É tempo dos festivais de verão em Portugal. E a primeira noite do "Sol da Caparica", arredores de Lisboa, foi dominada por concertos de músicos angolanos. É uma "onda" que continua a crescer no país, diz Anselmo Ralph.
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Carlos Octávio, angolano com cerca de 40 anos de Portugal, vem sempre ao festival "Sol da Caparica" com amigos. O que lhe atrai é o facto de ser um festival de música em português.
"Já vi aqui grandes músicos africanos", afirma.
Ouviu, entre outros, o angolano Matias Damásio, depois do espetáculo do seu conterrâneo Anselmo Ralph, uma das mais procuradas atuações nesta edição do "Sol da Caparica", em Almada, na área metropolitana de Lisboa.
Sambizanga, a capital do kuduro
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"Este é um festival nosso, é um festival da lusofonia, e é sempre um prazer fazer parte deste cartaz de superestrelas", diz Anselmo Ralph.
O cantor angolano atuou pela terceira vez no "Sol da Caparica". A cada ano que passa, mais músicos dos países africanos de língua portuguesa preenchem o cartaz.
Segundo Anselmo Ralph, a música africana continua a ter muita aceitação em Portugal - "é a cena das ondas".
"Veio a onda da música africana e agora tem a onda da música latina. Mas a música africana está a caminhar, principalmente em países como Portugal, porque tem uma história longa com África", afirma. "Hoje já se ouve muitos artistas como Rui Orlando, Preto Show, artistas novos que têm tocado aqui. Pouco a pouco, estão a começar a crescer."
Sem crise
Portugal é procurado por ser uma espécie de plataforma de promoção e projeção internacional dos artistas angolanos; é um fenómeno que ganhou mais relevo quando Angola vivia o apogeu económico na era do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.
Mas, independentemente da crise que aflige nesta altura os angolanos que queiram sair do país devido às dificuldades de câmbio e de transferência de dinheiro, os palcos portugueses continuam a ser atrativos.
"Tu para viajares precisas da moeda de outro país. Para saíres de um país para outro há vários fatores, que, de certa forma, a crise acabou por atrapalhar. Mas só atrapalhou, não extinguiu, e [se for preciso, fazemos] das tripas coração de forma a podermos expandir o nosso trabalho", diz o jovem cantor angolano Rui Orlando.
A "onda" musical angolana na Caparica
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Entrada noutros mercados
Orlando atuou num outro palco no arranque do festival "Sol da Caparica", por onde passaram também os angolanos Kyaku Kyadaff, Leo Príncipe e Halison Paixão, entre outros músicos da geração mais jovem com canções já bem conhecidas em Portugal.
Kyadaff diz que frequenta Portugal há muitos anos. O autor de "Mónica", uma das suas canções de maior sucesso, evoca como suporte as relações históricas e culturais entre os dois países.
"Eu acho que ninguém deve esquecer isso, que essa ligação e essa vontade do angolano poder entrar em Portugal e mostrar aquilo que faz, e assim caminhar para outros mercados, é uma linha positiva", disse o cantor em entrevista à DW África.
Através da música "é possível estabelecer uma diplomacia cultural" para difundir "o que Angola tem de bom", acrescenta.
Mayra Andrade também atuou no arranque do "Sol da Caparica". O festival termina no domingo (18.08), destacando-se ainda os concertos dos brasileiros Gabriel o Pensador e Ludmilla, que em setembro estende a sua digressão internacional a Angola e Moçambique.
Os dez músicos brasileiros que mais se empenharam para fazer a ponte África-Brasil
A música torna-se um dos maiores aliados para eliminar diferenças e polémicas como, por exemplo, se o samba é brasileiro ou de Angola. Estes dez artistas colocam África em destaque de forma inovadora e revolucionária.
Foto: W. Montenegro
Viagens em livros e muita música
Martinho da Vila faz um verdadeiro manifesto anti-racista no livro "Kizombas, Andanças e Festanças", lançado pela primeira vez em 1972. O cantor e compositor, que assina alguns dos maiores sucessos da música brasileira, aparece no topo da lista dos músicos brasileiros que mais contribuíram para a ponte Brasil-África de acordo com diferentes instituições e especialistas ouvidos pela DW África.
