Moçambicanos são hoje chamados a refletir sobre os 30 anos do Acordo Geral de Paz, assinado em Roma em 1992. Analistas não duvidam que a paz está privatizada e é urgente envolver toda a sociedade na sua preservação.
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A guerra civil moçambicana terminou há 30 anos com o Acordo Geral de Paz, assinado em Roma a 4 de outubro de 1992, por Joaquim Chissano, então Presidente de Moçambique, e Afonso Dhlakama, eterno líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO).
Mas está difícil preservar a paz em Moçambique e analistas criticam: enquanto a paz for propriedade do Governo e da RENAMO vai sempre experimentar tropeços.
"Se formos ver nos últimos tempos o que se buscou mais foi uma espécie de representatividade política por parte dos atores que estiveram envolvidos nestes acórdãos e não mais aquilo que é o mais importante que é a participação popular", diz o analista político Wilker Dias.
Necessárias condições de segurança
Mas não só, alerta o investigador. É necessário que todos os intervenientes na preservação da paz criem condições de segurança para preservar esta mesma paz.
"Os processos antecedidos a estes não verificaram esta questão da segurança. Ou seja, corremos para a consolidação da paz mas esquecemos da componente segurança que sem a segurança não existe a paz."
O analista e professor universitário Gil Aníbal diz que o que está a falhar na preservação da paz é a construção do Estado, que não obedeceu aos critérios da construção nacionalista.
"Quando há interação social entre grupos étnicos divididos politicamente, ou por partidos políticos ou ideologia diferentes, então surge o conflito. Aí falhamos na construção do conceito de paz", considera.
Gil Aníbal apela para o redesenhar de uma Constituição da República da população para servir a população. "E não uma Constituição com aspirações políticas. Porque todas as revisões constitucionais agora refletem vontades de duas famílias moçambicanas que lutam pelo poder, que é a família RENAMO e a família FRELIMO", sublinha.
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Paz aos tropeços
Wilker Dias sabe que a essência dos tropeços da paz nestes 30 anos tem igualmente a ver com a própria democracia e os pacotes da descentralização.
"Não vão muito de acordo com os anseios para o desenvolvimento da democracia em Moçambique em breves dias, porque os conflitos vivenciados com a questão da democracia em volta praticamente não obedeceram aos principais problemas que o país enfrenta em termos democráticos", diz.
Depois do Acordo Geral de Paz de 1992, o país já teve mais dois documentos assinados entre o Governo e a RENAMO. O mais recente, de 2019, prevê o Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) do braço armado do principal partido de oposição - um processo que ainda está em andamento.
O analista Gil Aníbal entende que enquanto o DDR for patrocinado pelos doadores internacionais os riscos de novos conflitos sempre vão existir.
"Porque o parceiro de cooperação pode sair hoje e o processo ficar encalhado. Acho que poderíamos pensar em levar esse projeto ser financiado pelo Estado moçambicano através do orçamento do Estado e não depender dos parceiros de cooperação internacional", sugere.
Wilker Dias defende a fortificação das instituições eleitorais em Moçambique, porque são os principais fazedores da democracia no país.
"Por mais que nós tenhamos a questão da descentralização em termos de autarquias, se não temos instituições fortes como a CNE e o STAE, os conflitos eleitorais, que podem ser militares ou não, sempre irão existir", conclui.
20 Anos de Paz em Moçambique: Uma viagem
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos.
Foto: Marta Barroso
A guerra presente todos os dias
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos. Joula estava grávida de oito meses quando uma mina anti-pessoal lhe arrancou um pé em 1991. Na noite anterior, a RENAMO tinha atacado a aldeia e plantado minas em redor.
Foto: Marta Barroso
De armas a enxadas... ou cadeiras
Desde 1996, o projeto "Armas em Enxadas" dá um novo destino ao material bélico que destruiu milhares de vidas durante a guerra civil. O objetivo da iniciativa, lançada pelo Conselho Cristão de Moçambique, é criar, com as armas, obras de arte com mensagens de paz. Muitas peças foram encontradas pelo país, outras foram recolhidas a privados.
