A luta de sindicatos africanos contra gigantes chinesas
Daniel Pelz | gcs
27 de agosto de 2018
Estradas, linhas férreas, pontes: as multinacionais chinesas constroem infraestruturas um pouco por todo o lado em África. Mas há empresas que têm fama de más empregadoras. O trabalho dos sindicatos não é fácil.
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O sindicalista queniano Joe Macharia diz que foi preciso muita firmeza para fazer com que uma gigante da construção chinês se sentasse à mesa de negociações.
Macharia e os colegas do Sindicato dos Trabalhadores da Construção e da Madeira do Quénia passaram meses a fio a tentar chegar a acordo com a empresa China Communications Construction Company (CCCC) sobre salários, horários de trabalho e direito a férias. A CCCC não é uma multinacional qualquer: está a construir a nova linha de caminho-de-ferro que ligará a cidade costeira de Mombasa à fronteira com o Uganda, o maior projeto de infraestruturas desde a independência do Quénia.
Salários baixos, trabalhadores sem contrato
"Negociar acordos coletivos de trabalho com empresas chinesas foi a tarefa mais difícil na minha carreira", afirma o líder sindical em entrevista à DW. "Passámos por longos processos, batalhas judiciais e greves em várias empresas para que a administração se sentasse à mesa para negociar."
A luta compensou. Este ano, o salário mínimo estatal aumentou 5%, enquanto os salários dos trabalhadores abrangidos pelo acordo negociado pelo sindicato aumentaram 9%.
Há cerca de 2.000 empresas chinesas com negócios em África. A construção de infraestruturas - pontes, linhas férreas e portos - tornou-se uma especialidade da China. Mas as relações destas empresas com os seus trabalhadores têm sido alvo de críticas. "Elas não conhecem as leis laborais e não entendem os trabalhadores. Há uma série de disputas entre os empregadores chineses e os trabalhadores quenianos", comentou a representante dos patrões no país, Jacqueline Mugo, num artigo publicado no jornal económico "Business Daily". Segundo Mugo, muitas empresas chinesas não pagam sequer o salário mínimo nacional. Um estudo da empresa de consultoria McKinsey revela que quase metade dos quenianos a trabalhar empresas chinesas não tem contrato de trabalho.
Em alguns casos, a situação melhorou com a ajuda dos sindicatos. Ao todo, empresas chinesas já assinaram cerca de 80 acordos coletivos de trabalho no continente africano, e cerca de 50.000 trabalhadores locais estão inscritos em sindicatos, segundo o investigador alemão Bastian Schulz: "Se olharmos para o conjunto da população ativa, pode não ser muito, mas é um começo. Sobretudo, é um começo num contexto político em que não se esperaria que os sindicatos agissem de forma inovadora", diz.
A luta de sindicatos africanos contra gigantes chinesas
Medo de má imagem
Grande parte dos sindicatos no continente africano tem pouca força: têm poucos membros, pouco dinheiro e poucos especialistas em negociações salariais, pelo menos em comparação com as multinacionais.
Ainda assim, alguns sindicatos aprenderam a lidar com as empresas chinesas e jogam com o interesse da China em manter uma boa imagem.
"Essa é, para mim, uma das inovações dos sindicatos na Namíbia, no Quénia ou em parte na Etiópia", afirma Schulz, que trabalha para a fundação alemã Friedrich Ebert, ligada ao Partido Social-Democrata (SPD), em Joanesburgo. "Os sindicatos foram às embaixadas e contaram como é que as empresas se comportam, e, assim, criaram pressão." Quando isso não chega, os sindicatos recorrem a greves. Só em 2016, houve 66 greves em empresas chinesas espalhadas pelo continente.
Mas ainda não há acordos salariais abrangentes. Joe Macharia diz, por exemplo, que o seu sindicato já assinou acordos com sete empresas, mas continua a tentar ser reconhecido como representante dos trabalhadores para as negociações laborais com outras 32. E não é só: "Se, no futuro, forem atribuídos projetos de infraestruturas a mais empresas chinesas, os desafios serão muito maiores", prevê Macharia.
