A morte de Zenawi desestabilizará a Etiópia?
21 de agosto de 2012Vários dirigentes africanos e de outros países do mundo exultaram esta terça-feira o papel estratégico que o primeiro-ministro etíope, Meles Zenawi, falecido aos 57 anos em Bruxelas, desempenhou na África. Ao mesmo tempo, organizações internacionais de defesa dos direitos humanos e meios de comunicação pediram progressos acelerados na Etiópia, lembrando a herança de repressão que Meles Zenawi deixou como legado.
De guerrilheiro a líder da Etiópia
Meles Zenawi chegou ao poder em 1991, depois da queda da junta militar de Mengistu Hailé Mariam, que dirigia a Etiópia desde 1974. Nessa altura, o antigo estudante de medicina Meles Zenawi, ligado a círculos marxistas, levou uma vida clandestina. Após cerca de duas décadas na guerrilha, Meles entrou triunfante na capital Adis Abeba.
Logo depois, milhares de alegados partidários do ex-dirigente Mengistu desapareceram, assim como jornalistas e rivais de Meles Zenawi. Muitos anos depois, antigos partidários de Meles relatariam como o tático que tomou o poder na Etiópia se livrava, sem escrúpulos, dos opositores políticos.
A guerra contra a Eritreia, entre 1998 e 2000, acabou por levantar questionamentos no Ocidente sobre a orientação política de Meles. Antes disso, ele valia como um novo tipo político da África, como esperança de um renascimento do continente.
Entre 1991 e 1995, Meles ocupou a presidência da Etiópia. Durante o mandato, e também depois, como primeiro-ministro, acabou por transformar o país do Corno de África um ator incontornável na luta contra o terrorismo na região.
Combate ao terrorismo
Membros da milícia radical islâmica somali Al-Shebab comemoraram nesta terça-feira a morte de Zenawi, qualificando o dia de histórico e dizendo que a Etiópia se encaminha agora para a desagregação. O exército etíope é considerado um dos mais poderosos do continente africano e interveio duas vezes na Somália – onde ainda tem tropas – para combater as milícias shebab, ligadas à rede terrorista internacional Al Qaeda.
Segundo analistas, a morte de Meles deixa um vazio importante num Corno de África extremamente volátil, tendo a capital do país, Adis Abeba, como sede da União Africana.
O presidente cessante da Comissão da UA, Jean Ping, exultou a contribuição à promoção da paz de Meles e da Etiópia, lembrando o envio de tropas etíopes não somente à Somália, mas a outros países do continente, como Burundi, Libéria e a região de Abyei, disputada entre o Sudão e o Sudão do Sul, no âmbito de missões da União Africana.
Homem de duas caras
Especialistas dizem, porém, que Meles era um homem de duas caras. No plano internacional, costumava ser considerado o porta-voz do continente africano. Carismático e articulado,concorria com a África do Sul em encontros internacionais do G20, o grupo dos 20 países mais ricos do mundo, e nas negociações sobre as mudanças climáticas das Nações Unidas. Durante uma das reuniões, Zenawi afirmou “não é exagero dizer que esta é a nossa melhor – e provavelmente a última – chance de preservar o nosso planeta dos efeitos destruidores e imprevisíveis das mudanças climáticas”.
A outra face de Meles Zenawi se mostrava no interior do país: era considerado um dirigente autoritário que oprimia a resistência nas suas origens. A Etiópia também é considerada uma das maiores prisões de jornalistas do mundo.
Primeiras eleições etíopes marcadas por fraudes
Em maio de 2005, por exemplo, 85 milhões de etíopes participaram das primeiras eleições legislativas democráticas - nacionais e regionais. A oposição acabou conseguindo vitórias importantes, causando pânico no governo, que falsificou então os resultados. 200 pessoas morreram quando policiais atiraram em estudantes que protestavam no país. 2005 vale como uma virada histórica para a Etiópia e para Meles Zenawi. Os doadores cessaram com as contribuições e as organizações de defesa dos direitos humanos passaram a acusar o primeiro-ministro etíope de prisões em massa, censura e corrupção.
Apesar de ser criticado por países como a Alemanha, um dos maiores doadores, a Etiópia continuou contando com ajuda dos Estados Unidos depois de oferecer ajuda para combater o terrorismo no Corno de África, depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 da Al-Qaeda nos EUA.
O último mandato de Meles, a partir de 2010, foi marcado pela seca que atingiu o corno de África, além da hiperinflação e do aumento exacerbado do custo de vida. Em maio de 2011, o governo conseguiu evitar protestos seguidos aos da chamada Primavera Árabe, aumentando medidas de repressão.
Abusos de direitos humanos
Por meio de porta-voz, a organização Amnistia Internacional afirmou que os 21 anos de poder de Meles Zenawi foram caracterizados por uma repressão cada vez maior e por violações generalizadas dos direitos humanos. A Human Rights Watch, por sua vez, diz que o balanço do governo de Meles é uma mescla de um crescimento econômico importante, mas desigual, e de uma deterioração dos direitos cívicos e políticos.
Num primeiro momento, Meles deverá ser substituído pelo vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros, Hailemariam Desalegn, de 47 anos, até a nomeação de um sucessor. O engenheiro hidráulico e antigo conselheiro de Meles é considerado um tecnocrata digno, mas a quem falta a força de imposição do primeiro-ministro falecido.
Autores: Ludger Schadomsky/ Renate Krieger
Edição: Helena Ferro de Gouveia / António Rocha