500 anos da Reforma: O que resta da missão alemã em África?
Daniel Pelz | António Cascais
13 de maio de 2017
Os primeiros missionários vieram da Alemanha no século XIX para África. O papel da Igreja Evangélica Alemã na colonização foi ambivalente. Enquanto alguns criticavam o domínio alemão, outros promoviam o poder colonial.
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A Igreja Evangélica Luterana da Tanzânia (IELT) tem cerca de 6,5 milhões seguidores. É, portanto, uma das maiores comunidades luteranas do mundo, 500 anos depois das reformas de Martinho Lutero que, em 1517, protestou contra diversos dogmas do catolicismo romano e fundou a igreja evangélica alemã.
Segundo estimativas, mais de metade da população da Tanzânia segue religiões cristãs, o que - pelo menos em parte - se deve a missionários alemães que, em 1887, abriram a sua primeira missão no território que denominariam de Deutsch-Ostafrika, ou África Oriental Alemã em português.
Benson Bagonza é o bispo de Karagwe, uma das dioceses da IELT. Ele próprio vive numa casa que chegou a pertencer ao principal missionário alemão. Um edifício bem representativo da arquitetura colonial da altura. Mas não são apenas as casas antigas que fazem recordar essa época, refere Benson Bagonza.
"Na nossa igreja, temos ainda muitas pessoas mais velhas com nomes alemães, 80% das cantigas que cantamos na missa têm melodias alemãs e também adotamos a liturgia alemã. 60% a 75% de tudo o que fazemos na igreja luterana baseia-se nas tradições alemãs," relata.
Dependência financeira da Alemanha
Não é, pois, de admirar que as relações da Igreja Evangélica Luterana da Tanzânia com a sua congénere alemã continuem muito estreitas. O próprio bispo Bagonza vai regularmente à Alemanha para pedir ajuda para o financiamento de projetos sociais no seu país. A dependência financeira é, assim, evidente. Sem o financiamento alemão muito menos projetos poderiam ser concretizados na Tanzânia, confirma o bispo Bagonza.
No passado, os missionários alemães tiveram, no entanto, um papel ambivalente. Alguns criticavam a política colonial alemã, é certo. Mas muitos outros também fizeram tudo no sentido de promover o domínio colonial alemão, aceitando todas as medidas de opressão contra as populações africanas, impostas pelo sistema colonial alemão.
De recordar que a opressão imposta pelos sistema colonial alemão em África foi bastante intensa. A denominada Sudoeste Africano Alemão - território que hoje é a Namíbia - foi palco de um dos maiores crimes na história do colonialismo em África. Entre 1904 e 1908, o exército colonial alemão assassinou cerca de 100 mil Hereros e Namas que se tinham oposto às ordens alemãs.
Também na África Oriental Alemã, foram cometidas muitas atrocidades. Mas muitos missionários aceitaram ou até apoiaram as medidas, segundo lembra Hanns Lessing, padre evangélico alemão que elaborou um estudo sobre o papel das igrejas evangélicas e luteranas durante o Período Colonial.
"Os padres alemães nestas paragens apoiavam evidentemente as autoridades coloniais e defendiam os interesses dos alemães naquele território. Quando era necessário, benziam os soldados alemães, acompanhavam as campanhas militares e até publicavam artigos elogiosos sobre essas mesmas campanhas," revela.
O bispo Bagonza é de opinião que a história não deveria ser esquecida. É necessário que haja consciência sobre o que de facto aconteceu em nome da Igreja Luterana. Não se deveria falar apenas das coisas más, nem apenas das coisas boas, refere ainda o bispo.
Falando de contributos positivos, não se deve esquecer, por exemplo, o contributo do missiário alemão Johann Ludwig Krapf para o desenvolvimento da língua suaíli. Pois foi o padre Krapf, natural da cidade alemã de Tubinga, que traduziu a Bíblia para suaíli em 1844. Em 1850, o mesmo padre alemão publicou a primeira gramática e, em 1882, o primeiro dicionário de suaíli. Krapf e outros missionários contribuíram, assim, para a difisão do suaíli como língua franca na região.
