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A difícil vida dos cristãos na Coreia do Norte e na China

Klaus Krämer/ Tian Miao/ Cristiane Vieira Teixeira1 de março de 2014

Em muitos países do mundo, os cristãos não podem exercer livremente a sua religião. Em dois estados comunistas na Ásia, a Coreia do Norte e a China, muitos preferem viver sua fé na clandestinidade a sofrer perseguições.

Cristãos durante uma missa de domingo na igreja Chilgol em Pyongyang. Antes da guerra da Coreia, a capital norte-coreana foi o centro das atividades dos missionários protestantes e é agora oficialmente ateístaFoto: picture-alliance/dpa/dpaweb

Os poucos cristãos que vivem na Coreia do Norte têm que permanecer incógnitos. Oficialmente, são considerados inimigos do Estado. David Atkinson está muito preocupado com o destino dos cristãos neste país asiático. O teólogo evangélico é responsável por informações e pesquisas no ramo alemão da organização interdenominacional internacional Missão Portas Abertas, dedicada a apoiar cristãos perseguidos em países onde o cristianismo é legalmente desencorajado ou reprimido.

Há mais de uma década, a Coreia do Norte ocupa a primeira posição na Classificação de Países por Perseguição, anualmente divulgada pela Portas Abertas. Lá há muito que fazer, segundo Atkinson. “Nossos irmãos e irmãs de fé no local dizem: precisamos de suas orações," diz.

Por esta razão, a Portas Abertas organiza com frequência grandes convocatórias de oração. Centenas de multiplicadores – entre eles pastores e trabalhadores das igrejas - levam os pedidos de oração para as suas comunidades predominantemente evangélicas. As intenções estão voltadas para a mesma direção: a Coreia do Norte.

O líder do Estado e do partido no poder, Kim Jong Un, segue a tradição de seu pai e avô. Com cerca de 24 milhões de habitantes, o país permanece fechado.

A ideologia do Estado domina a vida social. Aos poucos cristãos, não restam muitas escolhas, senão permanecerem tão desconhecidos quanto possível. São considerados forças reacionárias. Assim, o perigo ameaça-lhes a vida e a integridade física.

Número de cristãos incerto

Mulher faz oração diante da igreja Sheshan, em Shangai na ChinaFoto: picture-alliance/dpa

O número exato de cristãos vivendo na Coreia do Norte é difícil de calcular, para não dizer impossível. As estatísticas oficiais registram 15 mil cristãos, dos quais dois terços seriam evangélicos. Já de acordo com as estimativas da Portas Abertas, “são pelo menos 200 mil cristãos."

Outros especialistas, no entanto, consideram este número muito alto. É o caso do professor e diretor do Instituto Internacional de Liberdade Religiosa, na Alemanha, Thomas Schirrmacher.

Segundo o professor, existem estimativas de algumas organizações que se baseiam principalmente nas informações fornecidas por refugiados que deixaram o país pela fronteira para a China, o que torna “difícil de verificar, porque não há uma metodologia."

Se por um lado as declarações dos refugiados não podem ser consideradas como dados científicos, o professor Schirrmacher acredita que é possível saber comparando “quantos campos de detenção há, quantas pessoas estão nesses campos e quantos deles são presos políticos – e os cristãos contam como presos políticos."

Sobre os internados, há números da Human Rights Watch, “que estima um total de 600.000 a 700.000 presos," afirma o professor.

O número de cristãos teria se mantido entre 10 a 12% deste total, segundo Thomas Schirrmacher. Isso sugere que, atualmente, mais de 80.000 cristãos podem ter desaparecido atrás do arame farpado que cerca os campos de detenção.

O risco da fé

Cristão norte-coreano em momento de oraçãoFoto: Open Doors

A organização internacional cristã Portas Abertas está ativa em 60 países, com cerca de 1.000 funcionários e teria bons contatos não-oficiais com os cristãos na Coreia do Norte e com os refugiados norte-coreanos.

David Atkinson salienta que os cristãos são considerados inimigos do Estado. “Eles são dissidentes políticos, vivem em um Estado totalitário e têm um outro rei. Eles têm Jesus Cristo como seu rei e isso não é bem visto," explica.

