"A Guerra Civil em Angola" é a primeira grande investigação sobre o conflito. O historiador Justin Pearce recolheu centenas de testemunhos para compreender como a militância partidária determinou a vida dos angolanos.
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Depois da independência, Angola ficou dividida por um conflito interno que durou quase três décadas, acabando por definir os contornos do poder político angolano até à atualidade. Os principais protagonistas do conflito armado, que só terminou com os acordos de paz de 2002, foram o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).
A população, sobretudo os camponeses e os professores, além de meros militantes partidários, sofreram as consequências brutais daquela que é considerada a mais mortífera e longa guerra civil africana.
São eles os verdadeiros protagonistas de "A Guerra Civil em Angola" (1975-2002), a mais recente obra do sul-africano Justin Pearce, que a editora Tinta da China acaba de publicar em Portugal, com prefácio do jornalista e ativista angolano Rafael Marques.
O investigador da Faculdade de Política e Estudos Internacionais na Universidade de Cambridge reconstituiu a história com base em centenas de testemunhos sobre este conflito para compreender de que forma é que os angolanos se integraram em movimentos políticos rivais e como é que a militância partidária determinou os seus atos e a sua vida.
Escolhas forçadas
Justin Pearce nunca se esquece da história de uma professora raptada pela UNITA, juntamente com um dos filhos, e que foi obrigada a dar aulas numa escola na Jamba, a sede do partido. "Ficou lá durante uma década, até ao fim da guerra, sem mais contacto com o marido nem com os outros filhos que não foram raptados. Ela foi obrigada a ser mulher de um outro homem, um oficial da UNITA", conta o historiador.
"O facto de ser raptada determinou o rumo da vida dela", sublinha em entrevista à DW África, lembrando as consequências das deslocações forçadas. E foram muitos os casos de angolanos raptados pelo MPLA e a UNITA.
Muitas vezes, as pessoas eram forçadas a fazer escolhas, evitando ficar no meio das respetivas forças armadas, como forma de garantir a sua própria segurança. Em todos os casos, o facto de terem escolhido um dos lados beligerantes determinou o rumo das suas vidas ao longo dos anos.
"Nas zonas da UNITA, assim como nas zonas do Governo, havia os chamados quadros, os profissionais: professores, enfermeiros, funcionários públicos. Para eles, a adesãopolítica foi determinada pela possibilidade de preencherem as funções profissionais", explica o historiador.
Havia, por isso, a possibilidade de mudança quando uma pessoa era raptada ou quando se rendia a outro partido. "Havia bastantes quadros da UNITA no tempo de independência que se integraram no MPLA ao longo dos anos", lembra Pearce.
Dividindo a sociedade angolana em três camadas sociais, o autor centra-se na menos privilegiada: a classe dos camponeses. "Para eles, a adesão política era uma questão de sobrevivência: a de aceitar a presença num movimento ou noutro para não ser morto", diz.
Legado da guerra
O legado da guerra ainda está latente na sociedade angolana, argumenta o investigador. Os antagonismos do conflito armado ainda determinam em grande medida a estrutura da política em Angola.
A Guerra Civil que dividiu Angola quase 30 anos
A Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), formada depois por dissidentes dos dois principais partidos políticos angolanos, assumiu uma nova postura, contrariamente ao MPLA e à UNITA, afastando-se da lógica de guerra.
No livro "A Guerra Civil em Angola", o autor lembra as campanhas eleitorais de 2008 e de 2012, durante as quais foi persistente um discurso por parte do MPLA, de culpabilização da UNITA pelo sofrimento da guerra, fomentando até violência contra simpatizantes do partido do Galo Negro.
Também se registou a tendência de revindicação de todo o projeto de reconstrução pós-guerra como uma prenda do MPLA para a nação angolana. De acordo com o historiador britânico, falava-se muito do Presidente Eduardo dos Santos como "o arquiteto da paz". Quinze anos depois do fim da guerra, Justin Pearce quer perceber se tais tendências vão continuar ou não.
Dez anos de paz em Angola
No dia 4 de Abril de a 2002 foi assinado o acordo de paz entre o governo do MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola - e a UNITA - União Nacional para a Independência Total de Angola - , as duas formações políticas que mais influência tinham e têm no país. Dez anos depois, o que como está o país em termos de democracia, desenvolvimento humano, económico e social?