Racista e cruel, a história colonial da Alemanha
A exposição no Museu Histórico Alemão, em Berlim, é a primeira grande exibição que explora os capítulos do domínio colonial da Alemanha. Uma história da ambição falhada de uma superpotência.
Foto: public domain
A cara do colonialismo
Com o chanceler Otto von Bismarck, o Império Colonial Alemão estabeleceu-se nos territórios da atual Namíbia, Camarões, Togo e em algumas partes da Tanzânia e do Quénia. O imperador Guilherme II, coroado em 1888, tentou expandir os domínios coloniais. O imperador alemão queria um "lugar ao sol", como disse mais tarde, em 1897, o chanceler Bernhard von Bülow.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DW
Colónias alemãs
Foram conquistados territórios no Pacífico (Nova Guiné, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Salomão e Samoa) e na China (Tsingtao). A Conferência de Bruxelas em 1890 determinou que o imperador germânico iria obter os reinos do Ruanda e Burundi, ligando-os à África Oriental Alemã. No final do século XIX, as conquistas coloniais alemãs estavam praticamente completas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdades
A população branca nas colónias era uma minoria, raramente representava mais de 1% da população. Uma minoria privilegiada, contudo. Em 1914, cerca de 25 mil alemães viviam nas colónias, menos de metade no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia). Os 13 milhões de nativos das colónias alemãs eram vistos como subordinados, sem recurso ao sistema legal.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século XX
O genocídio contra os povos Herero e Nama no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia) é o mais grave crime na história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes Herero fugiram para o deserto, onde as tropas alemãs bloquearam sistematicamente o acesso à água. Estima-se que morreram mais de 60 mil Hereros.
Foto: public domain
A culpa alemã
Apenas cerca de 16 mil Hereros sobreviveram ao extermínio. Foram depois detidos em campos de concentração, onde muitos acabaram por falecer. O número exato de vítimas continua por apurar e é ponto de controvérsia. Quanto tempo terão sobrevivido os Hereros depois de fugirem para o deserto? Eles perderam todos os seus bens, os seus meios de subsistência e as perspetivas de futuro.
Foto: public domain
Reformas em 1907
Depois das guerras coloniais, a administração das colónias alemãs foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida. Bernhard Dernburg, um empreendedor de sucesso (na imagem, transportado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado dos Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas coloniais da Alemanha.
Foto: picture alliance/akg-images
A ciência e as colónias
Com as reformas de Dernburg foram criadas instituições científicas e técnicas para lidarem com assuntos coloniais. Assim estabeleceram-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África Oriental para investigar a transmissão da doença do sono. A imagem demonstra amostras coletadas nessa expedição.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Uma das maiores guerras coloniais
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos rebelaram-se contra o poder na África Oriental Alemã. Cerca de 100 mil locais morreram na Revolta de Maji-Maji. Apesar de raramente discutido, este continua a ser um importante capítulo da história da Tanzânia.
Foto: Downluke
A perda das colónias
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha assinou o tratado de paz de Versalhes, em 1919, que previa que o país renunciava a soberania sobre as colónias. Cartazes como este demonstram o medo dos alemães de, como consequência, perderem poder económico e viverem na pobreza e na miséria no seu país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições coloniais do "Terceiro Reich"
As aspirações coloniais voltaram a surgir com o nazismo e não apenas em relação à colonização da Europa Central e Oriental, através do genocídio e limpeza étnica. O regime nazi pretendia também recuperar as colónias perdidas em África, como demonstra este mapa escolar de 1938. Os territórios eram vistos como fonte de recursos para a Alemanha.
Foto: DW/J. Hitz
Processo espinhoso
As negociações para uma declaração conjunta do genocídio dos povos Herero e Nama entraram numa fase difícil. Enquanto a Alemanha trava quanto a compensações financeiras, há também deficiências nas estruturas políticas internas da Namíbia. Representantes Herero apresentaram, recentemente, uma queixa à ONU contra a sua exclusão nas negociações em curso.