A cabo-verdiana Lucibela numa noite crioula na Alemanha
Júlia Faria
29 de março de 2019
Voz da nova geração cabo-verdiana, cantora concorre em cinco categorias do Cabo Verde Music Awards. Em entrevista à DW, Lucibela fala sobre a responsabilidade de ser apontada com uma das sucessoras de Cesária Évora.
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Em Cabo Verde, diz-se que de cada dez cabo-verdianos, pelo menos um canta. O país tem na música um tesouro único, imortalizado em mornas e coladeiras, e mundialmente conhecido pela voz de Cesária Évora. No rasto do legado deixado pela "diva dos pés descalços”, novas vozes surgem como candidatas a sucessoras. Entre elas, a da cantora Lucibela.
Lucibela comandou uma noite crioula na Alemanha, na última sexta-feira (28.03.), durante a abertura do festival de música Over The Border. No mesmo dia, a cantora Karyna Gomes apresentou a música da Guiné-Bissau ao público em sua maioria alemao. Tendo lugar na cidade de Bona, o evento se prolonga até 7 de abril com atrações cujo talento atravessa fronteiras.
Em entrevista à DW África, Lucibela conta sobre a responsabilidade de manter o legado de Cesária Évora e continuar a levar a música cabo-verdiana para o mundo.
"Grande responsabilidade. A Cesária abriu-nos as portas. Ela levou o nome do nosso país para o mundo todo. Nós agora temos essa responsabilidade de levar adiante o trabalho que ela começou e de não deixar morrer isso. É como costumo dizer, nós não temos nada. Não temos ouro, não temos petróleo. Temos a nossa música”, diz.
Voz jovem, música tradicional
Em sua música, Lucibela faz questão de manter as conexões com as raízes e tradições cabo-verdianas. É esse o tom do álbum "Laço Umbilical”, lançado em 2018, e que rendeu à cantora indicação ao prémio de melhor álbum no evento de premiação Cabo Verde Music Awards.
"Como eu canto música tradicional e estou muito ligada a isso, é onde eu me sinto à vontade, é o que fiz sempre. Laço Umbilical, a música, é uma morna que fala da ligação com a terra onde nascemos, onde crescemos, temos essa forte ligação. E eu tenho. Vivo em Lisboa há apenas quatro anos, nasci e cresci em Cabo Verde. E sinto isso muito presente em mim. As músicas todas falam da vivência do cabo-verdiano”, conta.
Além de concorrer na categoria melhor álbum, a cantora foi indicada para melhor morna, melhor coladeira, melhor intérprete feminina e prémio de artista revelação. Ao todo, foram cinco indicações. Os premiados serão conhecidos em maio, mas Lucibela já considera vitoriosa a trajetória até a indicação.
A cabo-verdiana Lucibela numa noite crioula na Alemanha
"Eu estou muito feliz porque é uma coisa que sempre sonhava. Desde que comecei a cantar, eu disse: ‘eu ainda um dia vou ter o meu trabalho e ser nomeada para os prémios também'. Mesmo que eu não venha a ganhar muitos, para mim já é uma grande conquista”, revela.
Fazer música em Cabo Verde
Aos 32 anos, Lucibela conta que por cerca de dez anos tocou em bares e restaurantes, até conseguir gravar o primeiro disco em 2018. Não foi um caminho fácil, como ela diz não ser para todos que fazem música em Cabo Verde:
"O meu país tem muitos cantores, muitos músicos que não são conhecidos. Vais encontrar muita gente com boa qualidade. Pessoas que podem ter uma carreira, mas que não é tão fácil sair de lá e expandir a música. Eu tenho sorte de estar com a [editora] Lusafrica e através dela ter essa chance de cantar pela Europa e fazer turnês pelo mundo todo. Mas não é uma coisa fácil, mas há muito jovens, mais jovens do que eu, de muito talento em Cabo Verde”, diz.
A cantora vive há quatro anos em Lisboa, onde foi produzido o álbum Laço Umbilical. Com o disco, Lucibela segue em turné pela Europa em 2019, por enquanto sem datas de apresentação no seu país de origem.
