Moçambique ficou independente de Portugal a 25 de junho de 1975, mas logo depois passou a depender fortemente de outros estados, inclusive de Portugal, para se manter em pé. Vive Moçambique uma relativa (in)dependência?
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Há 45 anos, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) presenteava o povo moçambicano com a independência, depois de cerca de 10 anos de luta contra a ocupação colonial portuguesa. Contudo, depois de 1975, o país já soberano passou a depender de vários outros países para fazer carburar a sua máquina. Até hoje, a maior parte do capital depende de parceiros do ocidente.
Que independência Moçambique tem afinal?
Calton Cadeado é pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CEEI), em Maputo, e começa por afirmar que "não há ninguém que não dependa de ninguém neste mundo".
O pesquisador reconhece que "Moçambique depende dos parceiros internacionais, depende do dinheiro, das armas e da comida dos outros. E, para se mostrar que independência não está completa, é só apontar o lado alimentar - não se pode dizer que um país está independente quando não consegue alimentar o seu povo. A independência de um povo mede-se, primeiro, na qualidade e capacidade do Estado garantir comida para a sua população".
E neste contexto alerta: "Enquanto não houver isso, o país vai ter muitos problemas de se considerar independente e, por essa via, sofre muitas pressões".
Independência numa perspetiva acabada
Nesse sentido, os parceiros externos influenciam na tomada de decisões sobre assuntos nacionais. E ao Governo não resta muita margem para a recusa, pois deles depende. Assim sendo, a independência, na perspetiva acabada que é tratada e celebrada, não precisa de ser revista?
"Não acho que seja necessário rever seja o que for, porque a independência não foi em resposta ao que viria a acontecer depois, mas em resposta à condição em que as pessoas se encontravam na altura", começa por responder o sociólogo Elísio Macamo.
E depois recorda que se "tratou de criar condições para que as pessoas usufruíssem da dignidade humana. Agora, faz parte dos desafios que um país soberano tem de, por exemplo, saber continuar com essa onda de criação de condições."
Contudo a questão da dignidade humana só foi parcialmente resolvida. A maioria dos moçambicanos continua a viver abaixo da linha da pobreza, com dificuldades, por exemplo, de se alimentarem, de acesso a serviços básicos de saúde e educação.
Os novos opressores
A exacerbada desigualdade social denuncia o nível de problemas que o país tem, com as elites políticas, que são uma minoria, altamente enriquecidas, ao contrário da grande maioria. O principal partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), lembra que a injustiça social não foi um ideal da FRELIMO quando lutou pela independência.
O porta-voz do partido, José Manteigas, considera que "como perspetivas, o país deve, primeiro, abrir uma nova página, onde aceita cada cidadão como dono das riquezas desta pátria. Segundo, tem de haver inclusão social, porque a exclusão social leva ao descontentamento e desarmonia."
"Cada moçambicano é útil, porque, afinal de contas, a maior riqueza que o país tem são os próprios moçambicanos e ninguém é proprietário de Moçambique", afirma Manteigas.
O membro da RENAMO critica ainda o regime: "O outro aspeto importante é que aqueles que lideraram devem deixar de ser os novos opressores, porque o que se nota é que essa classe hoje são os novos opressores, são aqueles que detêm as riquezas e o monopólio, tudo gravita à volta deles. Mas não foi esse o horizonte e o ideal que norteou a luta de libertação nacional."
Falhanços
Neste momento de avaliação dos 45 anos de independência, a essência da luta contra a dominação colonial é hoje chamada ao de cima.
Para o analista político Silvério Ronguane, "esses 45 anos foram marcados por grandes falhanços. O primeiro foi o legado de Eduardo Mondlane, que era a ideia da unidade, no sentido da inclusão. Penso que temos falhado sobretudo na questão da inclusão. Todas as expetativas que se tinham no sentido da inclusão com a independência, que era uma melhor vida. penso que caíram por água abaixo".
E sugere: "Penso que o grande desafio é como estender os benefícios para todos moçambicanos".
Reformas políticas depois dos 45
A lista de desafios é infinita. Fora as questões humanas básicas que estão longe de serem satisfeitas, politicamente o país precisa de reformas profundas, defende o sociólogo Elísio Macamo.
"Nos próximos tempos, o maior desafio que o nosso país vai ter de enfrentar é o de determinar o papel que cada órgão tem num contexto geral. Uma coisa que tenho vindo a dizer já há muitos anos, antes do malogrado jurista Gilles Cistac ter levantado a questão, é o problema dos poderes do Presidente. E isto não tem nada a ver com hostilidade ao próprio Presidente. Mesmo no caso do Presidente Guebuza, cuja visão eu apreciava na altura, levantei esta questão, que o Presidente tem muitos poderes e isso não é bom para a nossa cultura política", entende.
Para o académico, "trata-se também de proteger o próprio Presidente das expetativas das pessoas".
"O poder exerce-se melhor quando ele está controlado e, infelizmente, no nosso caso, o poder do Presidente não está devidamente controlado, e isso não nos faz bem", conclui Macamo.
Moçambique: Como é preservado o legado colonial em Inhambane
Infraestruturas construídas pelos portugueses em Inhambane foram nacionalizadas após a independência de Moçambique. Vários edifícios servem novos propósitos, mas muitos estão ao abandono. Populares apelam a reabilitação.
Foto: DW/L. da Conceicao
Edifícios coloniais ocupados pelo Governo
Depois da independência de Moçambique, em 1975, os portugueses deixaram
vários edifícios onde funcionavam as suas direções e serviços. Estas infraestruturas encontram-se agora ocupadas pelo Governo de Moçambique. Em Inhambane, os edifícios não têm sido reabilitados e muitas casas estão em risco de desabar.
