O papel dos estudantes africanos em Portugal
5 de março de 2015Alguns dos associados da Casa dos Estudantes do Império, que fizeram parte do referido movimento, realçam esse papel em declarações à DW, à margem de um recente debate, em Lisboa, organizado pela União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA).
O Movimento Associativo Estudantil, que vigorou durante a ditadura salazarista, teve um papel valioso no processo político e cultural que conduziu à luta pela autodeterminação e independência dos países africanos de língua portuguesa. O médico Edmundo Rocha, um dos 14 angolanos que, em setembro de 1961, instalaram em Kinshasa (ex-Zaire) o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), diz: “Um dos pólos do desenvolvimento da consciência nacionalista foi aqui, em Lisboa, na Casa dos Estudantes do Império. E graças a várias pessoas, e a várias gerações, a do Agostinho Neto, do Lúcio Lara, a nossa, do João Vieira Lopes, do Gentil Vieira, foi-se sucessivamente mantendo e espalhando os ideais da chama do nacionalismo”.
Fuga para o combate
Manuel dos Santos Lima, que viria a ser o primeiro comandante do Exército Popular para a libertação de Angola, foi outro dos “militantes” desse movimento: “Seguíamos atentamente o que se passava fora de território português, particularmente os movimentos independentistas nas antigas colónias francesas e inglesas. Nessa altura, quando os africanos se cruzavam em qualquer capital européia, era frequente as pessoas saudarem-se e perguntarem: e então, como é que está a luta no vosso país?”.
Edmundo Rocha, que esteve também ligado ao Movimento de Estudantes Angolanos (MEA), considera determinante a fuga organizada, de Portugal para Paris, de cerca de cem jovens das colónias, que mais tarde se juntariam aos movimentos de libertação: “Em 61, cem estudantes africanos decidiram fugir de Portugal, dar o salto, e reunir-se aos movimentos de libertação nacional lá fora: em Leopoldville com o MPLA, a FRELIMO nessa altura ainda não estava constituída, mas veio a constituir-se um ano ou dois depois, e ao PAIGC. O Pedro Pires [posteriormente Presidente de Cabo Verde] participou nessa fuga”.
Os riscos da clandestinidade
Foi um ato de coragem, refere o médico. Porque, na época, um em cada dez portugueses era informador da polícia política (PIDE), que seguia todos os passos dos ativistas suspeitos. Os estudantes das colónias eram prisioneiros da situação política portuguesa e tinham que agir com cautela na clandestinidade. Já em 1960, quando se propagavam os valores e os princípios da africanidade, chegavam notícias sobre as independências de países africanos como o Congo Kinshasa – lembra o professor catedrático, Manuel Lima: “Portugal de Salazar resiste a esse movimento independentista, que se fez pacificamente, e então tem que se ir para a luta armada como último recurso. E é por isso que as antigas colónias portuguesas terão como grande parceiro a Argélia”, onde a França também não aceitou de bom grado um acordo, “e recorreu-se à guerra”, explica Manuel Lima.
A independência como única solução possível
Carlos Veiga Pereira recorda-se particularmente bem das conversas que tinha com o seu grande amigo, António Agostinho Neto. Já na altura não havia qualquer dúvida sobre o que o futuro devia ser: “A primeira vez que tivemos uma conversa sobre isso, em Coimbra, em que de fato estávamos os dois de acordo de que não haveria outra solução que não a independência”.
Alguns desses jovens que integraram o movimento estudantil da época, como Amílcar Cabral e Agostinho Neto, entre outros, acabaram mais tarde por assumir a liderança das lutas pela libertação dos respetivos países, cujas independências foram proclamadas há 40 anos.