Na maioria das escolas africanas a língua em que se leciona é a língua oficial do país e geralmente é uma língua europeia. Mas será que aprender a escrever num idioma que não é o aprendido em casa é uma boa ideia?
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A sul do Saara falam-se mais de 2.000 idiomas africanos diferentes. Estes ouvem-se, sobretudo, dentro das casas e na rua, em algumas estações de rádio, mas quase nunca dentro das salas de aula: aqui as línguas ensinadas são uma herança da era colonial. Muitas crianças, especialmente as provenientes de ambientes rurais, entram nas escolas de inglês, francês ou português com poucos conhecimentos.
Para a especialista em educação, Birgit Brock-Utne, da Universidade sul-africana de Witwatersrand, aprender num idioma que não é a língua materna é contraproducente. "Já fizemos experiências em escolas secundárias na Tanzânia e em escolas primárias na África do Sul onde pusemos as crianças a aprender na língua que lhes é familiar e vimos como são muito melhores", garante a investigadora.
"São mais ativos, mais críticos e desafiam os professores… É uma atmosfera completamente diferente", acrescenta.
Em alguns países africanos, essa adaptação no ensino tem acontecido de forma progressiva, com as escolas primárias a integrarem as línguas locais e algumas a ensinarem exclusivamente nos idiomas autóctones.
Aprender noutra língua pode criar lacunas
De acordo com o "Relatório da Educação Global 2016" da UNESCO, o ensino na língua materna é essencial, especialmente na escola primária. Recomenda-se que as crianças sejam ensinadas na língua materna durante pelo menos seis anos, para evitar lacunas de conhecimento e aumentar a velocidade de aprendizagem.
Na Nigéria, existem mais de 500 idiomas locais, mas o ensino é feito principalmente em inglês. Um projeto piloto está agora a introduzir os idiomas mais falados – o haúça, yorubá e igbo - no currículo das escolas primárias. No Senegal, o francês é a língua de instrução oficial, mas é falado apenas por um terço da população e o Governo vai agora introduzir aulas bilíngues. Em Moçambique, está também previsto alargar o ensino a 23 línguas diferentes. Embora nunca tenha sido colonizada, a Etiópia também tem problemas na integração de idiomas. O uso de apenas uma língua, o amárico, criou algum nível de resistência na população.
"O inglês, enquanto língua internacional que, em certo sentido, não pertence realmente a ninguém, talvez seja um meio mais neutro e, portanto, mais atraente e menos conflituante, do que tentar, por exemplo, ensinar em amárico em todo o país e em todas as universidades", explica Axel Fleisch, professor de Estudos Africanos da Universidade de Frankfurt.
12.09.2018 - Mais de 2.000 línguas em África - MP3-Mono
"Isso certamente encontraria grande resistência junto de muitos etíopes", defende o especialista.
Ensinar as várias línguas
Por outro lado, muitas crianças também crescem em ambientes multilingues. Rose Marie Beck, professora de Estudos Africanos na Universidade de Leipzig, sugere usar esse pretexto para fomentar a diversidade. "Na minha opinião deve-se pegar nas crianças onde elas estão; ensinar os professores que eles podem usar esses diferentes recursos de linguagem de uma maneira muito prática para ensinar idiomas diferentes às crianças; e até talvez mostrar de onde vêm esses diferentes idiomas, para que as crianças finalmente possam escrever um artigo em inglês, francês, suaíli ou qualquer que seja a língua nacional", sugere.
A implementação de tais mudanças, no entanto, custa dinheiro. Organizações como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional ou a Organização Internacional da Francofonia têm programas que apoiam o desenvolvimento de material didático e a formação de professores. No entanto, estes programas não são suficientes para criar mudanças em todo o continente.
A dor dos talibés
Entregues pelos pais para serem educados por líderes religiosos, os meninos são agredidos por professores e obrigados a mendigar nas ruas. Escolas corânicas no Senegal são ambiente de sofrimento e exploração infantil.