Foto: DW/L. da Conceicao
Câmara, Procuradoria e Tribunal há 208 anos
Este edifício construído em 1809, na época colonial, acolheu três instituições do Governo português: Câmara Municipal, Procuradoria e Tribunal Distrital. Hoje, passados 208 anos e após a independência de Moçambique, o Conselho Municipal da cidade de Inhambane, a Procuradoria e o Tribunal Provincial ainda funcionam aqui.
Foto: DW/L. da Conceicao
Capela transformada em Biblioteca
Esta capela foi construída pela Igreja Católica Romana, perto do colégio português. Durante vários anos, realizaram-se aqui missas e orações. Agora, a capela serve outro propósito: é atualmente a Biblioteca Provincial de Inhambane.
Foto: DW/L. da Conceicao
Gabinete do Administrador Ultramarino deu lugar ao Governador Provincial
Era neste edifício branco que estava localizado, na era colonial, o gabinete do administrador do distrito de Inhambane. Ao lado funcionava a administração marítima e em frente estava a estátua de Vasco da Gama. Atualmente, é aqui que está o Governador Provincial. A infraestrutura está a precisar de ser reabilitada. Hoje, no lugar da estátua de Vasco da Gama encontra-se a imagem de Samora Machel.
Foto: DW/L. da Conceicao
De Comércio Telégrafo e Telefone a Telecomunicações de Moçambique
Este edifício foi construído no tempo colonial para o funcionamento do Comércio Telégrafo e Telefone (CTT) do distrito de Inhambane. Atualmente, encontra-se aqui instalada a Delegação Provincial das Telecomunicações de Moçambique (TDM). O mesmo aconteceu com os edifícios distritais dos CTT.
Foto: DW/L. da Conceicao
Governo não quer estátua de Vasco da Gama
A estátua do português Vasco da Gama foi erguida em frente ao edifício do Governo distrital de Inhambane. No entanto, com a independência, foi retirada por se considerar que Vasco da Gama foi um traidor e, por isso, não merece atenção especial. A estátua encontra-se escondida na oficina de viaturas do Conselho Municipal da cidade. Mas os residentes querem que seja colocada num lugar visível.
Foto: DW/L. da Conceicao
Pórtico das deportações de escravos
Entre 1910 e 1922, era aqui, neste local, que se fazia o comércio dos escravos em Inhambane. Os escravos eram concentrados junto ao edíficio branco enquanto aguardavam a sua deportação. O lugar encontra-se abandonado e ninguém o visita. Atualmente, por trás deste edíficio, funciona o estaleiro do material do Fundo de Investimento Património de Água (FIPAG).
Foto: DW/L. da Conceicao
De hotel a igreja
O primeiro hotel da cidade de Inhambane surgiu neste local. Na altura, esta era uma das principais ruas da cidade. Entretanto, o edifício do hotel foi demolido e o espaço está agora ocupado por uma seita religiosa. Os residentes locais lamentam a falta de conservação.
Foto: DW/L. da Conceicao
Escola Carvalho Araújo hoje é 7 de Abril
As escolas Carvalho Araújo, tanto masculina como feminina, foram transformadas em escolas primárias completas pelo Governo de Moçambique. O edifício retratado na foto era a antiga Escola Carvalho Araújo para mulheres. Hoje, é a escola primária completa 7 de Abril. A outra escola, onde estudavam os homens, continua a ser também uma escola primária, denominada Terceiro Congresso.
Foto: DW/L. da Conceicao
Homenagem a Emília Daússe
No tempo colonial, muitos alunos portugueses e moçambicanos frequentaram este edifício, onde funcionava o Colégio Nossa Senhora da Conceição. Entretanto, o colégio foi transformado numa escola secundária chamada Emília Daússe, nome de uma heroína que lutou pela frente de libertação de Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceicao
Hospital há 88 anos
O edifício do Hospital de Inhambane foi construído em 1929 pelo Governo português. Passados 88 anos, o mesmo edifício funciona como Hospital Provincial de Inhambane. O Governo de Moçambique ainda não construiu um novo hospital de raiz, apesar de, há dois anos, ter anunciado que iria construir um em Maxixe. No entanto, nada aconteceu até agora.
Foto: DW/L. da Conceicao
Cidade vermelha
A cidade de Inhambane é conhecida como a "cidade vermelha" por causa da predominância desta cor em vários edifícios. Muitas residências no centro da cidade estão pintadas com as cores da empresa de telecomunicações móveis. Apesar de existir uma lei que obriga à manutenção da pintura dos edifícios a cada seis meses, esta não é respeitada.
Foto: DW/L. da Conceicao
Edifícios em ruína no centro da cidade
Em todas as avenidas há edifícios ao abandono. Foram deixados pelos portugueses depois da independência de Moçambique e os residentes locais pedem às autoridades competentes a reabilitação destas residências, de modo a acomodar funcionários que não têm casas para morar.
Foto: DW/L. da Conceicao
Discriminação no cinema
No tempo colonial, era aqui que se encontrava o Cinema Manuel Rodrigues, atualmente Cine-Teatro Tofo. Contam os residentes que, no tempo dos portugueses, o edíficio estava dividido. Uma parte com sofás para os portugueses e outra parte, composta por bancos feitos de madeira, para os negros assimilados. Muita gente ainda lembra a discriminação.
Foto: DW/L. da Conceicao
Antiga Catedral é cartão de visita
A antiga catedral da Igreja Católica Romana já não está ao serviço dos crentes, porque foi construído um outro edifício de raiz, ao lado. No entanto, a antiga catedral serve como cartão de visita para os turistas que visitam a cidade de Inhambane. Há mais de um século que o relógio parou de funcionar.