Em 1991, a ilha foi declarada Património Mundial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), organismo que há dois meses pediu às autoridades moçambicanas que terminem "prontamente" a atualização do plano de gestão da ilha, entre outras medidas regulamentares.
Da mesma forma, é pedida com celeridade a redefinição da "zona tampão", permitindo a "proteção de património arqueológico subaquático", assim como obras de emergência no antigo hospital, a par do arranque de ações de manutenção regular dos edifícios públicos.
UNESCO "satisfeita”
Uma equipa da UNESCO visitou a ilha em março e, no relatório final, diz ter ficado satisfeita ao ver algumas obras de requalificação a avançar, assim como a realização de um inventário patrimonial e um registo do tipo de construção - recomendado que venha a incluir também os imóveis tradicionais. "O Estado tem feito progressos face aos desafios colocados", no entanto, "combinar iniciativas privadas de conservação com necessidades locais continua a ser um desafio", refere o documento, destacando a necessidade de "especialistas aconselharem o Estado a encontrar um uso apropriado para a Fortaleza de São Lourenço", depois de as autoridades terem rejeitado a conversão em hotel.
No aspeto imaterial, a UNESCO alerta para desigualdades crescentes e recomenda que haja melhorias "urgentes" nas condições de vida dos bairros tradicionais da ilha, por forma a "adequarem-se ao estatuto de valor histórico para a humanidade" e educando a população como seus guardiões.
O historiador moçambicano Aurélio Rocha defende que é necessário "um projeto de requalificação que tenha pernas para andar", respeitando a "dimensão antropológica do espaço". "É preciso olhar para as pessoas que vivem na Ilha" que podem "não entender muito bem a razão pela qual se está a valorizar o património de pedra e não se está a dar atenção às comunidades", observou o docente universitário.
Vasco da Gama chegou ali em 1498 e estabeleceu uma escala na rota comercial entre Portugal e a Índia, naquele que se tornaria um importante entreposto de escravos. Ocupando uma área de 245 quilómetros quadrados, a ilha foi a primeira capital de Moçambique, permanecendo de pé diversos monumentos históricos, como a Fortaleza de São Sebastião.
Aumentar o conhecimento sobre a ilha
Aurélio Míria, antropólogo e também docente universitário, entende que Moçambique precisa de repensar a importância da Ilha, que é "o mais emblemático de todos os monumentos que o país possui". "Nós podemos colher experiências de vários países para reabilitar a ilha. Os ganhos provenientes do turismo, embora poucos, podem servir para gerar alguma receita para compensar o investimento aplicado", observou.
A adoção de conteúdos sobre a ilha nos currículos escolares é também apontada pelo académico como uma solução, tendo em conta que há "um forte desconhecimento sobre a importância histórica da ilha".
Portugal tem sido um dos parceiros das autoridades locais com intervenções no âmbito da preservação e reabilitação do património histórico e cultural. O Cluster da Cooperação Portuguesa na Ilha de Moçambique incluiu um orçamento de um milhão de euros para a segunda fase de implementação (período 2015-2018).
No âmbito das comemorações do bicentenário como cidade, Portugal organizou um total de sete exposições, na Ilha e em Maputo, ao longo do ano e está projetar organizar outros dois seminários, além de dois documentários e mais sete atividades ligadas à cidadania e a boas práticas.
"A ilha é de uma riqueza patrimonial única e este é o nosso contributo para esta celebração. Continuarmos com vontade de cooperar com as autoridades para a valorização deste local histórico, tanto para Moçambique, como para Portugal", garante Patrícia Pincarilho, conselheira para a cooperação na embaixada de Portugal em Moçambique.
Viaturas proibidas
A partir de hoje, as autoridades locais vão interditar a entrada e circulação de viaturas particulares na ilha para permitir a livre circulação de pessoas para as comemorações do bicentenário de elevação a cidade - haverá transportes públicos especiais.
O número de camas disponíveis nas unidades hoteleiras ronda as 300, escreve a Agência de Informação de Moçambique (AIM), que prevê que o número possa subir ligeiramente: os organizadores das comemorações estão a encorajar os residentes "a apetrecharem os seus alojamentos".
O programa das festas serve de prova de que a ilha é um local onde as culturas sempre se encontraram ao longo da história. Tufo, N'sope e Nsirriputi são três dos estilos de danças a ser interpretados no espetáculo de abertura marcado para hoje à noite, com 11 grupos de dançarinos dirigidos pela coreógrafa e bailarina moçambicana, Pérola Jaime.
Ilha de Moçambique: a "menina dos olhos" de Nampula
Há 200 anos, que a primeira capital de Moçambique foi elevada à cidade. Desde 1991 a ilha é Património Mundial da Humanidade. O arquipélago no norte de Moçambique concentra um incalculável valor histórico e cultural.
Foto: DW/J.Beck
Primeira capital de Moçambique
Situada na Província de Nampula, a Ilha de Moçambique é um destino turístico muito procurado na África Austral pelo seu vasto património histórico e cultural. "Descoberta" pelo navegador português Vasco da Gama, em 1498, aquando da viagem marítima para a Índia, esta ilha foi a primeira capital de Moçambique. É atualmente habitada por cerca de 15 mil pessoas.
