A "desumanização" dos refugiados do norte de África
28 de abril de 2015 O mar está calmo. Madhi Isaac, porém, olha para o Mediterrâneo com perplexidade. Não acredita que sobreviveu à travessia: “Não é algo que um ser humano possa enfrentar. Estamos a arriscar a nossa vida”.
Madhi tem 40 anos. Saiu do Benin há 7 meses. Atravessou a pé e à boleia o Níger e o deserto da Líbia até chegar a Trípoli. “Paguei duas vezes. Paguei aos passadores 1,4 mil dinares (cerca de mil euros) para vir de Trípoli até aqui e depois paguei para que não me empurrassem para fora do barco”.
O refugiado conta como chegou à Itália: “Fomos colocados num barco pequeno em Trípoli. Agradecemos a Deus. Quando entramos no barco, cristãos e muçulmanos, começamos a rezar para que chegássemos vivos ao destino. Deus ouviu as nossas preces e conseguimos chegar”.
A perigosa travessia da Líbia para a Itália demorou quinze horas. Madhi foi resgatado em alto mar juntamente com outros 60 migrantes. E explica todo este sacrifício mesmo arriscando a própria vida.
“Foi por causa do meu futuro que vim. Se tivesse um futuro no meu país eu não sairia de lá. Teria ficado no meu país para construir o meu futuro. Mas no Benin não há futuro. Eu tive que encontrar uma solução fora do Benin. É por isso que vim para a Itália”.
Condições degrandantes
Outro sobrevivente, Gibrail Sowe, de 22 anos, oriundo da Gâmbia, também justifica a travessia perigosa: “Não é fácil. A vida é colocada permanentemente em risco. Tudo se resume à pobreza. Você não vai conseguir nada ao ficar lá”.
Madhi e Gibrail estão atualmente num abrigo improvisado num ginásio para onde os sobreviventes da travessia foram encaminhados. Estão com sarna e piolhos e não podem seguir viagem até que estejam completamente curados.
Lá também está Nahom Aron, de 21 anos, da Eritréia. Depois de ser resgatado, permaneceu dois dias a bordo de um navio da marinha italiana. Durante a travessia, ficou a maior parte do tempo no porão do barco.
Aron recorda esse período: "Faltava ar, era muito quente. Vomitaram em cima de mim, para dentro das minhas roupas. É muito difícil recordar isso”.
O eritreu sonha em ir para a Suíça, onde teria amigos e parentes. Quando lhe foi perguntado quanto pagou aos passadores, uma vez que havia dito que não tinha dinheiro, Aron disse que se tratava de “blood money, black market” , ou seja, dinheiro de sangue, mercado negro, e se afastou do repórter da DW África.
Crianças protegidas
Noutro abrigo, meninos de 10 e 11 anos jogam a bola no pátio. Algo trivial se estes meninos não fossem sobreviventes dos recentes naufrágios no Mediterrâneo. Uma creche em Reggio Calábria, no sul da Itália, foi transformada num centro de acolhimento de emergência sómente para os migrantes menores.
Eles negaram-se a ser identificados pelos serviços italianos da imigração. E por serem menores, têm assim mesmo a proteção do Estado italiano até completarem 18 anos de idade. Mas também querem evitar serem registados na Itália, já que muitos deles pretendem chegar a outros países da União Europeia.
O clima é de tensão. Um autocarro do ministério da Imigração italiano aguarda do lado de fora: deveria seguir viagem com pelo menos quarenta menores em direção aos centros de educação sociais na Itália. Mas muitos deles não aceitam, não querem que o grupo se divide.
Evitam conversar com o correspondente da DW África, escondem o rosto diante da máquina fotográfica. São mais de 150 menores, entre meninos e meninas, que, sem documentos, são apenas números.
Números de uma suposta rede internacional de tráfico de pessoas que ninguém afirmou existir, mas que se faz perceber pelos 'olheiros' entre os menores.
A missionária italiana Lina Guzzo estava lá. Para ela, a presença destes ‘olheiros’ que controlam todos os passos dos menores é um sinal claro desta rede de traficantes. “Para mim, esta atitude dá a entender que eles têm domínio sobre os pequenos. Uma vez fora dos centros de educação sociais, não sei o que irá acontecer a estes menores. Ou tornam-se como estes aqui, opressores, ou acabam mortos, desaparecem.”
Ações da UE são ajustadas ao caso?
Junto com Madhi, Gibrail e Mahon está o padre Bruno Mioli, de 86 anos, que leva esperança aos migrantes que chegam à Itália. Empresta o telemóvel, com consentimento da polícia, para que possam entrar em contato com parentes e amigos na Europa. O telefone é monitorado pela Interpol.
Padre Bruno levanta a voz contra Estrasburgo. Diz que a ajuda financeira à operação Triton veio tarde e destaca que é preciso atacar o problema pela raiz.