Dinheiro da China e um renascimento sobre trilhos em África
Para melhorar sua infraestrutura de transporte no exterior, a China está investindo maciçamente em África, dando uma nova vida a um velho meio de viajar.
Foto: Getty Images/AFP
O comboio rápido de Abuja a Kaduna
Desde julho, 175 quilómetros de trilhos interligam a capital da Nigéria, Abuja, ao estado de Kaduna, no norte do país. A construção custou cerca de 800 milhões de euros. O Banco de Exportação e Importação da China forneceu aproximadamente 450 milhões deste valor.
Foto: DW/U. Musa
O chefe de Estado nos trilhos
O Presidente Muhmmadu Buhari foi convidado especial na viagem inaugural do novo comboio. Um bilhete para a viagem de 2 horas e 40 minutos custará o equivalente a três euros para a classe económica e 4,25 euros para a primeira classe.
Foto: DW/U. Musa
Comboios em Addis Ababa
A primeira linha de comboio rápido na capital da Etiópia entrou em atividade em 2015. Foi construída pelo Grupo Ferroviário da China – também com financiamento da China EximBank. Até 2020, os chineses serão os responsáveis pela operação e manutenção destes comboios. Em seguida, a Etiópia Railways Corporation deve assumir.
Foto: picture-alliance/dpaMarthe van der Wolf
Interligando a África Oriental
Pelo menos 25 mil quenianos e 3 mil chineses devem participar na construção da rota de 472 quilómetros entre Mombasa e Nairobi. Cerca de 90 por cento dos custos de aproximadamente 3,6 mil milhões de euros serão financiados pela China. Mais tarde, cidades como Kampala e Juba devem ser ligadas.
Foto: Reuters/N. Khamis
Museu Ferroviário em Livingstone
O transporte ferroviário em África remonta a um longo caminho. Em 1856 a rota entre Alexandria e o Cairo foi aberta. Estima-se que estas máquinas de vapor trabalharam do início do século 20 até 1976 na Zâmbia. Agora os comboios são exibidos no Museu Ferroviário em Livingstone.
Foto: Getty Images/AFP/S. de Sakutin
Dilapidação no final do domínio colonial
Uma série de linhas ferroviárias foram construídas pelos colonialistas em África. Os comboios transportavam matérias-primas para a costa, onde seriam então enviadas para a Europa. Muitas dessas rotas estão em ruínas. As relíquias na foto pertencem à linha ferroviária original entre Swakopmund e Walvis Bay, construída em 1914, mas substituída em 1980.
Foto: picture-alliance/Ardea/K. Terblanche
Rede ferroviária em África
Numa declaração de 2015, o Banco Africano de Desenvolvimento enfatizou a importância da ferrovia para o continente. Permite o transporte barato de mercadorias e alivia o congestionamento urbano, de acordo com o banco. O relatório também critica o mau estado das redes ferroviárias. Elas se estendem principalmente ao norte e ao sul e muitas vezes não estão ligadas entre si.
Estações fechadas serão reabertas?
À medida que as economias crescem em muitos países africanos, uma nova ênfase é dada aos melhoramentos nos transportes. Se a China e outros patrocinadores continuarem a investir, estações de comboio desertas como esta em Adis Abeba poderão funcionar novamente.
Foto: Getty Images/AFP/M. Medina
Ferrovia na África do Sul
A rede ferroviária regional de Gautrain conecta Pretória e Joanesburgo com o maior aeroporto de África. Ela deve ser ampliada dos atuais 80 para 230 quilómetros nos próximos 20 anos. Com cerca de 21 mil quilómetros de via, a África do Sul tem, de longe, a maior rede ferroviária do continente. O Sudão tem 7,3 mil quilómetros, enquanto o Egito tem 5,1 mil.
Foto: imago/ZUMA Press
Comboios franceses em Tânger
Os comboios de alta velocidade do continente estão planejados no norte. O primeiro de 12 comboios TGV franceses foram entregues em junho passado. A viagem entre Tânger e Casablanca deve levar 2 horas 10 minutos a uma velocidade de até 320 quilómetros por hora, em vez de 4 horas e 45 minutos. A linha se estenderá mais tarde à Argélia e à Tunísia.