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A democratização da Etiópia em causa

Henry-Laur Allik
9 de julho de 2020

O primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed recebeu o Nobel da Paz por ter terminado uma guerra. Mas a esperança suscitada pelas suas medidas de democratização poderá morrer com a repressão violenta dos protestos anti-Governo.

Foto: Ethiopian Broadcasting corporation

O primeiro ministro Abiy Ahmed reagiu com mão-de-ferro aos protestos resultantes do assassinato do popular músico oromo Haacaaluu Hundeessaa, na semana passada. Até ao momento, 239 pessoas foram mortas e 3.500 presas, incluindo líderes da oposição. O Governo bloqueou a Internet. Soldados e a polícia patrulham as ruas da capital Adis Abeba.

O cenário faz lembrar crises semelhantes em países liderados por autoridades autoritárias. Mas a Etiópia, até há bem pouco tempo, era considerada pelo resto do mundo um exemplo brilhante de democratização em África. Abiy Ahmed, que chegou ao poder em 2018, rapidamente fez a paz com a vizinha Eritreia, pondo fim a uma guerra longa e dispendiosa. O jovem político restaurou direitos civis como a liberdade de imprensa e de opinião e prometeu uma Etiópia nova e democrática. Em reconhecimento dos seus esforços foi-lhe atribuído o Prémio Nobel da Paz em 2019. Tendo em conta os desenvolvimentos atuais, terá sido uma decisão precipitada do Comité Nobel?

Boatos exacerbam a insegurança

"Trata-se de um desenvolvimento muito desafiador para o primeiro-ministro", disse à DW, Ahmed Soliman, do instituto de pesquisa londrino Chatham House. Segundo o analista, "[Abiy] precisa de acalmar a situação e resolvê-la. O seu maior desafio, desde que assumiu o poder, é como unir todas as nações que compõem a Etiópia". A estratégia de Abiy inclui desvalorizar as suas próprias origens oromo, num esforço de ser o representante dos interesses de todos os etíopes.

O assassinato do popular cantor Haacaaluu Hundeessaa desencadeou uma onde letal de protestosFoto: Reuters/T. Negeri

Esta semana, a situação acalmou. Mas proliferam rumores no país que aumentam o clima persistente de incerteza, conta o correspondente da DW em Adis Abeba, Yoahannes Geberegziabeher. "Disseram que a água tinha sido envenenada, e as pessoas entraram em desespero. As autoridades tiveram que negá-lo. Depois, disseram que o primeiro-ministro tinha sido morto. Os rumores visam encorajar mais pessoas a juntarem-se à rebelião em Adis".

Geberegziabeher também descreveu o rasto de destruição na capital e arredores. "Considerando quem são os mortos e feridos, há indícios claros de que foram visados por razões étnicas", disse.

O regresso à repressão

Na sexta-feira, Abiy culpou "dissidentes" pela morte do cantor de protestos Hundeessaa, e pela violência subsequente que, segundo ele, foi uma "tentativa coordenada" de desestabilizar o país. Esta semana, o primeiro-ministro apontou o dedo a forças não identificadas mas conotadas com o estrangeiro, que teriam lançado a confusão para o impedir de avançar com o seu projeto de uma mega-barragem no Nilo Azul. O Egito e o Sudão opõem-se ao projeto, por recearem perder o acesso à água do rio. Apesar das negociações em curso, os três países ainda não chegaram a um acordo.

Também os etíopes no exílio, como em Frankfurt, na Alemanha, organizaram protestosFoto: DW/E. Fekade

O pesquisador Ahmed Soliman vê uma ligação entre a reação dura do Governo aos protestos, eles próprios violentos, e a fragilidade da situação política. "A cena política bastante fraturada", explicou. O problema não se limita ao conflito entre diferentes grupos étnicos neste país de 100 milhões de habitantes. Políticos do Congresso Federalista Oromo, como Jawar Mohammed, também foram detidos. "Jawar é um líder oromo muito proeminente e tem usado o seu perfil para pressionar pelos interesses nacionais oromo", diz Soliman. "Claramente representa um desafio político para o primeiro-ministro".

Apelo à reconciliação nacional

A causa de Abiy já sofrera antes, quando decidiu adiar as eleições agendadas para agosto de 2020 por um ano devido ao coronavírus. Os críticos acusaram-no de usar a pandemia como pretexto para se manter no poder. Agora, dizem, o primeiro-ministro está a reintroduzir as táticas do Estado repressivo e autoritário que prometeu reformar. "Na qualidade de antigo líder sénior na EPDRF [Frente Democrática Revolucionária Popular Etíope, antiga coligação no poder], penso que ele está a usar táticas que conhece muito bem", diz Soliman.

Embora convencido de que as reformas democráticas impulsionadas por Abiy mudaram o país, Soliman também vê com apreensão "a facilidade com que as forças de segurança voltam aos instrumentos familiares de repressão, "como cortar a Internet, prender críticos e acusar jornalistas de promoverem a violência. Não é nada disto que se pretende".

Muitos críticos de Abiy dizem que foi um erro distingui-lo com o Prémio Nobel da PazFoto: picture alliance/AP Photo/NTB scanpix/H. M. Larsen

Murithi Mutiga do International Crisis Group, um think tank vocacionado para a pesquisa de paz e segurança, é um dos muitos observadores que apelam a uma rápida normalização da situação. "Faria mais sentido envidar esforços para criar uma atmosfera de reconciliação e diálogo", disse, sublinhando que os acontecimentos da semana passada representaram o maior desafio até agora para a transição da Etiópia para uma democracia.

Responsabilidades

A situação acalmou agora em Adis Abeba e em partes de Oromia, o território oromo que cerca a capital e de onde surgem periodicamente reivindicações de maior autonomia. Mas "a escala da violência, o grau de insatisfação e o perigo de instabilidade" continuam bastante elevados, disse Mutiga.

Os analistas concordam que foi a iniciativa de Abiy de abrir o espaço político que deu aos etíopes a oportunidade de manifestarem as suas reivindicações políticas e étnicas - algo que os regimes autoritários do passado não autorizavam. Mas a verdade é que continuam os abusos cometidos pelas forças de segurança contra a população civil, como revelam relatórios compilados por várias organizações de direitos humanos.

Na semana passada, Abiy prometeu que os responsáveis por ações violentas e destrutivas serão responsabilizados. Essa pode ser uma faca de dois gumes.

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