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A neutralidade é uma opção para a Ucrânia?

Christoph Hasselbach
28 de março de 2022

Moscovo exige que Kiev exclua a adesão à NATO, além da desmilitarização. Mas, perante a ameaça russa, até países tradicionalmente neutros na Europa estão agora a considerar aderir à aliança militar.

Ukraine | Russland-Ukraine Krieg | Soldat in Stoyanka
Foto: Vadim Ghirda/AP/picture alliance

Uma Ucrânia neutra - esta é uma das condições que o Governo russo coloca para pôr fim ao atual conflito. "É uma opção que está a ser discutida e que poderia ser vista como um certo compromisso", disse em março o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, durante as negociações com os representantes de Kiev.

A Ucrânia prometeu neutralidade quando obteve a independência em 1991, mas mudou de rumo após a anexação da península da Crimeia pela Rússia, em 2014. O Parlamento ucraniano aprovou por larga maioria uma alteração à Constituição e tornou a adesão à União Europeia e à NATO objetivos nacionais.

Mas não é só a Rússia que quer evitar esta iniciativa. A NATO tem recusado sistematicamente os apelos da Ucrânia, temendo desencadear um confronto militar com a Rússia. O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, já admitiu que o objetivo de aderir à NATO é provavelmente inalcançável.

E neste domingo (27.03), em entrevista à imprensa russa independente, mostrou-se aberto a debater a questão: "Estamos dispostos a aceitar as garantias de segurança e neutralidade, estatuto não-nuclear do nosso Estado".

Neutralidade voluntária vs. neutralidade imposta

Três países são frequentemente citados como possíveis modelos para uma Ucrânia neutra: Áustria, Suécia, e Finlândia. Mas cada um deles tem uma história distinta.

A Áustria, tal como a Alemanha, foi ocupada pelas quatro potências aliadas no final da Segunda Guerra Mundial: os EUA, a União Soviética, o Reino Unido e a França. A União Soviética concordou em retirar-se sob a condição de que a Áustria se comprometesse a uma "neutralidade eterna", que foi então consagrada na Constituição do país, em 1955.

O Tratado do Estado austríaco restabeleceu a Áustria como um Estado soberano. Foi assinado pelos governos austríaco, francês, britânico, americano, e soviético em 1955.Foto: VOTAVA/dpa/picture alliance

Leos Müller, historiador da Universidade de Estocolmo e autor do livro Neutrality in World History (A Neutralidade na História Mundial), descreveu a situação da Áustria como "neutralidade imposta de cima".

O estatuto de neutralidade, disse Müller à DW por e-mail, dá a países como a Áustria, Suíça e Bélgica um estatuto internacional especial e um espaço limitado para política externa, tornando Genebra, Berna, Bruxelas e Viena locais privilegiados para organizações internacionais como as Nações Unidas.

 

Mas a Suécia, ao contrário da Áustria, optou pela neutralidade. É neutra há mais de 200 anos, desde que o país teve de ceder a Finlândia, que era então território sueco, à Rússia, na sequência de uma guerra em 1809.

A Finlândia conquistou a independência em 1917, quando a revolução russa pôs fim ao domínio imperial, e mais tarde conseguiu defender a sua independência da União Soviética. "Não teríamos mantido a nossa soberania sem uma neutralidade autodeclarada e pragmática que não fosse de forma alguma ideológica", disse o antigo primeiro-ministro finlandês Alexander Stubb à DW.

Mas, como Stubb explica, a Finlândia esteve numa situação difícil durante décadas porque a União Soviética se recusou a reconhecer oficialmente a sua independência. "O espaço da política de segurança finlandesa e das decisões internacionais foi muito limitado durante a Guerra Fria e isso fez-nos sentir muito desconfortáveis, é claro", disse Stubb. "Mas penso que o jogámos de forma inteligente".

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Os países neutros participam nas manobras da NATO

Mas esta neutralidade parece ter-se desgastado com o tempo. A Áustria, Finlândia e Suécia não aderiram a qualquer aliança militar, mas juntos tornaram-se membros da União Europeia em 1995.

A UE também tem uma política externa e de segurança comum com elementos militares. Na semana passada, os ministros dos Negócios Estrangeiros do bloco concordaram em criar uma força de resposta rápida de até 5.000 soldados.

Os vizinhos da Rússia, a Suécia e Finlândia, estão especialmente interessados em procurar a cooperação militar com a NATO. Em junho do ano passado, a Suécia e a Finlândia convidaram sete países da NATO, incluindo a Alemanha, a participar na manobra conjunta "Desafio do Ártico 2021".

Estes dois países estão também atualmente a participar no exercício de grande escala "Resposta ao frio", envolvendo cerca de 30 mil soldados de 27 países de 14 de março a 1 de abril, no norte da Noruega, a apenas algumas centenas de quilómetros da fronteira russa. Esta manobra tinha sido planeada muito antes do início da guerra na Ucrânia e na Rússia, mas agora assumiu um significado especial.

