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"60% dos moçambicanos" sem acesso a legislação nacional

1 de agosto de 2019

Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique lembra, num relatório, que as leis são para ser lidas por todos e não só por quem fala português. Por isso, é preciso divulgá-las nas línguas locais.

Foto: DW/Johannes Beck

O relatório foi divulgado esta quinta-feira (01.08) mas é referente a 2017. Entre os temas mais prementes daquele ano, a Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) aponta para a falta de divulgação dos instrumentos legais nas línguas locais.

Xavier Sicanso, membro da Comissão dos Direitos Humanos da OAMFoto: Ordem dos Advogados de Moçambique

Xavier Sicanso, jurista e membro da Comissão dos Direitos Humanos da OAM, critica por isso que se negligencie as populações não falantes de língua portuguesa: "Está a falhar o conhecimento dos direitos, porque a legislação toda que é adotada pelo Estado moçambicano é sempre criada e adotada em língua portuguesa", afirma Sicanso em entrevista à DW África.

Mais de metade da população moçambicana não fala a língua portuguesa, refere: "Estamos a falar de um país com 27 ou 28 milhões de habitantes em que só cerca de 41% é que falavam língua portuguesa. Isso quer dizer que quase 60% da população moçambicana não tinha acesso a estes instrumentos legais".

Em julho, foram publicadas traduções da Constituição da República de Moçambique em emakhuwa e changana, as línguas mais faladas do país. Mas, no relatório, são sugeridas outras formas de combate à desinformação sobre os instrumentos legais, como a criação de panfletos nas línguas locais ou através de programas nas rádios locais.

Versões da Constituição moçambicana em changana e emakhuwaFoto: DW/A. Chissale

Além disso, segundo a OAM, continuam a existir outros desafios, nomeadamente no acesso da população às instituições do Estado pela Internet: "Os sites das instituições governamentais não funcionam como deve ser. Existe lentidão e alguns sites nem sequer abrem", comenta Xavier Sicanso.

"Lançamos um grande desafio ao Governo no sentido de potenciar esses sites, para que o cidadão, desejando aceder aos mesmos, possa fazê-lo sem dificuldades", afirma.

Direitos LGBT

Quanto à questão dos direitos da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgéneros), o relatório considera que existe um quadro legal favorável em Moçambique - nomeadamente, porque o artigo 35 da Constituição evoca o princípio da igualdade e da não discriminação e porque a lei das associações do país permite organizações de apoio às minorais sexuais.

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Porém, algo está a falhar porque a Associação Moçambicana para a Defesa das Minorias Sexuais (LAMBDA) não consegue ser reconhecida desde 2008: "Não existe um impedimento legal, mas é uma questão de implementação. Parece-nos, sim, que existe falta de vontade política. Em termos legais, não existe nenhuma barreira", afirma Xavier Sicanso.

No que toca ao ambiente social, Sicanso não descarta a continuidade da ocorrência de crimes contra os direitos das pessoas LGBT.

"Já se esteve numa situação pior. As minorias sexuais já se colocam nas ruas sem muito preconceito, ao contrário do que acontecia antes. Mas não vamos negar que, em um ou outro caso, ainda existe algum estigma e alguns maus-tratos que esses membros costumam sofrer, nos locais de trabalho e mesmo em instituições de ensino", diz.

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Casamentos forçados

Por outro lado, os casamentos forçados em Moçambique ainda eram uma realidade muito premente em 2017.

"Estamos a falar numa altura em que o país se encontrava em décimo lugar ao nível mundial no que se refere a essa prática. Estamos a falar de quase 50% das raparigas a casar antes dos 18 anos", recorda o membro da Comissão dos Direitos Humanos da OAM.

Com a nova lei contra as uniões de menores de 18 anos aprovada em julho no Parlamento, a realidade dos casamentos forçados pode ter os dias contados, segundo Sicanso. A nova legislação "prevê penalizações, penas de prisão, tanto para os pais que consentem que as suas filhas sejam dadas em casamentos, como para os líderes que celebram esses casamentos", refere. E, "para além de criminalizar, refere que é preciso criar outros passos, como por exemplo a divulgação e sensibilização da própria comunidade."