Foto: Marta Barroso
Ataques inesperados
São as mesmas armas que há 20 anos eram usadas para atacar seres humanos como estes refugiados em Chamanculo, perto da capital, Maputo, em 1992. Chamanculo nunca recuperou da chegada de milhares de refugiados da guerra civil. Ainda hoje, é um bairro pobre. Foi aqui que nasceram figuras ilustres do país como Maria de Lurdes Mutola.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Ruas desertas em Maputo
A guerra, que se arrastou por 16 anos, atrasou o desenvolvimento do país. Também a vida social sofreu, até mesmo na capital. Engarrafamentos eram, durante a guerra e nos primeiros anos seguintes, algo raro como se pode ver nesta fotografia do centro de Maputo de 1992.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da guerra
Em 1990, Moçambique era considerado o país mais pobre do mundo. Em 2011, ocupava o lugar 184 entre 187 Estados no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD. 20 anos depois de assinada a paz, os moçambicanos continuam a viver, em média, 50 anos.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da paz
20 anos depois do Acordo Geral de Paz, ainda há muito que fazer no combate à pobreza em Moçambique. As províncias do Niassa, de Maputo, Cabo Delgado e Tete (na imagem) são, segundo o Programa da ONU para o Desenvolvimento, PNUD, as que têm maior incidência de pobreza no país.
Foto: Marta Barroso
Casa de Espera
Iniciativas como esta na aldeia de Vinho, no Parque Nacional da Gorongosa, província de Sofala, contribuem para diminuir a mortalidade infantil e materna. Atualmente, em Moçambique cerca de 500 mães morrem por cada 100 mil crianças nascidas vivas. Para evitar que isso aconteça na aldeia de Vinho, a Casa de Espera assiste as mulheres grávidas das redondezas na preparação dos partos.
Foto: Marta Barroso
Economia dominada por megaprojetos
A paz possibilitou megaprojetos, como o da exploração de carvão em Moatize, Tete. De futuro, a esperança é de que os rendimentos destes projetos beneficiem mais a população. Devido aos incentivos fiscais de que gozam as multinacionais ligadas a eles, o Estado moçambicano deixa de ganhar mais de 200 milhões de dólares por ano, segundo o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Foto: Marta Barroso
Carvão, a euforia de Tete
74 toneladas de carvão já estão carregadas nesta transportadora que pode levar até 400 toneladas. O carvão da província central de Tete tem vindo a atrair investidores nacionais e internacionais à procura do "El Dorado" que tem limitado a diversificação da economia nacional na segunda década de paz em Moçambique.
Foto: Marta Barroso
Cahora Bassa...
Durante a guerra civil, as linhas de transmissão de Cahora Bassa foram alvo de ataques da RENAMO. Hoje, a barragem funciona em pleno. Cahora Bassa tem uma capacidade instalada de 2.075 megawatts, a maior parte da energia é exportada para os países da região: 70% para a África do Sul e 5% para o Zimbabué. Apenas um quarto da eletricidade aqui produzida é consumida em Moçambique.
Foto: DW/M. Barroso
... um elefante branco para esta área do país?
Ainda há poucas casas em redor de Cahora Bassa com acesso regular à eletricidade. Para o economista moçambicano Carlos Castel-Branco do IESE, dever-se-iam estender as bases do desenvolvimento do país às aldeias e vilas em torno da barragem para que também aqui a vida económica se transformasse num elemento de estímulo para o investimento.
Foto: Marta Barroso
Gentes ligadas
A reabilitação das infraestruturas permite agora uma maior mobilidade e fomenta o comércio interno. A linha férrea de Sena liga a província de Tete, no interior de Moçambique, à cidade portuária da Beira. No tempo da guerra civil, foi encerrada e acabou por ser completamente destruída. Nos últimos anos, o corredor ferroviário foi reabilitado para escoar sobretudo o carvão da região de Tete.
Foto: Marta Barroso
Gentes apertadas
O comboio é um dos meios de transporte mais baratos em Moçambique. Em fevereiro de 2012, a Linha de Sena abriu a passageiros em toda a sua extensão. A reconstrução foi feita por troços e acabou por tomar muito mais tempo que o previsto, porque o consórcio indiano responsável pelas obras não cumpriu diversos prazos. Grande parte do dinheiro veio do Banco Mundial.
Foto: Marta Barroso
Há esperança em Moçambique
Idalina Melesse viajou de comboio pela primeira vez em 2012. Durante a guerra civil, os ataques impediram-na de se mover dentro do país. Desde então e até à reabertura da Linha de Sena, não tinha tido dinheiro para longas viagens. A Linha de Sena e outras infraestruturas não só unem moçambicanos, mas devolvem-lhes a liberdade de movimento e a facilidade de comunicação confiscadas pela guerra.