Foto: DW/J.Beck
Pequena ilha, grande história
Apesar de ter apenas três quilómetros de comprimento e 400 metros de largura, esta pequena ilha carrega uma grande história. Quando Vasco da Gama a "descobriu", ela já era um importante lugar de trocas comerciais entre os africanos e os povos árabes. Após a chegada dos portugueses, a ilha ganhou uma importância estratégica na rota que ligava Lisboa a Goa, a "Carreira da Índia".
Foto: DW/J.Beck
Habitações com história
A Ilha de Moçambique está dividida em duas partes: a “cidade de pedra e cal” e a “cidade de macuti“. Na primeira (à direita da rua), eram construídas as casas que pertenciam às camadas mais altas da sociedade, onde estavam os palácios e fortalezas. Na segunda (à esquerda da rua), viviam as pessoas de classes mais baixas.
Foto: DW/J.Beck
Cidade de "macuti"
Na chamada “cidade de macuti“ viviam os mais pobres - os pescadores, por exemplo. É nesta parte da cidade que se encontram, como o nome indica, as construções mais precárias cobertas por macuti - as tradicionais folhas de coqueiro espalmadas.
Foto: DW/J.Beck
Património Mundial da Humanidade
Foi em 1991 que a ilha de Moçambique passou a integrar a lista dos destinos considerados Património Mundial da Humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO. De passagem pela ilha há vários monumentos que não pode deixar de visitar.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de São Sebastião
Construída no século XVI pelos portugueses, a Fortaleza de São Sebastião visava dar proteção e apoio aos barcos que navegavam na chamada Carreira da Índia. É um dos mais representativos exemplos da arquitetura militar portuguesa na costa oriental de África.
Foto: DW/J.Beck
Capela de Nossa Senhora do Baluarte
A Capela de Nossa Senhora do Baluarte, construída em 1522 na extremidade norte da ilha, é hoje o único exemplo da arquitetura manuelina em Moçambique. O manuelino, ou também gótico português tardio, é um estilo que se desenvolveu no reinado de D. Manuel I nos séculos XV e XVI. O acesso à capela faz-se apenas pelo interior da Fortaleza de São Sebastião.
Foto: DW/J.Beck
Palácio de São Paulo
Construído em 1610, o Palácio de São Paulo, também conhecido como Palácio dos Capitães-Generais, funcionou primeiro como Colégio da Companhia de Jesus, tendo sido depois convertido no palácio do governador - função que manteve até a Ilha de Moçambique deixar de ser a capital do país, em 1898. No palácio podemos hoje visitar o Museu da Marinha e o Museu-Palácio de São Paulo.
Foto: DW/J.Beck
Outros locais de interesse turístico
O monumento dedicado ao poeta português Luís Vaz de Camões, que viveu entre 1567 e 1569 na Ilha de Moçambique, é outro dos locais que os visitantes da Ilha não podem deixar de conhecer, assim como a Igreja da Misericórdia e Museu de Arte Sacra e a Capela de São Francisco Xavier. Todos estes edifícios históricos estão localizados na Cidade da Pedra.
Foto: DW/J.Beck
Um destino multicultural
Apesar da clara influência do povo português, cabem na ilha de Moçambique apontamentos de muitas outras geografias mundiais. Encontramos aqui um largo número de culturas e religiões diferentes. Ao caminharmos pelos diferentes bairros da ilha, cruzamo-nos com várias igrejas e capelas, mas também com mesquitas e um templo hindu.
Foto: DW/J.Beck
Escola Maometana
A maioria dos habitantes da ilha pertence à religião muçulmana. A "Escola Maometana / The Mohamedia Madresa School" localiza-se ao lado da "Mesquita Central Seita Sunni" próximo do centro da Ilha de Moçambique. A ilha foi marcada durante séculos pela cultura suaíli e o islão dos povos da África Oriental, como também acontece na vizinha Tanzânia.
Foto: DW/J.Beck
Ilha em risco – um futuro incerto
Nos últimos anos, muitos são os especialistas que chamam a atenção para a possibilidade deste pequeno paraíso poder vir a desaparecer por causa das alterações climáticas. Teme-se que, devido à erosão costeira, um dia a ilha possa acordar no fundo do mar. Até ao momento já foram consumidas várias áreas pequenas.
Foto: DW/J.Beck
Fecalismo a céu aberto
Mas para além do câmbio climático, há outros problemas mais profanos no dia a dia da ilha. Muitos habitantes usam as praias como casa de banho, o que ameaça a saúde pública e coloca em perigo os atrativos turísticos da ilha. Para melhorar o saneamento básico, foram construídos sanitários públicos em vários lugares da ilha.
Foto: DW/J.Beck
Degradação apesar de Património Mundial
Apesar da classificação em 1991 como Património Mundial pela UNESCO, encontram-se muitos prédios em ruínas na Ilha de Moçambique. A recuperação é lenta. Desde que a capital do país passou para Maputo, no sul de Moçambique, os investimentos públicos concentram-se no sul do país. O norte e a Ilha de Moçambique perderam protagonismo político.
Foto: DW/J.Beck
Esforços em torno da preservação
No entanto, e apesar do património histórico omnipresente na ilha, ela quer continuar a ser um lugar para se viver. Por isso, o Governo de Moçambique e parceiros internacionais têm vindo a unir esforços para criar melhores condições sócio-económicas. E, claro, para preservar o património histórico e cultural da ilha.