Jornalista angolano critica proximidade de Lula da Silva ao chefe de Estado de Angola e fala sobre a Odebrecht nesse país. O ex-presidente brasileiro tornou-se réu (13.10) em ação sobre obras em Angola.
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Segundo o jornalista investigativo angolano, as denúncias à empresa brasileira Odebrecht incluem não apenas a corrupção, da qual o ex-presidente brasileiro Lula da Silva tornou-se réu por supostamente atuar em esquema para liberar verba do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à Odebrecht. Mas há denúncias graves de morte e tortura de camponeses nas áreas onde atua a multinacional em África. Para Rafael Marques, no entanto, a proximidade entre os governos brasileiros e as autoridades governamentais de Angola não é recente e critica a atuação da multinacional naquele continente desde então. O jornalista Rafael Marques volta ao Brasil, após 21 anos, a convite da agência A Pública para debate (15.10) sobre o tema e suas investigações. Rafael Marques falou em exclusivo à DW África:
DW África: Como você define o papel da empresa brasileira Odebrecht em Angola?
Rafael Marques (RM): A Odebrecht eu definiria como uma das principais multinacionais da corrupção em Angola pela sua relação muito estreita com o Presidente José Eduardo dos Santos, que não é mais do que um indíviduo que promove a corrupção no país. Portanto os contratos que a Odebrecht tem estado a ganhar desde a sua presença em Angola tem muito a ver com essa relação especial que tem com o Presidente José Eduardo dos Santos. É a empresa do Presidente angolano.
DW África: A presença da Odebrecht em Angola não é recente, mas intensifica-se a partir de 1984 e, sobretudo em obras de construção civil e hidroelétricas em Angola. Diante das suas investigações, você teve acesso a documentos que levem a indícios de corrupção de governos brasileiros?
RM: Eu próprio já denunciei o projeto da Biocom, em que a Odebrecht envolveu-se com a Sonangol com crédito brasileiro e com generais angolanos corrompendo abertamente altos oficiais do aparelho de Estado angolano. Isso é corrupção em Angola e eventualmente também deve ser prática condenável no Brasil, quando uma empresa sua vai investir num país estrangeiro e investe infringindo as leis deste país utilizando recursos brasileiros como forma de ganhar contratos. E, por exemplo, outro aspeto que eu tenho estado a investigar: o tipo de obras feitas. Eu tenho uma lista das obras feitas pela Odebrecht e dos financiamentos feitos pelo BNDES e vemos que os valores não se justificam. E é isso que se deve ter em termos de investigação para então se auferir como esses grandes créditos que a Odebrecht se beneficiou do BNDES teriam contribuído, de certa maneira, para essa opacidade em que o Governo de Lula se viu envolvido. Grande parte desses bilhões de dólares atribuídos pelo BNDES nos últimos anos foram no Governo de Lula. E, aí, há obviamente muita coisa que pode ser explorada. Estou já muito avançado nestas investigações.
DW África: Diante das suas investigações você encontrou algum indício contra o ex-presidente Lula?
RM: Não encontrei nada e é algo que tem que ser aprofundado. Acho que o indicimento por ter tido um sobrinho em Angola a investir com a Odebrecht tinha de ter mais ligações, mais elementos, que eu eventualmente não tenho e só a justiça brasileira saberá. Mas aquilo que eu posso dizer foi uma decepção quando o ex-presidente Lula se aproximou de um ditador africano, que é conhecido como sendo o padrinho da corrupção. E com a Odebrecht metida no saco o resultado não podia ser bom.
DW África: Você também se decepcionou com o Lula?
RM: Sim, sim. Esperava mais dele. A política brasileira sempre foi extremamente corrupta. Mas havia a esperança de que Lula contribuísse, como nenhum outro Presidente, para a melhoria do espectro político brasileiro, para que a política brasileira fosse mais séria, mais virada para os cidadãos desfavorecidos e fosse menos o circo que se viu com o golpe de Estado recente, aquela votação do congresso. Uma risada geral por esse mundo afora sobre a baixaria, se podemos assim dizer, dos políticos brasileiros. Se isso foi uma baixaria, como se diz aqui no Brasil.
DW África: Acha que o Governo angolano deverá colaborar com as investigações da Justiça brasileira sobre atividades envolvendo o ex-Governo de Lula e a Odebrecht em Angola?
