcos alcançados nas últimas três décadas, afirmou à DW.

Guilengue destaca também o facto de a Constituição sul-africana ter sido a primeira do mundo a proibir a discriminação com base na orientação sexual e de o país se ter tornado a quinta nação do mundo - e a primeira em África - a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Corrupção ao mais alto nível

Para além destas conquistas, a África do Sul construiu, ao longo dos últimos 30 anos, uma sociedade civil robusta e ativa, que defende os seus direitos perante a adversidade.

Nos últimos anos, porém, essa adversidade parece provir, em grande parte, das esferas mais altas da governação. As lutas pelo poder e os relatos de interessescorruptos no seio do ANC, no poder, têm feito o país retroceder repetidamente.

Estas dinâmicas afetaram todos os habitantes do país, independentemente da origem étnica ou do rendimento: o desemprego elevado, a criminalidade e a pobreza, bem como o aumento do custo de vida, são alguns dos principais problemas que continuam a assolar a África do Sul.

Protesto em Pretória contra a crise da energia, o desemprego e o custo de vida em março de 2023Foto: Ihsaan Haffejee/AA/picture alliance

De acordo com Guilengue, o desemprego juvenil, que afeta quase uma em cada duas pessoas com menos de 34 anos, tem alimentado um sentimento de instabilidade social em vários estratos, reforçando os sentimentos xenófobos no país, que causaram dezenas de mortes ao longo dos anos.

Entretanto, a maioria das pessoas na África do Sul tem agora acesso a água corrente e eletricidade em casa. Mas os cortes de eletricidade - causados alegadamente por corrupção na fornecedora estatal de energia Eskom - têm mantido as luzes apagadas para muitas pessoas em todo o país, durante várias horas por dia, ao longo da última década.

Desilusão com a política e os políticos

Os eleitores confiam cada vez menos no ANC devido a estas e outras queixas.

Nas eleições de maio - em que o Presidente Cyril Ramaphosa se candidata a um segundo mandato - o partido poderá ficar pela primeira vez abaixo da maioria de 50%, o que o obrigará a entrar num acordo de partilha de poder com um parceiro da oposição.

De acordo com o analista económico Daniel Silke, há um sentimento de profunda desilusão em relação à incapacidade do principal partido de libertação para governar o país.

Silke disse à DW que o ANC parece "incapaz de manter os padrões éticos estabelecidos por Nelson Mandela", em particular. "Os esforços para unir as pessoas como uma nação, que eram realmente palpáveis nos primeiros anos de Mandela, evaporaram-se", acrescentou.

Problemas durante a liderança de Zuma

A África do Sul mergulhou na crise mais grave das últimas três décadas sob a liderança do antigo Presidente Jacob Zuma,que esteve no poder entre 2009 e a sua demissão em 2018.

Zuma foi acusado de pilhar os cofres do Estado, levando a nação à beira da falência com a ajuda da sua extensa rede de conhecimentos, tanto dentro como fora do ANC.

Ex-Presidente sul-africano, Jacob Zuma, foi citado em vários escândalos de corrupçãoFoto: Michele Spatarii/AP Photo/picture alliance

Foi sob a liderança de Zuma que foi cunhado o neologismo em inglês "tenderpreneurship", relativo aos contratos públicos entregues a empresários com laços familiares ou de amizade com quem detinha o poder.

A África do Sul ainda não recuperou desta experiência. Pelo contrário, o clientelismo e o nepotismo parecem estar agora consagrados na cultura do país, diz Silke.

"Há um mal-estar na população", afirma o analista, acrescentando que o subsequente colapso das infraestruturas e da logística e a estagnação da economia devido a estes negócios irregulares são uma recordação diária do declínio daquele que já foi o país industrializado mais rico de África.

África do Sul: 30 anos após o fim do apartheid

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Feridas profundas da era do apartheid

Outros observadores sublinham, no entanto, que nem todos os males sociais podem ser atribuídos à má-gestão do país durante o reinado do ANC.

Verne Harris, diretor executivo da Fundação Nelson Mandela, tenta perceber "porque não se fez melhor" após o advento da democracia, questionando se três décadas são tempo suficiente para apagar o trauma e o legado dos longos e profundos processos do colonialismo e do apartheid.

"Alguns jovens [agora] dizem que Mandela era um traidor", comenta Harris, referindo-se às promessas feitas de uma vida melhor num país unido.

"Temos de lidar com estes discursos e repensar alguns dos compromissos que assumimos."

"Fomos rápidos a acreditar que podíamos resolver as coisas num curto espaço de tempo", conclui Harris. "Em alguns casos, isso levou a soluções rápidas que não nos serviram bem."

Cabo da (Boa) Esperança

Para além das suas muitas questões internas, a África do Sul quer posicionar-se contra a opressão a nível global - especialmente depois da sua experiência de décadas de apartheid, refere Guilengue.

O país lidera iniciativas de pacificação, enviando tropas para países da região e submetendo processos de alto nível em tribunais internacionais; no final de dezembro de 2023, a África do Sul acusou Israel de violar tratados internacionais - sobretudo a Convenção das Nações Unidas sobre o Genocídio - durante a guerra em Gaza, defendendo o seu caso no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) em Haia.

Guilengue acredita que, apesar dos seus muitos problemas, a África do Sul fez progressos no nos corredores da diplomacia global, compreendendo que as parcerias tradicionais de África com o Ocidente, construídas com base em séculos de colonialismo, não eram equilibradas. Também não serviam os melhores interesses do país e, por isso, tinham de mudar.

"É por esta razão que a África do Sul está a pressionar por reformas no Conselho de Segurança da ONU e é membro do bloco BRICS, que afirma lutar por regras justas e parcerias económicas", nota Guilengue.

"Talvez venhamos a assistir a uma África do Sul mais ativa no futuro, tanto em África como no resto do mundo", conclui.

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