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"A FRELIMO deve pedir desculpas pelos erros do passado"

24 de junho de 2022

A FRELIMO, no poder em Moçambique desde 1975, completa a 25 de junho 60 anos desde a sua criação. Analistas moçambicanos defendem que o partido deve reconhecer alguns erros do passado e "pedir desculpas" à sociedade.

Mosambik, Wahlkampagne der FRELIMO in Tete
Foto: DW/A.Zacarias

O percurso histórico da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido libertador do país, foi marcado pela morte de algumas das principais figuras, como Eduardo Mondlane - primeiro presidente do partido, Samora Machel - primeiro Presidente de Moçambique independente, entre tantos outros.

Por outro lado, pode-se também destacar a morte de membros fundadores, mortos pelo próprio partido, acusados de serem traidores.

Nesta extensa lista, destacam-se Uria Simango - primeiro vice-presidente do partido, Joana Simeão e Lázaro Kavandame, mortos por fuzilamento sem direito a um julgamento justo.

O historiador moçambicano Yussuf Adam defende uma reflexão profunda dentro da FRELIMO sobre o seu passado histórico.

Yussuf Adam: "Há uma série de questões sobre a história da FRELIMO que deveriam ser refletidas nos manuais escolares"Foto: privat

"Há uma série de questões sobre a história da FRELIMO que deveriam ser refletidas nos manuais escolares", indica o historiador.

Diz ainda Yussuf Adam que os jovens devem saber o "que eram campos de reeducação".

"As boas ideias por detrás da sua existência, os resultados negativos, a constante crítica sobre o desrespeito dos direitos humanos, assassinato de pessoas sem julgamento e a própria forma como isso foi sendo ultrapassado", cita Adam.

Controversos campos de reeducação

A FRELIMO, que se propôs a libertar o povo logo à sua fundação, lançou em 1983 a "Operação Produção", que forçou milhares de pessoas a deixarem as suas famílias rumo ao Niassa.

De acordo com as pesquisas do historiador e antropólogo Omar Ribeiro Thomaz, a "Operação Produção" afetou entre 50 a 100 mil pessoas apenas na cidade de Maputo.

O programa consistia numa ação policial repressiva, destinada a enviar as pessoas alegadamente improdutivas, marginais e prostitutas das grandes cidades para as zonas rurais com baixa densidade demográfica, em particular para a província do Niassa.

O processo, defende o pesquisador Salvador Forquilha, "criou marcas profundas em famílias e na sociedade, que não se esquecem de um dia para o outro".   

A FRELIMO deve "olhar para história com coragem", defende Salvador ForquilhaFoto: DW/B. Darame

"Olhar para a história com coragem”

Forquilha advoga, no entanto, que é "preciso olhar para a história com coragem e reconhecer os erros". "E a FRELIMO tem responsabilidade nisso", diz.

Isso seria benéfico "não só para a própria FRELIMO, mas para o país todo", sublinha Forquilha, acrescentando que "nós ainda não estamos reconciliados com a nossa própria história como país".

Mas o veterano de luta armada de Moçambique e membro fundador da FRELIMO Mariano Matsinhe encara este assunto de outra forma.

"Pedir perdão porquê?", questiona Matsinhe, garantindo que "[o partido] não fez isso propositadamente".

Para o veterano, o projeto tinha e ainda tem mérito. "A ideia principal era colocar todos os desempregados a fazer qualquer coisa, porque Moçambique é grande. Não fizemos nenhum erro", insistiu.

No entender do historiador Yussuf Adam, os campos de reeducação foram um "absurdo", justificando no entanto que "a única coisa que estes [campos de reeducação] tinham de reeducação, de mudança e ressocialização, era o nome. Mas, na prática, eram cadeias onde quem lá vivia pagava um preço alto", afirma Adam.

O general na reserva Mariano Matsinhe nega que os campos de reeducação tivessem sido campos de tortura, mas reconhece: "houve muitas falhas, porque não tínhamos experiência nessa área e tivemos que abandonar a ideia".

João Colaço, sociólogo e docente universitárioFoto: privat

Pedido de perdão

O sociólogo João Colaço considera ter chegado a hora de o partido FRELIMO "reconhecer o seu erro e pedir desculpas à sociedade moçambicana", justificando ser esta  "a melhor forma para as famílias moçambicanas se reencontrarem e abraçarem, de modo a caminhar juntos rumo à unidade nacional".

Colaço alerta que, caso a FRELIMO não se reconcilie com a sua história, "sem sombras de dúvidas podemos partir para uma situação em que num contexto perca o poder e haja uma espécie de vingança e de ajustes de contas".

"Isso não ajudaria para a consolidação [de Moçambique] como um país que se pretende uno e indivisível", realça.

O pesquisador Salvador Forquilha lamenta que não haja no país um debate sobre este passado "cinzento" da FRELIMO, "isso é como se fosse um tabu, e não ajuda o país".

Mas, Yussuf Adam acredita que, tarde ou cedo, estes temas tidos como tabu virão à tona de forma natural.

"Porque se não mudas, morres", prevendo que a FRELIMO terá de o fazer, "porque é a própria realidade que [lhe] impõe isso".

Aliás, há já no país livros que contam a outra versão da história oficial sobre "Uria Simango e Lázaro Kavandame", aponta Yussuf Adam, explicando igualmente, que muitos académicos nacionais têm procurado estudar estas figuras históricas do país.

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08:59

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