Foto: DW/K. Gomes
Infância perdida
Nas paredes desta escola corânica, no Senegal, rabiscos contornam figuras de bonecos e estrelas. Aqui, as fantasias de criança convivem com uma realidade amarga. Meninos conhecidos como talibés são separados da família para aprender o Corão.
Foto: DW/K. Gomes
Sem portas nem janelas
Afastada do centro da cidade de Rufisque, no oeste do Senegal, fica esta estrutura abandonada, sem portas nem janelas. Esta madrassa, como é chamada a escola corânica, abriga cerca de 20 crianças entre três e 15 anos de idade. A falta de infraestrutura torna a rotina dos talibés ainda mais penosa.
Foto: Karina Gomes
Desprotegidos
Este é um dos quartos onde os talibés dormem. Não há camas, nem cobertores. E também faltam travesseiros. Os meninos deitam-se sobre sacos plásticos, no chão de areia. Nos dias frios, a maioria fica doente e não recebe tratamento médico adequado.
Foto: Karina Gomes
Aulas sobre o Corão
As crianças são entregues pelos pais aos marabus – poderosos líderes religiosos do país – para terem aulas sobre o Corão. Os professores têm uma reputação social elevada e é a eles que muitas famílias pobres do Senegal e da vizinha Guiné-Bissau confiam a educação dos filhos.
Foto: DW/K. Gomes
Entre livros
Tábuas com palavras em árabe e exemplares do livro sagrado estão espalhados pela madrassa. Os talibés acordam diariamente por volta das cinco da manhã para aprender o Corão. Em coro, recitam repetidamente trechos do livro sagrado.
Foto: DW/K. Gomes
Mendigos
Depois das orações, os meninos são obrigados a pedir dinheiro nas ruas e a conseguir algo para comer. Cada professor estipula uma quantia diária. Se os meninos não conseguem cumprir, são espancados. "Tínhamos de levar dinheiro para sustentar o marabu e a sua família, porque ele vivia disso. Eu sofri muito. Uma vez fui espancado porque cheguei atrasado", conta o ex-talibé Soibou Sall.
Foto: DW/K. Gomes
Amigos de rua
Os talibés vestem-se com roupas velhas e rasgadas e a maioria anda descalça. Chegam a mendigar sete horas por dia pelas ruas de Rufisque. Eles também pedem esmolas perto da estrada que liga a cidade à capital, Dakar. Curiosos, estes dois amigos aproximam-se e pedem para ser fotografados. E sorriem, apesar da rotina dolorosa.
Foto: DW/K. Gomes
Hora da refeição
Sentados no chão de areia, os talibés juntam-se para comer o que conseguiram nas ruas. Hoje têm arroz, vegetais e alguns pedaços de frango para dividir. Há restos de comida espalhados pelo plástico preto. "Gosto de viver aqui. Eu tenho paz", diz Aliou, de 8 anos.
Foto: DW/K. Gomes
Condições degradantes
Nesse espaço comum fica uma espécie de casa-de-banho e há muito lixo no chão. Os meninos andam descalços sobre objetos cortantes. Há chinelos e roupas velhas por toda a parte. Os meninos são constantemente vigiados por adolescentes que foram talibés na infância e auxiliam os professores. Agressões são constantes.
Foto: DW/K. Gomes
Exploração
As escolas alcorânicas surgiram nas zonas rurais do Senegal. Os meninos trabalhavam na lavoura e tinham aulas sobre o Alcorão. Com as constantes secas, os marabus foram forçados a aproximar-se das grandes cidades, como Dakar. Com dificuldades financeiras para sustentar todas as crianças, o incentivo à mendicância infantil tornou-se uma atividade rentável.
Foto: DW/K. Gomes
Sem os pais
Por chegarem muito pequenos às daaras, muitos meninos desconhecem o motivo de terem saído da casa dos pais. Bala, de 11 anos, não vê a mãe há sete anos. "A minha mãe está viva e tenho saudades dela. Estou aqui em Rufisque desde muito pequenino. Depois da escola, eu vou pedir dinheiro", diz. "Preferia viver com os meus pais."