RM: Obviamente. O Governo (de Angola) não quererá contribuir para o avanço das investigações.
DW África: Quais os principais problemas enfrentados pelos angolanos face às atividades da Odebrecht em Angola?
RM: Há muitos anos fiz um relatório sobre a situação dos direitos humanos nas áreas diamantíferas onde a Odebrecht também operava. E eram casos sérios de violação, de tortura, de assassinatos de garimpeiros e de aldeões. Da proibição de aldeões de irem buscar água nos rios, porque não tinham água canalizada porque a Odebrecht exigia que os rios estivessem sob seu total controle. Quando nós olhamos para as obras que são feitas em Angola ao nível da construção civil, há muito a se dizer em termos de seu impacto na vida das populações. As parcerias que a Odebrecht estabelece com altas figuras do poder são altamente prejudiciais para a economia angolana, para os cofres do Estado e para a seriedade que se espera das multinacionais que investem em países subdesenvolvidos.
Entrevista Rafael Marques (online) - MP3-Stereo
DW África: A atuação da Odebrecht em Angola vai além de denúncias de corrupção?
RM: Quando eu reportei os relatórios havia casos graves de tortura e mortes de populares. E tudo isso está documentado.
Desmascarar os corruptos
A organização não-governamental Transparência Internacional seleccionou, entre 383 candidaturas, os 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção". A votação decorre até 10 de fevereiro. Isabel dos Santos está na lista.
Isabel dos Santos
A filha mais velha do Presidente angolano está entre os 15 casos "mais simbólicos da grande corrupção" seleccionados pela Transparência Internacional. Isabel dos Santos foi considerada a primeira bilionária africana pela revista Forbes, que questiona a sua fortuna de mais de três mil milhões de dólares, num país em que dois terços da população vive com menos de dois dólares por dia.
Foto: picture-alliance/dpa
Banco Espírito Santo
As suspeitas de corrupção do Banco Espírito Santo (BES) em Portugal começaram quando entrou em bancarrota em 2014, levando accionistas e investidores a perderem dez mil milhões de euros, estima a Transparência Internacional. Foram descobertas fortes evidências de corrupção, fraude e lavagem de dinheiro. Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, já esteve preso e foi recentemente libertado sob fiança.
Foto: DW/J. Carlos
Teodoro Nguema Obiang
Conhecido pelo seu estilo de vida luxuoso, o filho do Presidente da Guiné Equatorial é, desde 2012, segundo vice-presidente da República e chefe de Defesa e Segurança do Estado. A Guiné Equatorial é o país mais rico de África, per capita, apesar do Banco Mundial alegar que mais de 75% da população vive na pobreza, com menos de dois euros por dia.
Foto: DW/R. Graça
Petrobras
A petrolífera Petrobras está envolvida num escândalo de subornos, comissões e lavagens de dinheiro de alegadamente mais de dois mil milhões de euros, que conduziu o Brasil a uma profunda crise política. Este caso envolveu mais de 50 políticos e 18 empresas. A população brasileira já fez vários protestos nas ruas para exigir justiça pelos crimes cometidos pela empresa estatal.
Foto: picture alliance/CITYPRESS 24
Ricardo Martinelli e companheiros
É ex-Presidente do Panamá e empresário. Possui atualmente uma rede de supermercados no país, entre outras empresas. Está envolvido numa polémica de espionagem política durante o seu mandato entre 2009 e 2014, utilizando alegadamente dinheiros públicos. Tem outras acusações em tribunal, incluindo vários crimes financeiros e subornos e perdões ilegais.
Foto: Getty Images/AFP/J. Ordone
Sistema político do Líbano
O sistema político no Líbano, nomedamante, o Governo, as autoridades a a instituições, encontram-se também na lista da International Transparency. Segundo a Associação de Transparência Libanesa, a corrupção encontra-se em todos setores sociais e governamentais, existindo "uma cultura de corrupção" no país. O Líbano é considerado um país "muito fraco" em termos de integridade.