Exercícios militares da NATO no Ártico.Foto: Jack Parrock/DW

A Finlândia a favor da adesão à NATO

A guerra na Ucrânia levou a Suécia e a Finlândia a repensar as suas posições, uma vez que se sentem agora "estrategicamente expostas" à Rússia, diz Leos Müller. A Finlândia tem uma longa fronteira com a Rússia, enquanto, do outro lado do Mar Báltico, a Estónia e a Letónia, membros da NATO, que têm grandes minorias de língua russa, ficaram extremamente preocupadas com a sua própria segurança.

E o enclave russo de Kaliningrado detém uma base de mísseis de médio alcance situados na costa báltica, a apenas 800 quilómetros de Helsínquia e Estocolmo.

A Suécia e a Finlândia estão agora a discutir se devem renunciar à sua neutralidade e aderir à NATO. Estariam então protegidos pelo Artigo 5º da Aliança, que estabelece que um ataque a um membro da NATO conta como um ataque a todos os seus membros e desencadearia respostas de defesa.

Stubb acredita que a Finlândia está agora prestes a candidatar-se à adesão à NATO. "Não é uma questão de se, mas quando", disse ele. De acordo com sondagens recentes, 62% dos finlandeses são agora a favor da adesão, com apenas 16% contra.

"O processo no Governo e no Parlamento foi posto em marcha. O comboio deixou a estação. O seu destino final vai ser a sede da NATO", disse Stubb.

O Chanceler alemão Olaf Scholz já disse que uma candidatura finlandesa à adesão à NATO seria "muito bem-vinda".

Mas Leos Müller, em Estocolmo, está menos certo. Na Suécia, apenas 41% apoiam a adesão à NATO, enquanto 35% se opõem, e Müller acredita que a questão da adesão à NATO estará no topo da agenda nas eleições parlamentares suecas em setembro.

Desde o início da guerra, o clima mudou muito, diz Müller, e ele acredita que se tanto a Suécia como a Finlândia decidirem aderir, então irão fazê-lo em conjunto, numa ação coordenada.

Até agora não tem havido nenhum movimento comparável na Áustria, mas a Áustria encontra-se numa posição geoestratégica muito diferente.

Em 1994, a Ucrânia renunciou às armas nucleares. Em troca, a Rússia, os EUA e o Reino Unido comprometeram-se a respeitar a soberania e as fronteiras da Ucrânia.Foto: Supinski/epa/picture-alliance

Desmilitarização não é uma opção

O ponto mais amplo é que se a Suécia e a Finlândia procuram desistir da sua neutralidade por causa da ameaça russa, não podem servir de modelo para uma Ucrânia neutra.

Leos Müller acredita que a neutralidade não funcionaria de qualquer forma para a Ucrânia: outros Estados ou organizações internacionais, tais como os Estados Unidos, a Rússia, ou a NATO, teriam de salvaguardar essa neutralidade e proteger a Ucrânia em caso de ataque. "Isso requer o funcionamento do direito internacional, acordos e organizações que funcionem. Mas agora, a Rússia rompeu com tudo isso".

Além disso, a Rússia exige a "desmilitarização" da Ucrânia, "uma exigência impensável de um país neutro", acredita Müller. Tal como a Suécia ou a Suíça, mesmo uma Ucrânia neutra ainda precisaria de capacidades de defesa.

A Ucrânia já descobriu que as garantias internacionais podem vir a revelar-se inúteis.

Em 1994, no Memorando de Budapeste, comprometeu-se a desistir das armas nucleares no seu território após o desmembramento da União Soviética. Em troca, a Rússia, os Estados Unidos e o Reino Unido comprometeram-se a respeitar a soberania e as fronteiras da Ucrânia. Vinte anos mais tarde, a Rússia anexou a península da Crimeia da Ucrânia e as duas potências ocidentais permitiram que tal acontecesse.

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Um ponto de viragem

Tanto o historiador sueco Müller como o antigo primeiro-ministro finlandês Stubb veem a guerra na Ucrânia como um ponto de viragem dramático. "A guerra de Putin abalou a ordem mundial pós-1945", diz Müller.

Stubb sente que isto é simultaneamente histórico e dramático. "Para mim, este é o momento de 1914, 1939, ou 1989 da nossa geração". Assim, basicamente, os 30 anos de paz relativa e esta forte convicção de que a conectividade unirá o mundo está agora terminada, especialmente aqui na Europa".

Stubb prevê que a Europa fique dividida durante muitos anos. "Será uma nova cortina de ferro entre a Rússia, que é autoritária, totalitária e agressiva, e o resto da Europa, que é pacífica, democrática e internacional".

"Isto significa que a Rússia, que ao longo da história sempre se considerou isolada e sob ataque do resto do mundo, estará agora completa e totalmente isolada", acrescenta.

Stubb diz que, porque nada dura para sempre, o Ocidente vai voltar a envolver-se com a Rússia, mas por agora "este é um momento verdadeiramente dramático".

"Compreendo perfeitamente que seja muito improvável que tenhamos qualquer ligação com os nossos vizinhos num futuro próximo", conclui.

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