"A PGR é que não permite a extradição de Chang para os EUA"
António Cascais
24 de abril de 2023
Detido há mais de quatro anos, o ex-ministro moçambicano Manuel Chang ainda não foi julgado nem extraditado. "Se há alguém que está a atrasar todo este processo é a PGR", acusa o Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO).
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O FMO, coligação de organizações não-governamentais moçambicanas, já no final do ano passado tinha considerado "justa" a rejeição, pela justiça sul-africana, do pedido de autorização de recurso do Governo de Moçambique para recorrer contra a extradição de Manuel Chang.
"A justeza para nós é a extradição de Manuel Chang para os Estados Unidos, onde pensamos que será devidamente julgado e não aqui em Moçambique", afirmaram, na, altura, membros do grupo de coordenação do FMO, referindo que a "recusa do recurso feito pelo Governo moçambicano é mais uma prova" que sustenta a sua posição.
O Supremo Tribunal de Recurso sul-africano rejeitou o pedido de autorização de recurso do Governo de Moçambique para recorrer contra a extradição de Manuel Chang para os EUA. De acordo com a ordem judicial, o tribunal sul-africano ordenou em 8 de dezembro de 2022 que o pedido do Governo moçambicano fosse indeferido.
Mas até à data, passados mais de quatro anos depois da detenção de Chang na África do Sul, em dezembro de 2018, o antigo ministro ainda não começou a ser julgado, nem foi ainda extraditado para país nenhum.
A DW África falou sobre o caso com Emídio Beula, membro do grupo de coordenação do FMO, que se mostra "preocupado" com o atual cenário, uma vez que o antigo ministro das Finanças de Moçambique "já deveria ter sido julgado nos Estados Unidos" e tem todo o direito "de apresentar o seu contraditório em sede do julgamento", sublinha.
"A PGR é que não permite a extradição de Chang para os EUA"
DW África: Em dezembro, o Supremo Tribunal de Recurso sul-africano negou o pedido de autorização de recurso do Governo de Moçambique para recorrer contra a extradição do ex-ministro das Finanças Manuel Chang para os EUA. Era expetável que Chang fosse então extraditado para os EUA ou que Moçambique voltasse a recorrer. Nenhuma destas opções aconteceu. Como é que o FMO encara a situação?
Emídio Beula (EB): Encaramos com preocupação, porque o nosso maior interesse é que o antigo ministro das Finanças de Moçambique já deveria ter sido julgado nos Estados Unidos e o julgamento ainda não aconteceu. E é por culpa do Estado moçambicano, através da Procuradoria-Geral da República (PGR), que tem submetido de forma recorrente recursos tentando impedir a extradição de Manuel Chang para os Estados Unidos. Lembro que a última decisão que foi tomada pelas autoridades sul-africanas foi no sentido de extraditar o antigo ministro das Finanças para os Estados Unidos. Entretanto, a Procuradoria recorreu dessa decisão para vários tribunais e, neste momento, aguarda pela decisão do último recurso que a Procuradoria submeteu na Justiça sul-africana. Portanto, se há alguém que está a atrasar todo este processo é a Procuradoria-Geral da República, que não permite a extradição de Manuel Chang para os Estados Unidos.
DW África: A África do Sul também tem culpa no cartório ou não?
EB: Eu acho que não. Acho que a África do Sul está a fazer o seu papel, está a receber os recursos, tem de apreciar, tem de julgar. No funcionamento do sistema de administração da Justiça, há várias fases para recurso. E a Procuradoria está, portanto, a explorar todos esses recursos, a gastar rios de dinheiro, justamente para impedir que Manuel Chang tenha um julgamento justo para os moçambicanos. Portanto, um julgamento em que os moçambicanos poderão acompanhar com maior transparência o que o antigo ministro tem a dizer.
Decisão sobre extradição de Chang "não surpreendeu"
01:06
Já passou muito tempo, ele foi detido em dezembro de 2018. Ainda está na África do Sul, ainda não foi julgado e ele tem esse direito de ser julgado, tem esse direito de apresentar o seu contraditório em sede do julgamento. Mas isso não está a acontecer porque a Procuradoria está sempre a apresentar recursos para impedir a extradição de Manuel Chang para os Estados Unidos.
DW África: Portanto, este atraso, na sua ótica, fere os direitos do cidadão em questão, Manuel Chang?
EB: De certa forma, sim. Nós não sabemos qual é o interesse pessoal dele, se é ser extraditado para Moçambique se é ser extraditado para os Estados Unidos. Mas, como qualquer cidadão, ele tem o direito de ser julgado e tem direito de apresentar o seu contraditório em sede de julgamento. Tem o direito de dizer aquilo que sabe do processo das dívidas ocultas. E repare que ele foi o primeiro moçambicano detido. Depois, seguiram-se as outras pessoas implicadas em Moçambique. Em 2019, essas pessoas já foram julgadas e ele, que foi o primeiro a ser detido, ainda não teve essa oportunidade, porque a Procuradoria está a insistir com recursos para impedir a sua extradição para os Estados Unidos.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)