Passam 26 anos desde a abertura democrática na Guiné-Bissau, com a realização das primeiras eleições multipartidárias no país. Mas o país vive uma crise política crónica. A sociedade civil pede "reformas profundas".
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As primeiras eleições multipartidárias guineenses foram realizadas a 3 de julho de 1994. Desde então, a Guiné-Bissau viveu em constante sobressalto, com uma guerra civil, golpes de Estado, assassinatos e crises políticas. Nos últimos 26 anos, a instabilidade política tem sido quase permanente.
No início deste ano, a tensão política voltou a aumentar depois de Umaro Sissoco Embaló ter tomado posse como Presidente da República, sob protesto do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). O partido não reconheceu a vitória de Sissoco Embaló, alegando irregularidades nas eleições presidenciais.
Segundo a investigadora guineense Udé Fati, os problemas no país são estruturais e estão presentes "não só a nível do Governo, como também a nível de todas as instituições da República e também das organizações da sociedade civil e dos particulares que pretendem desempenhar um papel neste processo". Para Fati, ainda não foi possível resolver essas questões no país "porque nos falta uma certa responsabilização com o que é o bem comum, com o que é o património de todos nós".
Escolas na Guiné-Bissau continuam sem aulas
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Os críticos dizem que, por causa da instabilidade política, não tem havido uma política pública consistente para o setor da educação. A situação no ensino foi agravada pelas greves dos professores, no ano passado, e pela pandemia da Covid-19 - há mais de três meses que os alunos estão sem aulas para evitar a propagação da doença.
Por outro lado, a pandemia colocou ainda mais a nu as debilidades no sistema de saúde guineense. No final de maio, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento escreveu num relatório que "se em tempos normais o sistema de saúde local é altamente frágil, com a Covid-19 pode colapsar".
Instabilidade guineense
A Guiné-Bissau já realizou seis eleições legislativas e igual número de presidenciais, mas a estabilidade e o progresso continuam a ser uma miragem. Nenhum Governo resultante das eleições conseguiu completar os quatro anos de mandato e só por uma vez um Presidente eleito atingiu os cinco anos de exercício.
26 anos depois das primeiras eleições multipartidárias, os guineenses ouvidos nas ruas de Bissau pela DW África reprovam o percurso democrático do país: "A democracia na Guiné-Bissau já está corrompida", afirma Sadibo Mané, ativista social.
Para o recém-formado Bacar Fati, a democracia não existe no país: "Vi que nenhum partido conseguiu terminar o seu mandato desde que há democracia na Guiné-Bissau. É por isso que diria que a democracia não existe".
Culpa dos partidos?
Segundo o professor Inácio Nhante, o problema está no funcionamento dos partidos políticos. "É difícil saber qual é a ideologia desses partidos. É um dos motivos das constantes instabilidades do país".
Para garantir a paz e estabilidade efetivas, o jornalista Bacar Camará defende "reformas profundas" na democracia guineense, "para evitar a mercantilização da democracia".
"O que se assiste hoje, volvidos mais de 20 anos, é a mercantilização da democracia por parte de uma classe política. Naturalmente, a democracia não se faz com este tipo de comportamento e de negócio. A política não é negócio", conclui o jornalista.
Guiné-Bissau: O país onde nenhum Presidente terminou o mandato
Desde que se tornou independente, a Guiné-Bissau viu sentar na cadeira presidencial quase uma dúzia de Presidentes - incluindo interinos e governos de transição. Conheça todas as caras que passaram pelo comando do país.
Foto: DW/B. Darame
Luís de Almeida Cabral (1973-1980)
Luís de Almeida Cabral foi um dos fundadores do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e também o primeiro Presidente da Guiné-Bissau - em 1973/4. Luís Cabral ocupou o cargo até 1980, data em que foi deposto por um golpe de Estado militar. O antigo contabilista faleceu, em 2009, vítima de doença prolongada.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-T0111-320/Glaunsinger
João Bernardo Vieira (1980/1994/2005)
Mais conhecido por “Nino” Vieira, este é o político que mais anos soma no poder da Guiné-Bissau. Filiado no PAIGC desde os 21 anos, João Bernardo Vieira tornou-se primeiro-ministro em 1978, tendo sido com este cargo que derrubou, através de um golpe de Estado, em 1980, o governo de Cabral. "Nino" ganhou as eleições no país em 1994 e, posteriormente, em 2005. Foi assassinado quatro anos mais tarde.