Exceto em quatro paróquias instaladas pelo governo, desde 1988, na capital Pyongyang, a vida da comunidade cristã seria impossível. Um sofisticado sistema de vigilância por parte da polícia, agentes secretos e comitês de vizinhos força os fiéis à clandestinidade, revela Atkinson.

Eles apenas podem viver em círculos residenciais ocultos. “Outros são conectados em grupos de dois, de modo que os riscos sejam menores. E então, podem passear. Parece que estariam falando sobre o tempo, mas eles podem trocar pedidos de oração e estar lá uns para os outros como irmãos e irmãs," diz.

Inteligência secreta a serviço do controle religioso

Muitas vezes, possuir uma Bíblia é suficiente para que toda uma família desapareça em um dos campos de trabalho da Coreia do Norte, afirma especialistaFoto: picture alliance/dpa

Para Thomas Schirrmacher não há dúvidas de que “a Coreia do Norte aprendeu com a China dos anos 1960 e 1970, a forma de se infiltrar nas comunidades para obter as informações necessárias."

De acordo com Schirrmacher, os refugiados norte-coreanos que estão na região da fronteira chinesa, relatam o quão restritivo é o procedimento do Estado com os cristãos. Muitas vezes, possuir uma Bíblia é suficiente para que toda uma família desapareça em um dos campos de trabalho.

Às vezes, os proprietários das Bíblias que se encontram presos nos campos são executados, mas mais frequentemente morrem por meio de trabalhos pesados.

Segundo o professor Thomas Schirrmacher, o serviço secreto norte-coreano seria ativo também no lado chinês e trabalharia lá, aparentemente com a tolerância da China, para encontrar e trazer de volta os refugiados

"O fato de que as pessoas que por isso foram atacadas algum tempo depois já não estejam mais vivas, a este respeito há testemunhas suficientes," garante ele.

A fronteira da Coreia do Norte com a China tem mais de 1.400 quilómetros de extensão. Assim, seria possível que os norte-coreanos sempre pudessem deixar o país – de forma considerada ilegal. Eles se tornaram, porém, a principal fonte de informação para os internos norte-coreanos.

Disso sabia também o regime. Por isso, o serviço secreto norte-coreano seria ativo também no lado chinês e trabalharia lá, aparentemente com a tolerância da China, para encontrar e trazer de volta os refugiados, explica o professor de Bonn, Thomas Schirrmacher.

“Houve também círculos de oração que foram fundados e liderados por agentes da Coreia do Norte para capturar refugiados cristãos do norte,” revela David Atkinson.

Também na China, os cristãos sofrem intimidações e são perseguidosFoto: picture-alliance/dpa

Situação melhor na China

Na República Popular da China, mais de 50 milhões de chineses estão a praticar a sua fé cristã e a situação dos cristãos é claramente melhor do que na Coreia do Norte.

No entanto, muitos cristãos também preferem permanecer incógnitos na China. Eles não querem se conectar às igrejas controladas pelo Estado, arriscando-se à perseguição, à opressão e à prisão.

Foi o que vivenciou o pastor Yun. A partir de 1984, ele ficou preso por quatro anos como um suposto contra-revolucionário em um campo para a chamada "reeducação por meio do trabalho". Em 1991, ele foi novamente enviado para o campo de trabalho. Desta vez, pesavam contra o pastor acusações de "perturbar a ordem social", e de "subversão".

A terceira prisão ocorreu em 1997. Desta vez, ele se aventurou numa fuga e escapou. Finalmente, o pastor Yun encontrou asilo na Alemanha. Sua biografia "O Homem do Céu" foi traduzida em 50 idiomas e é um dos livros cristãos mais vendidos em todo o mundo.

Yun era o chefe de uma igreja doméstica protestante na província de Henan, localizada no norte da China. Essas paróquias se contrapõem às igrejas estatais.

Igrejas ilegais

Cristãos fundaram e até hoje fundam as igrejas domésticas – na clandestinidade. Na foto, o coral da igreja doméstica Shouwang, em Pequim, na ChinaFoto: picture-alliance/ANN

O Movimento Patriótico da Tríplice Autonomia Igreja Protestante e a Associação Patriótica Católica Chinesa foram estabelecidos na década de 1950, sob a direção do Partido Comunista da China para isolar as igrejas no país e controlá-las tão completamente quanto possível.

