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A luta contra a mutilação genital feminina na Somalilândia

Arndt Peltner | Thiago Melo
11 de outubro de 2016

Quase todas as mulheres na Somalilândia foram submetidas à Mutilação Genital Feminina (MGF) quando ainda eram crianças. Ativistas querem pôr um fim a esta prática.

Symbolbild Genitalverstümmelung bei Frauen in Afrika
Foto: Getty Images/AFP/N. Sobecki

Halima Hassan não consegue esquecer o dia em que foi forçada a submeter-se à MGF. Hoje, aos 53 anos de idade, ainda se lembra dos momentos de terror vividos. A avó segurou-a durante o procedimento. Hassan lembra-se da dor que sentiu e do tempo que passou sem poder andar por causa da mutilação. Também houve as complicações médicas de longo prazo: dores que persistem até hoje e que lhe lembram a sua provação.

Mais de 90% das mulheres na Somalilândia, a região autónoma da Somália no Corno de África, já foram submetidas à MGF.

Há vários tipos de MGF. O tipo III, conhecido como infibulação, é a versão mais generalizada. Envolve o corte do clitóris e a costura para cima da vulva para fazer um pequeno orifício por onde deverá sair a urina. Este procedimento costuma ser realizado quando as meninas têm entre cinco e dez anos de idade.

Lâminas que cortam vidas

Atualmente, Halima Hassan luta contra qualquer  tipo de mutilação genital. Ela é membro da rede Nagaad, uma associação de organizações para a defesa dos direitos das mulheres na Somalilândia. Ela quer assegurar que nenhuma jovem seja submetida à mesma experiência pela qual passou quando era criança.

Halima Hassan realizou uma visita à aldeia de Gabilye, a uma hora de carro de Hargeisa, capital da Somalilândia. Ela foi ao encontro de Kamila Noura. A mulher de 50 anos de idade é conhecida na vila como alguém que realiza a MGF. No entanto, Kamila não está a passar por cima da lei. Ao contrário do vizinho Djibouti, a Somalilândia ainda não proibiu a MGF. 

Halima Hassan está determinada em poupar as outras meninas da dor que ela sente até hojeFoto: DW/A. Peltner

Kamila Noura não possui nenhuma formação médica. Ela aprendeu a prática da MGF ao assistir outras pessoas na sua vila. Ela usa lâminas de barbear e espinhos, com os quais costura as meninas. Enquanto a mutilação acontece, parentes do sexo feminino seguram a menina. Kamila Noura recebe uma taxa de cinco a vinte dólares por cada procedimento.

Hassan tem tentado convencer Noura a encontrar outro meio de ganhar a vida. A defensora das meninas até lhe ofereceu dinheiro se desistisse da sua profissão manchada pelo sangue de inúmeras crianças, mas Kamila recusou a oferta. "O meu marido está morto e este é o único jeito de eu conseguir dinheiro. Tenho uma família para alimentar”, disse.

Parteiras enviadas para dissipar a ignorância

Edna Adan já ouviu muitas histórias semelhantes às de Halima Hassan e Kamila Noura. Adan é provavelmente a ativista anti-MGF mais conhecida na Somalilândia. Ela é a viúva de Mohamed Haji Ibrahim Egal, primeiro-ministro da Somália em 1960 e Presidente da Somalilândia entre 1993 e 2002. Ela exerceu o cargo de ministra dos Negócios Estrangeiros da Somalilândia, uma república autoproclamada que, no entanto, não foi reconhecida internacionalmente.

Edna Adan tem lutado contra a MGF há 40 anos. Um hospital com o seu nome foi inaugurado em 2002. Ela mantém o hospital em funcionamento com a ajuda de doações, com a própria pensão, taxas que ganha com palestras e o aluguer de espaços comerciais nos terrenos do hospital para pequenas empresas. Edna Adan também formou parteiras para lutar contra a MGF, referindo-se a elas como as suas "tropas terrestres". Depois de terem sido treinadas, essas mulheres vão de aldeia em aldeia não apenas para o nascimento dos bebés, mas também para falar com as pessoas sobre os perigos da MGF.

Há 40 anos Edna Adan luta contra a MGF na SomalilândiaFoto: DW/A. Peltner

Um crime, não uma cultura

A ativista da Somalilândia faz uma crítica em relação à falta de apoio da Europa para o combate à prática violenta. Ela diz que é um absurdo que a MGF não seja levada a sério pelo continente, onde tudo seria descartado como uma tradição cultural. "Quando uma criança saudável é forçada a sangrar, nada tem a ver com a cultura ou tradição", diz.

"É simplesmente um crime e que a criança é a vítima. Existe o risco de inflamação, lesões graves causadas pelo corte, complicações médicas profundas e de longa duração, que podem acompanhar as vítimas o resto das suas vidas", acrescenta Adan.

Edna Adan fala por experiência própria. Quando era criança, ela foi submetida à MGF contra a vontade do pai. A sua avó tinha decidido sozinha – como acontece na maioria das famílias – que a operação seria realizada. Quando Edna Adan começou a sua campanha contra esta tradição milenar, ninguém a levou a sério. Mas ela não desistiu. Hoje, ela tem muitos adeptos na Somalilândia. Nos Estados Unidos, há uma fundação que apoia as suas atividades de campanha.

Existe apoio para o trabalho de ativistas anti-MGF na capital Hargeisa

Os incansáveis esforços de organizações como a rede Nagaad e de mulheres como Edna Adan finalmente estão a começar a dar resultado. Na Somalilândia existe agora o debate público sobre a MGF. Mas este debate não é do agrado dos ativistas anti-MGF. Eles estão a pedir tolerância zero, com objetivo de banir prática de vez. Mas o que se tem discutido é a mudança para uma versão menos extrema da prática, na qual a vulva não seria costurada.

A capital da Somalilândia, Hargeisa, é hoje o lar de muitos somalis que retornaram da diáspora. Grande parte deles rejeita a MGF e apoio projetos dos ativistas anti-MGF. Esses projetos, no entanto, ainda precisam ter um impacto sobre a população rural. Edna Adan e muitas outras ativistas comprometidas estão conscientes de que a batalha contra a MGF está longe de terminar.

Stiftung Weltbevölkerung colaborou na viagem para a produção deste artigo.

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