Foto: AP
À terceira foi de vez
A 4 de abril de 2002, o chefe das forças armadas do governo do MPLA, General Armando da Cruz Neto (esq.), e o chefe do estado-maior da UNITA, General Abreu Muengo Ukwachitembo Kamorteiro, trocam o acordo de paz assinado na Assembleia Nacional, em Luanda. Foi o terceiro acordo entre estas duas frações da guerra civil em Angola depois de Bicesse (Portugal) em 1991 e Lusaka (Zâmbia) em 1994.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb
Como tudo começou
A guerra começou com a luta contra o poder colonial. Em 1961 vários grupos lutaram contra os portugueses. O MPLA, apoiado pela ex-União Soviética e por Cuba foi um desses grupos, assim como a UNITA que, inicialmente, teve o apoio da China, e a FNLA que teve o apoio de Mobuto Sese Seko, na altura presidente do então Zaire. Na foto: soldados portugueses em Angola no ano de 1961.
Foto: AP
Guerra entre iguais
Após a saída dos portugueses e a independência formal, a 11 de novembro de 1975, os três movimentos de libertação MPLA, UNITA e FNLA entraram em conflito. O MPLA de orientação marxista contou com apoio soviético e cubano. A UNITA recebeu apoio dos Estados Unidos da América e de tropas sul-africanas.
Foto: picture-alliance/dpa
Refugiados de guerra
Segundo dados do ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mais de 600 mil angolanos refugiaram-se no estrangeiro e cerca de 4 milhões dispersaram-se pelas regiões do próprio país. Na fotografia: refugiados angolanos num acampamento próximo do Huambo no ano de 1999.
Foto: picture-alliance / dpa
Retirada dos soldados cubanos
O general cubano Samuel Rodiles, o general brasileiro Péricles Ferreira Gomes, chefe de um grupo de observadores da ONU e o general angolano Ciel Conceição, a 10 de janeiro de 1989 (da esq. a dt.). Dia em que os primeiros três mil soldados cubanos sairam do país. A retirada foi fixada num acordo assinado em 1988, entre a África do Sul, Cuba e Angola. Cuba orientava o MPLA militarmente desde 1975.
Foto: picture-alliance/dpa
Apoio da ex-República Democrática da Alemanha ao governo do MPLA
O Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, visitou no dia 14 de outubro de 1981 o Muro de Berlim do lado da Alemanha Oriental (RDA). Na Porta de Brandemburgo, recebeu as saudações das tropas de fronteira da República Democrática da Alemanha do Tenente-General Karl-Heinz Drews.
Foto: Bundesarchiv
Primeira tentativa falhada em 1991 e 1992
Depois do acordo de paz de Bicesse (Estoril, Portugal) de 1991, realizaram-se as primeiras eleições presidências do país em 1992. O candidato do MPLA, José Eduardo dos Santos, saiu vencedor, mas sem maioria absoluta na primeira volta. Jonas Savimbi, o líder da UNITA, não aceitou o resultado e nunca chegou a haver uma segunda volta das eleições. A guerra continuou.
Foto: dapd
Segunda tentativa falhada em 1994
Depois do acordo falhado de Bicesse (Portugal) de 1991, houve uma segunda tentativa em Lusaka, na Zâmbia, no ano de 1994. O presidente da Zâmbia, Frederick Chiluba (centro), levanta as mãos do presidente angolano, José Eduardo dos Santos (esq.), e do chefe do movimento de guerrilha UNITA, Jonas Savimbi. Eles celebram o protocolo de Lusaka, mas o país acabou por entrar novamente em guerra.
Foto: picture-alliance/dpa
A morte de Jonas Savimbi
Fevereiro de 2002: Jonas Savimbi, o líder da UNITA, é morto pelos soldados governamentais no leste de Angola. Com a morte da pessoa, que era considerada a mais carismática da oposição em Angola, abriu-se uma nova oportunidade para a paz.
Foto: AP
Paz sem satisfação
Desde 2011 jovens saem às ruas, um pouco por todo o país, para protestar contra os 32 anos de governo do MPLA. Exigem eleições livres e transparentes e o fim do governo de José Eduardo dos Santos. Na imagem: manifestantes em Benguela.
Foto: DW
Petróleo e pobreza
Após 10 anos de paz, petróleo e pobreza abundam no país. De acordo com as Nações Unidas, o petróleo representa 96% das exportações do país. No entanto, de acordo com o Banco Mundial, em 2010, uma em seis crianças morria nos primeiros cinco anos de vida e grande parte da população angolana continua a viver na pobreza. (Autora: Carla Fernandes; Edição: Johannes Beck)