Para muitos cristãos, esta interferência política vai longe demais. Também Yun não queria ter nada a ver com esta igreja. Segundo o pastor, "não eram os cristãos que conduziam as igrejas oficiais, mas comunistas que acreditam no marxismo-leninismo".

Cristãos como ele, fundaram e até hoje fundam as igrejas domésticas – na clandestinidade. Estas igrejas não são registradas junto ao governo, nem reconhecidas oficialmente e, portanto, são ilegais.

A igreja doméstica Shouwang em Pequim, por exemplo, tem mais de 1.000 membros. Foi tolerada por muitos anos. Mas desde 2011, os membros vêm sendo intimidados e perseguidos.

O pastor e os anciãos estariam há mais de dois anos em prisão domiciliar, relata Bob Fu, fundador da China Aid, uma organização contra a perseguição de cristãos com base nos Estados Unidos.

Nem mesmo as igrejas protestantes oficialmente reconhecidas são poupadas. Recentemente, foi preso o pastor Zhang Shaojie, presidente da Igreja Patriótica local em Puyang, uma cidade na província de Henan.

Ele tentava proteger os fiéis da arbitrariedade e da perseguição das autoridades. Além disso, há cada vez mais conflitos entre a Igreja e as autoridades por causa dos reassentamentos forçados, da corrupção e de outras injustiças.

Cresce o número de cristãos

Oficialmente, a liderança do Papa sobre as Igreja Católica da Associação Patriótica da China não é reconhecidaFoto: Andreas Solaro/AFP/Getty Images

Apesar de todas as dificuldades, o número de cristãos na China está aumentando. Alguns autores calculam em mais de 100 milhões. De acordo com o Escritório Nacional de Assuntos Religiosos, há cerca de 23 milhões de chineses oficialmente registrados como protestantes.

Além disso, segundo um estudo realizado pela Academia Chinesa de Ciências Sociais, pelo menos 45 milhões de protestantes estão organizados em igrejas domésticas.

O número de católicos na China é estimado em cerca de 12 milhões, diz o padre Anton Weber da organização católica China-Zentrum (Centro-China, na tradução literal), no estado alemão da Renânia do Norte-Vestefália.

O número de católicos registrados deve ser em torno de seis milhões, tão alto quanto o das igrejas católicas clandestinas. A China não tem relações oficiais com o Vaticano. E oficialmente, a liderança do Papa sobre a Igreja Católica da Associação Patriótica da China não é reconhecida.

Mas, o padre Weber considera isso, no entanto, pura teoria uma vez que "eles rezam pelo Papa, querem permanecer fiéis e não apenas entre os católicos clandestinos, mas também entre os católicos das igrejas oficiais."

Perseguições a clérigos

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Isto não foi sempre assim, enfatiza o padre Anton Weber. Houve um tempo em que não era permitido rezar pelo Papa. Quem desobedecia ou não se submetia, era perseguido, diz ele. As perseguições eram dirigidas principalmente contra os clérigos das igrejas cristãs, ou seja, contra padres e bispos.

De acordo com o padre, "alguns são condenados a alguns anos de prisão, ou são abusados ou colocados sob prisão domiciliar, ou obrigados a fazer cursos de formação similares a uma lavagem cerebral."

Vários padres e bispos – sobretudo das igrejas clandestinas – estão atualmente sob custódia, afirma o padre Weber. Recentemente, Dom Liu Guandong da Diocese de Yixian morreu com mais de 90 anos de idade. Ele passou 30 anos na prisão.

Em 1981, foi libertado, mas permaneceu sob forte observação. Desde 1997, estava escondido. "Liu rejeitou qualquer tipo de compromisso com as autoridades," conta Weber que conhece muitos destinos semelhantes.

A reforma da economia e a consequente abertura da República Popular da China levou a um certo abrandamento. Mas, quanto à política religiosa do Partido Comunista, Bob Fu da China Aid não vê uma mudança fundamental.

Atualmente, o pastor Yun vive em Frankfurt. Ele mantém contato com sua igreja doméstica evangélica na província de Henan pela internet, porque não pode voltar para a China.

Culto pela manhã de domingo na igreja Mu'en no centro de Shangai, na ChinaFoto: picture-alliance/ROPI
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