Foto: Getty Images/R. Dias
"Marrom" graças ao amor pelas origens
Alcione Dias Nazareth, a Marrom, viajou diversas vezes para apresentações em países africanos, como Angola e Moçambique. Depois de 25 anos sem ir a Cabo Verde, a maranhense fez uma apresentação, em 2011, para celebrar os seus 40 anos de carreira. Do arquipélogo, inclusive, gravou "Regresso" (Mamãe Velha), composição histórica de Agostinho José que usou um poema de Amílcar Cabral.
Foto: Getty Images/F.Calfat
Sons e política em oração
Gilberto Gil, músico e ex-ministro da Cultura do Brasil, procurou desconstruir equívocos na música "Mão da Limpeza", em 1983, levando em conta o pejorativo termo de que "negro quando não suja na entrada, suja na saída". Cantada ao lado de Chico Buarque, valoriza a contribuição dos afro-brasileiros na gastronomia e cultura brasileiras. Em 1985, lançou a "Oração Pela Libertação da África do Sul".
Foto: FAO/Giulio Napolitano
"A carne mais barata do mercado é a carne negra"
Elza Soares é militante assumida numa carreira de mais de 60 anos e apresenta em muitas das suas músicas a realidade do negro, tomando como ponto central a mulher. Nascida na favela da Moça Bonita, Rio de Janeiro, em 1937, Elza não perde oportunidade para gravar canções como "A Carne", de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette. O mais recente trabalho é "A Mulher do Fim do Mundo" (2016).
Foto: Getty Images/K.Betancur
Composições e inspiração para novos artistas
Mateus Aleluia (esq.) morou 20 anos em Angola e sempre procurou ligações com outros artistas para dar vida à África perdida na história do Brasil. O músico nascido no estado brasileiro da Bahia inspira trabalhos de nomes como Carlinhos Brown, Nação Zumbi e Cidade Negra. Aleluia integrou o legendário "Tincoãs", nos anos 1970. Na foto, está ao lado de Bule-Bule (centro) e Raimundo Sodre (dir).
Foto: picture-alliance/ dpa/S.Creutzmann
Morena de Angola, Moçambique e Brasil
Clara Nunes (1942-1983) fascina quem pesquisa sobre o Brasil e está em África. O inédito nela é ter cantado sobre elementos fora do dia-a-dia das pessoas, como em "Mãe África", do marido Paulo César Pinheiro e Sivuca. Foi desta forma que rompeu paradigmas, vendendo mais de 100 mil cópias. É retratada no documentário Clara Estrela (2017), dirigido pelos brasileiros Susanna Lira e Rodrigo Alzugui.
Foto: W. Montenegro
O Sul do mundo em lágrimas
Milton Nascimento compôs a Missa dos Quilombos, em 1981, para denunciar as consequências da escravidão e do preconceito no Brasil. Criado por pais adotivos brancos, impulsionou a criação dos Tambores de Minas, nos anos 1990, e trabalhou com projetos envolvendo novos talentos. Com mais de 50 anos de carreira, escreveu Lágrima do Sul, ao lado de Marco Antônio Guimaraes, do grupo Uakti.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Cruz
Afro-brasileiro fora da África e do Brasil
Desde o início da sua carreira, nos anos 1960, Jorge Ben Jor manteve-se mais próximo dos aspectos afro-brasileiros, afastando-se da Bossa Nova que dominava a cena musical brasileira. O guitarrista, cantor e compositor gravou "África Brasil", em 1976. É deixando-se ser marcado por esta influência que se apresenta em diversos pontos do planeta, como no Festival de Montreux, na Suíça (foto).
Foto: picture-alliance/dpa/S.Campardo
Sem dar adeus à Àfrica
Naná Vasconcelos (1944-2016) já começou sua carreira intitulando o primeiro disco de "Africadeus", em 1973. Respeitado no mundo inteiro por valorizar as culturas africana e negra em seu trabalho, ganhou oito prémios Grammy. De 1983 a 1990, foi o Melhor Percussionista do Ano, da revista Down Beat. Em 2010, o pernambucano reuniu meninas e meninos de Angola, Brasil e Portugal no projeto Língua Mãe.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Moreira
Revolução em lugares inesperados
Já no início da carreira, nos anos 1960, Maria Bethânia fazia invocações africanas e revolucionou aglutinando dois continentes dentro de boates! Com uma trajetória sólida, em 1986, gravou com o grupo sul-africano Lady Smith Black Mambazo. Ao lado de Mingas, Mia Couto e Agualusa, a intérprete baiana acaba de lançar o documentário "Karingana, Licença para Contar" (2017), de Monica Monteiro.