Foto: Getty Images/AFP
Mohamed Hosni Mubarak
Presidente do Egito entre 1981 e 2011, Mohamed Hosni Mubarak foi também julgado e condenado em 2011 a prisão perpétua por crimes de guerra e contra a humanidade. No entanto, e após estar preso durante três anos, o Tribunal Penal do Cairo cancelou as acusações. Em maio de 2015 foi sujeito a um novo julgamento. Mubarak encontra-se agora preso.
Foto: Reuters/M. Abd El Ghany
Felix Bautista
O senador da República Dominicana foi acusado de branqueamento de capitais, abuso de poder, prevaricação e enriquecimento ilícito no valor de vários milhões de dólares. Bautista já foi presente a tribunal, mas nunca foi considerado culpado, o que originou vários protestos por parte da população dominicana que segundo um relatório de 2014 do Banco Mundial apresenta afluência na pobreza crónica.
Foto: unmaskthecorrupt.org
Estado americano de Delaware
O Estado norte-americano de Delaware está nomeado pelos crimes nos serviços transfronteiriços onde foram aplicadas regras secretas, pela falta de recolha de dados dos benificiários e pela maior incidência nos cidadãos comuns. O jornal The New York Times chegou mesmo a apelidar o Estado como "paraíso fiscal corporativo". Quase metade das empresas públicas nos EUA estão incorporadas em Delaware.
Foto: Getty Images/M. Makela
Zine al-Abidine Ben Ali
O ex-Presidente da Tunísia, que governou entre 1987 e 2011, é acusado de roubar mais de dois mil milhões de euros à população tunisina e de beneficiar amigos e companheiros a escapar à justiça. É conhecido pelo seu estilo de vida extravagante e saiu do Governo em 2011, na sequência de vários protestos e manifestações nas ruas da Tunísia conhecidos como a Revolução de Jasmim.
Foto: picture-alliance/dpa
FIFA
A Federação Internacional de Futebol, mais conhecida como FIFA, é acusada de ultrajar milhões de fãs. Os respoonsáveis pelos cargos mais elevados são acusados de roubar milhões de euros e estão a ser analisados 81 casos suspeitos de branqueamento de capitais um pouco por todo o mundo. Em 2006, o repórter Andrew Jennings lançou o livro "Jogo Sujo - O mundo Secreto da FIFA".
O ex-Presidente da Ucrânia é acusado de "deixar escapar" milhões de ativos estatais em mãos privadas e de ter fugido para a Rússia antes de ser acusado de peculato. Yanukovych começou o seu mandato em 2010, foi reeleito em 2012 e cessou as suas funções no ano de 2014, quando foi destituído após vários protestos populares nas ruas do país contra a possível aproximação com a Rússia.
Foto: picture alliance / AP Photo
Fundação Akhmad Kadyrov
A Fundação Akhmad Kadyrov é a associação para o desenvolvimento social e económico na Chechénia e foi acusada de obter valores que rondam os 55 milhões de dólares por mês, enquanto 80% da população continuava a viver na pobreza. Os membros da associação são ainda acusados de gastar as verbas a entreter e oferecer presentes às estrelas de Hollywood.
Foto: picture-alliance/AP Photo/D. Bondareff
Comércio de jade no Mianmar
O negócio da comercialização de jade está avaliada em cerca de 28 mil milhões de euros. A Transparência Internacional refere que quem mais lucra são traficantes de droga e funcionários de cargos mais elevados. Os conflitos saem também a ganhar através da compra de armas. Sóem novembro de 2015 morreram cerca de 100 trabalhadores na exploração de jade no Mianmar, após um deslizamento de terras.
Foto: Getty Images/AFP/K. Maung Win
China Communications Construction Company
A China Communications Construction Comaonz (CCCC) é uma das maiores empresas de construção do mundo e tem sede na China. A CCCC, que pertence parcialmente ao Estado, está alegadamente envolvida em propostas não-concorrenciais, negociações secretas e supostos casos de subornos. Em 2014 foi processada por violar os direitos dos moradores durante a construção de uma estrada no Uganda.
Foto: AFP/Getty Images
International Transparency
"Unmask the Corrupt" é um projeto da Transparency International e a votação está agora aberta a toda a população mundial até ao dia 10 de fevereiro. Casey Celso, diretor de Advocacia da Transparency International, frisa que a votação é totalmente anónima. "Lutamos contra a corrupção há bastante tempo e tentamos colocar o conceito de grande corrupção em todo o mundo", afirmou.