Dez cantoras dos PALOP que fazem sucesso na Europa
Cada vez mais cantoras da África lusófona singram na Europa. Cultura, histórias das suas pátrias e o papel da mulher na sociedade são temas recorrentes nas músicas. Cabo Verde é um dos países mais bem representados.
Foto: Wikipedia/Lindaines1995
Aline Frazão
Cantora e compositora de Luanda, detentora de uma voz doce e poética que contrasta com o caráter interventivo e político da sua música. Foi uma das vozes pela libertação dos 15 ativistas detidos em Angola em 2015. Perto de completar 30 anos, conta já com três discos no portfólio e inúmeras passagens por palcos internacionais.
Foto: P. Szymanski
Elida Almeida
Com 25 anos, Elida Almeida pertence à nova geração de músicos de Cabo Verde. Interpreta os ritmos da sua ilha natal, Santiago, como o batuco, funaná e tabanka. Na sua música, é frequente encontrar tópicos que visam a situação das mulheres em Cabo Verde, como a educação e a gravidez na adolescência.
Foto: DW/A. Gensbittel
Cesária Évora
Ícone maior da música cabo-verdiana, levou a história do seu país a todo o mundo. Fonte de inspiração e figura incontornável para as novas gerações conterrâneas. Faleceu em 2011, aos 70 anos. Em março, vai ser homenageada pela ONU no festival "Over the Border" que se realizará em Bona.
Foto: Over the Border Festival
Lura
Nascida em Portugal, só conheceu Cabo Verde na adolescência. A música é a forma de se aproximar das suas origens e dar a conhecer a história do país e do seu povo. Vê na mulher cabo-verdiana uma fonte de inspiração. Entre os reconhecimentos internacionais, destaca-se o álbum "Herança", que, em 2015, foi distinguido entre os dez melhores em todo o mundo, pela revista britânica "Songlines".
Foto: DW/A. Gensbittel
Mayra Andrade
É uma verdadeira cidadã do mundo, mas não esquece as origens cabo-verdianas. Canta em várias línguas, incluindo crioulo. Ao longo da carreira já colaborou com diversos artistas, como a conterrânea Cesária Évora. Chega a ser vista por alguns como a sua sucessora. Em 2008, foi considerada a artista revelação para a BBC3.
Foto: Sony Music
Sara Tavares
Portuguesa mas com as raízes cabo-verdianas bem presentes, a "terra mãe", como canta num dos seus temas. Conta com uma longa e sólida carreira que inclui colaborações com diversos artistas e projetos musicais e até uma participação no Festival Eurovisão da Canção. Depois de um hiato, voltou ao ativo e continua a reinventar-se como artista.
Foto: Günther Klebinger
Karyna Gomes
Em 2016, Karyna Gomes foi a primeira artista guineense a subir ao palco do Africa Festival, o maior e mais antigo festival de música africana na Europa, que se realiza anualmente na Alemanha. Misturando sons tradicionais e modernos, da sua voz saem as histórias da sua terra, com particular destaque para a força feminina.
Foto: DW/A. Gensbittel
Eneida Marta
Sonhadora e otimista que canta a Liberdade. Aliás, esta guineense nasceu quando o seu país caminhava para a independência. Além da música, abraça também as questões sociais: é embaixadora da boa vontade da UNICEF na Guiné-Bissau, focando-se no problema do casamentos infantis. Em 2017, passou pelo palco do Africa Festival, na Alemanha.
Foto: DW/J. Carlos
Mariza
Mariza nasceu em Moçambique, filha de mãe moçambicana pai português. Apesar de se destacar no fado, estilo tipicamente português, é uma artista versátil e não é difícil encontrar ritmos africanos no seu trabalho. Mundialmente reconhecida, esgota as salas de concertos por onde passa. Já foi por duas vezes nomeada para os reconhecidos prémios Grammy.
Foto: q-rious music
Deolinda Kinzimba
Pode ainda não andar pela ribalta internacional, mas, aos 20 anos, a angolana Deolinda Kinzimba fez história ao sagrar-se vencedora da terceira edição do programa "The Voice Portugal", em 2015. A poderosa interpretação de "I will always love you" de Whitney Houston conta com mais de 1 milhão de visualizações no YouTube. Em 2017, lançou o primeiro álbum.