Foto: picture-alliance/dpa/L. I. Relvas
Carmen Pereira (1984)
Em 1984, altura em que ocupava a presidência da Assembleia Nacional Popular, Carmen Pereira assumiu o "comando" da Guiné-Bissau, no entanto, apenas por três dias. Carmen Pereira, que foi a primeira e única mulher na presidência deste país, foi ainda ministra de Estado para os Assuntos Sociais (1990/1) e Vice-Primeira-Ministra da Guiné-Bissau até 1992. Faleceu em junho de 2016.
Foto: casacomum.org/Arquivo Amílcar Cabral
Ansumane Mané (1999)
Nascido na Gâmbia, Ansumane Mané foi quem iniciou o levantamento militar que viria a resultar, em maio de 1999, na demissão de João Bernardo Vieira como Presidente da República. Ansumane Mané foi assassinado um ano depois.
Foto: picture-alliance/dpa
Kumba Ialá (2000)
Kumba Ialá chega, em 2000, à presidência da Guiné-Bissau depois de nas eleições de 1994 ter sido derrotado por João Bernardo Vieira. O fundador do Partido para a Renovação Social (PRS) tomou posse a 17 de fevereiro, no entanto, também não conseguiu levar o seu mandato até ao fim, tendo sido levado a cabo no país, a 14 de setembro de 2003, mais um golpe militar. Faleceu em 2014.
Foto: AP
Veríssimo Seabra (2003)
O responsável pela queda do governo de Kumba Ialá foi o general Veríssimo Correia Seabra, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Filiado no PAIGC desde os 16 anos, Correia Seabra acusou Ialá de abuso de poder, prisões arbitrárias e fraude eleitoral no período de recenseamento. O general Veríssimo Correia Seabra viria a ser assassinado em outubro de 2004.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Bordalo
Henrique Rosa (2003)
Seguiu-se o governo civil provisório comandado por Henrique Rosa que vigorou de 28 de setembro de 2003 até 1 de outubro de 2005. O empresário, nascido em 1946, conduziu o país até às eleições presidenciais de 2005 que deram, mais uma vez, a vitória a “Nino” Vieira. O guineense faleceu, em 2013, aos 66 anos, no Hospital de São João, no Porto.
Foto: AP
Raimundo Pereira (2009/2012)
A 2 de março de 2009, dia da morte de Nino Vieira, o exército declarou Raimundo Pereira como Presidente da Assembleia Nacional do Povo da Guiné-Bissau. Raimundo Pereira viria a assumir de novo a presidência interina da Guiné-Bissau, a 9 de janeiro de 2012, aquando da morte de Malam Bacai Sanhá.
Foto: AP
Malam Bacai Sanhá (1999/2009)
Em julho de 2009, Bacai Sanhá foi eleito presidente da Guiné Bissau pelo PAIGC. No entanto, a saúde viria a passar-lhe uma rasteira, tendo falecido, em Paris, no inicio do ano de 2012. Depois de dirigir a Assembleia Nacional de 1994 a 1998, Bacai Sanhá ocupou também o cargo de Presidente interino do seu país de maio de 1999 a fevereiro de 2000.
Foto: dapd
Manuel Serifo Nhamadjo (2012)
Militante do PAIGC desde 1975, Serifo Nhamadjo assumiu o cargo de Presidente de transição a 11 de maio de 2012, depois do golpe de Estado levado a cabo a 12 de abril de 2012. Este período de transição terminou com as eleições de 2014, que foram vencidas por José Mário Vaz. A posse de “Jomav” como Presidente marcou o regresso do país à ordem constitucional no dia 26 de junho de 2014.