65 mil pessoas sem direito a asilo permanecem na Alemanha
6 de abril de 2018Em 2014, o nigeriano John (nome fictício) recebeu uma carta a informar que o seu pedido de asilo tinha sido rejeitado. Nessa altura, já vivia há três anos na Alemanha. As autoridades de imigração querem deportar John, mas não o podem fazer, porque ele não tem passaporte. Ele diz que o documento foi roubado. Sem passaporte, não há forma de fazer a viagem da Baviera para a Nigéria.
"A autorização excecional para se manter na Alemanha continua a ser prolongada, a cada mês", disse à DW o seu advogado Lothar Panzer, que dá apoio jurídico a requerentes de asilo. "Todos os meses ele dirige-se às autoridades e renova a autorização", explica.
John é um entre as centenas de milhares de estrangeiros a viver na Alemanha como requerentes de asilo que foram rejeitados. Há várias razões para não serem deportados: porque estão doentes, porque não há forma segura de regressarem aos países de origem, porque os seus países estão em guerra ou porque são considerados apátridas. Ou, como no caso de John, porque não têm passaporte ou outro documento de identificação.
Respostas "extremamente raras"
De acordo com o Ministério do Interior, só no ano passado, 65 mil pessoas que deveriam ter deixado a Alemanha obtiveram uma autorização excecional para permanecer no país porque não tinham documentos, quase o dobro do número registado no ano anterior. Este aumento está relacionado com o grande número de refugiados que chegaram à Alemanha em 2015 e 2016, disse à DW Ernst Walter, presidente do Sindicato da Polícia Federal (DPolG, na sigla em alemão). A Polícia Federal é a entidade responsável por deportar aqueles a quem é pedido que deixem o país.
"Também tem a ver com o facto de cada vez mais pessoas tentarem mascarar a sua identidade para evitarem o risco de ser deportadas", afirmou Walter. "Como autoridades, o nosso trabalho é fazer cumprir a lei. Mas o que não pode acontecer é que uma pessoa que deitou fora o passaporte para esconder a sua identidade fique com direito a residência, enquanto quem é honesto é deportado."
"É por isso que é importante clarificar as origens e identidades dos requerentes de asilo que são rejeitados e dar-lhes um passaporte de substituição", defende Ernst Walter. Acrescenta ainda que a Polícia Federal está bem preparada para estas situações, pois está em contacto constante com as forças policiais de outros países. Mas, de acordo com um relatório interno do Ministério do Interior, citado pela imprensa, a cooperação com autoridades estrangeiras pode demorar bastante tempo. Na Índia, diz o relatório, o processo de candidatura de um passaporte substituto é "às vezes lento ou até inexistente", no Paquistão é "retardado" e no Líbano as "respostas [aos pedidos] são extremamente raras".
Pressão de Berlim
O Ministério do Interior quer aumentar a pressão nos países de origem que não cooperam, particularmente porque a falta de documentos é a principal causa para obter a autorização especial para permanecer na Alemanha.
A moeda de troca poderia ser "política de ajuda ao desenvolvimento, política de obtenção de vistos", disse Johannes Dimroth, um porta-voz do Ministério, que pretende explorar "todas as possibilidades na relação bilateral". Afinal, os países de origem são obrigados a receber de volta os seus cidadãos, realçou o porta-voz.
Mas estas ideias não têm o apoio do Ministério da Cooperação Económica e Desenvolvimento, que prefere concentrar-se na introdução de medidas positivas. O ministro Gerd Müller, da União Social-Cristã (CSU), anunciou um valor anual de 500 milhões de euros para o financiamento de emprego e estágios para quem regresse ao Iraque, Nigéria, Afeganistão e outros países. Müller espera que esta oferta convença entre 20 mil a 30 mil requerentes de asilo a regressar voluntariamente.
Cooperação obrigatória
O simples facto de faltar um passaporte não é prova de má intenção de um indivíduo. Muitas vezes os traficantes de refugiados tiram-lhes os documentos, disse à DW Claus-Ulrich Prölss. O chefe do Conselho de Refugiados de Colónia lembra que algumas pessoas destroem os documentos logo no início da viagem, devido ao medo da polícia e militares nos seus países, como o caso da Eritreia, por exemplo.
"Claro que uma pessoa deve apresentar o seu passaporte, se tiver um, para que a sua identidade seja estabelecida desde o início", disse Prölss. "Um passaporte por si só não é razão suficiente para deportar alguém, tem de haver outras razões." Pröllss também aconselha os requerentes de asilo a não darem informações falsas sobre eles próprios à polícia, pois isso pode ser usado contra eles, se não imediatamente, mais tarde, quando já estão integrados e no processo de obter o direito à residência.
"Depois chegam pessoas aos centros de apoio e dizem que trocaram as letras do nome, ou mudaram a data de nascimento, e isso é um problema, porque em muitos casos, enganar as autoridades sobre a sua identidade vai desqualificá-los na obtenção do direito à residência", explica.
Se perderam os passaportes, os requerentes de asilo devem ajudar as autoridades a obter um novo documento e esclarecer a sua identidade. Se não cooperarem, as autoridades poderão procurar os seus telefones e casas e impor multas. John foi multado por "falhar na cooperação de aquisição de documentos". Ele recorreu da decisão, mas o tribunal decidiu manter a multa de 700 euros, o que é muito dinheiro para ele. Entretanto, já foi à embaixada da Nigéria candidatar-se a um novo passaporte.