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Cultura

A "loucura" moçambicana nas telas da Berlinale

Cristiane Vieira Teixeira (Berlim)
17 de fevereiro de 2018

João Viana retorna ao festival com dois filmes que tematizam a loucura, o colonialismo e a guerra. Realizador português revela que ele e parte de sua equipe chegaram a ser detidos durante as filmagens em Moçambique.

Berlinale 2018 (Forum) | Filmstill von "Our Madness"
Cena do filme "Our Madness"Foto: Berlinale/Sabine Lancelin

Os enredos dos dois filmes, a curta-metragem "Madness" e a longa-metragem "Our Madness" (sem tradução para o português), são semelhantes: a personagem principal, Lucy, foge de um hospital psiquiátrico em Maputo e vai ao encontro do filho e do marido.

"A Lucy é louca na curta[-metragem]. Mas também se pode ver a loucura, não só do lado de fora, mas entrar na loucura. Na longa[-metragem], estamos dentro da loucura de Lucy, que eu acho que não é – que ela não é louca", explica o realizador português nascido em Angola, João Viana.

"Loucura" moçambicana

O realizador diz que as histórias, que têm a loucura como fio condutor, são "uma metáfora sobre a situação política e social presente em Moçambique". Mas ele deixa aberta a interpretação. "Há uma loucura africana, no fundo, e há uma loucura em Moçambique neste momento", considera.

Perguntado sobre como avalia o atual momento em Moçambique, João Viana não responde, mas revela que ele e sua equipe chegaram a ser detidos durante as filmagens em Moçambique.

Berlinale Joao Viana OL - MP3-Stereo

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"Eu não sei. Isso eu não queria falar. Nós fomos para a cadeia. Foram várias pessoas. Estávamos com uma criança, a criança também foi, sabe? Eu preferiria não falar sobre isso. Desapareceu-nos coisas, o filme desapareceu. Não o encontramos. É melhor não [falar]. [Isso aconteceu] durante as filmagens", descreve.

Nos filmes, um aspeto que evidencia a loucura é a morte do filho da protagonista depois que ela o reencontra, após fugir do hospital.

"Ela está no hospício porque o filho morreu. Mas, se o filho morreu, não pode encontrar o filho. A história é linear. Mas, ao mesmo tempo, não pode ser. Isto não pode ser. Ela não pode ter encontrado o filho e depois ir ter com ele para encontrar o pai se o filho já tinha morrido, não é?", pondera Viana.

O diretor nos conta, no entanto, como chegou a esta metáfora entre a loucura e a realidade moçambicana. Foi em 2014.

"Eu ia num autocarro em Moçambique e o condutor para o autocarro e diz assim: 'O senhor tem que ir lá para trás'. Eu eu disse: 'Mas não tenho medo'. E ele disse: 'Mas eu tenho'. Ele estava com medo de que eu fosse atingido por ser branco num autocarro de africanos. Era mais fácil para ser alvejado. E eu pensei: o mundo está louco", recorda.

O diretor português nascido em Angola, João VianaFoto: DW/C. V. Teixeira

Ousado e conceitual

Como de costume, João Viana abusa da ousadia. Imagens em preto e branco, ângulos inusitados, ritmo lento e poucos diálogos. O realizador explica por que optou por técnicas pouco convencionais.

"O filme é complexo, porque o colonialismo foi muito mal e por isso é assim tudo tão esquisito e complexo. Mas tem que ser. Porque se não fosse complexo, não valeria a pena", defende.

Além da loucura, a religião desempenha um papel importante na história. No filme, uma pregação num programa de rádio é ouvida também no hospital psiquiátrico.

"Estamos na cabeça da Lucy, que nos conta a história, mas a cabeça dela já está muito religiosa também. O filho morreu, mas o que ela sonha é: 'Se Jesus Cristo ressuscitou, porque é que meu filho não pode ressuscitar'? E é normal, porque que ela é uma mulher simples. Por isso, ela agarra-se à religião", explica.

Sucesso na Berlinale

Festival Internacional de Cinema de Berlim teve início na passada quinta-feira (15.02)Foto: Reuters/F. Bensch

Esta não é a primeira vez que João Viana participa da Berlinale. Em 2013, ele mereceu uma menção especial do júri da Berlinale pelo filme "A Batalha de Tabatô", sobre a Guiné-Bissau. O realizador diz que não tem grandes expectativas para este ano, mas sublinha a importância da Berlinale.

"Há um lado muito profissional e de brio no trabalho alemão de programação. Nesta programação da [mostra] Forum, encontrei aqui cinema que não encontro em parte nenhuma do mundo. Berlim é muito importante, porque é o primeiro festival do ano. É muito bom estrear aqui, porque depois há todo um ano de trabalho pela frente", avalia.

Com essas duas produções, João Viana participa nas mostras Forum, dedicada a filmes alternativos, e na mostra Shorts, para produções curtas.

A entrega do "Urso de Ouro", o prémio de maior prestígio do festival, será feita no próximo dia 24. O Festival Internacional de Cinema de Berlim termina a 25 de fevereiro.

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