Moçambique, que terá resistido longamente às pressões dos EUA para agir contra um eventual islamismo radical, pode ter finalmente cedido, entende analista. E o ex-ministro das Finanças pode estar na base da resignação.
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Os Serviços de Informação e Segurança do Estado de Moçambique (SISE) pediram ao governo da cidade de Maputo para mapear mesquitas. A intenção surge no contexto dos ataques armados realizados por homens até agora não devidamente identificados na província nortenha de Cabo Delgado. É que vários setores assumem que se trata de terrorismo associado ao Islão.
Andre Thomashausen, especialista em direito internacional, cola o manifesto interesse de controlo as mesquitas ao processo de extradição do ex-ministro das Finanças, Manuel Chang: "É possível que tenha havido um entendimento político agora durante a recente visita do sub-secretário assistente para África, o sr. Nagi, que esteve em Maputo para a Cimeira de Negócios África-EUA.
"É possível que aí tenha havido algum entendimento de que possivelmente os EUA iriam abandonar a resistência contra a extradição de Chang para Moçambique tendo como contrapartida um maior desempenho de Moçambique no combate ao fundamentalismo islâmico", argumenta o especialista.
Moçambique: Terá sido Manuel Chang uma moeda de troca?
Movimentações com marcas norte-americanas em Maputo?
E neste âmbito, supõe-se que o controlo cerrado agora iniciado tenha tentáculos norte-americanos.
E Andre Thomashausen lembra "que de repente nesta última semana houve uma movimentação contra as mesquitas em Maputo, houve atuação de empresas de segurança privadas americanas e parece que existe um novo braço de ferro contra o que se suspeita ser um islamismo fundamentalista em Moçambique."
Respeito à soberania tem sido um discurso, ou chavão, repetido não apenas por políticos, mas também por intelectuais e outros setores. Caso para questionar onde cabe agora esse bem maior da nação com a entrada de empresas de segurança estrangeiras em assuntos de segurança nacional.
Governo e a sua resistência de realce
E embora aparentemente Moçambique não tenha resistido a pressão do EUA, Thomashausen sublinha positivamente o finca-pé que Maputo conseguiu fazer no frente a frente com a potência mundial e compara mesmo com um país irmão.
"Moçambique por enquanto tem resistido as pressões nesse sentido, ao contrário de Angola. Angola até chegou ao ponto de arrasar mesquistas com buldozers e caterpilars destruíndo os sítios da fé, [mas] Moçambique tem resistido. Penso que agora chegou a um acordo de cooperação em matéria de segurança justamente porque tem havido toda esta série de ataques trágicos e horríveis no norte de Moçambique", exemplifica.
Mas o especialista em direito internacional lembra que as ações firmes poderão ser efetuadas sob a esteira de grandes dúvidas: "Só que por enquanto faltam todas as provas de que se possa tratar realmente de provas do fundamentalismo dito islâmico. As verdadeiras comunidades muçulmanas negam que esse extremismo tenha legitimidade religiosa."
Comunidade muçulmana revoltada?
Mas a aparente intenção de um maior escrutínio às mesquitas já está a causar algum descontentamento no seio da comunidade muçulmana na capital moçambicana.
Diante da intenção de mapeamento das mesquitas, sheik Aminudin Mohamad, presidente do Conselho Islâmico de Moçambique e do Conselho das religiões no país sublinha que "em Moçambique não há nenhuma mesquita que pregue o radicalismo, nem no norte. Alias, o próprio Governo já está a aprovar que os tais insurgentes nem são moçambicanos, são tanzanianos. Então simplesmente o Governo tem de gerir a situação de segurança."
E o líder religioso garante que "as mesquitas não tem nada a ver com isso, se eles tiverem como alvo as mesquitas, então vamos considerar uma posição discriminatória e de perseguição, porque o Islão não é a única religião em Moçambique e além do mais está em Moçambique há mais de 1000 anos e nunca pregou a violência e nem terrorismo então não motivo agora de nós sermos suspeitos de promover esse tipo de atos."
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".